Estimativa é referente a falhas na fiscalização do setor
Dados mostram que as exportações alcançaram US$ 43 bilhões (alta de 3,1%), com 392 milhões de toneladas comercializadas (+9,5%) (Ricardo Teles / Portal brasil.gov.br)
Estima-se que o Estado brasileiro deixou de arrecadar, em oito anos, cerca de R$ 16,4 bilhões em impostos da mineração por causa de falhas na fiscalização e na cobrança dos impostos do setor. O valor sonegado – que poderia ir para saúde e educação públicas - representa cerca de 55% do déficit primário previsto pelo governo para este ano, estimado em R$ 28,3 bilhões.
Nesse cenário, o Tribunal de Contas da União (TCU) cobrou que a Agência Nacional de Mineração (ANM) adote medidas e ações para minimizar o problema da sonegação na mineração, setor que representou entre 2,5% e 4% do PIB brasileiro nas últimas décadas.
O plenário do TCU determinou, entre outras medidas, que a diretoria-geral da ANM apresente, no prazo de 60 dias, um plano de ação para desenvolver um sistema de arrecadação e cobrança dos tributos da mineração. “E colocá-lo em pleno funcionamento no menor prazo possível, detalhando prazos para implementação de cada módulo do sistema”, diz o documento do Tribunal sob a relatoria do ministro Benjamin Zymler.
O ministro relator concluiu que a arrecadação da mineração depende essencialmente da boa-fé das empresas. "Porém, não existem instrumentos para persuadi-los, uma vez que a estrutura fiscalizatória da ANM é incapaz de gerar a expectativa de controle no setor regulado e, mesmo após as poucas fiscalizações, não se logra efetividade na cobrança", disse. Zymler.
O TCU destacou ainda que a auditoria foi limitada por falhas nos sistemas de tecnologia de informação da ANM. “Não existem, por exemplo, procedimentos automatizados de cruzamento de dados da arrecadação com informações do relatório anual”, informou.
O diretor do Observatório da Mineração e mestre em desenvolvimento sustentável pela Universidade de Brasília (UnB), Maurício Ângelo, lembrou que os minerais são recursos finitos e que, de acordo com a Constituição, essa é uma riqueza do Estado brasileiro e que deve ser revertida em benefício da sociedade.
“É absurdo que o país deixe de arrecadar bilhões e bilhões sistematicamente porque a ANM não tem equipe e estrutura adequada, além de não ter independência em relação às empresas. As mineradoras também acabam fazendo o lobby e usam inúmeras estratégias para não pagar os valores devidos. Enfim, são subterfúgios jurídicos, fiscais e tributários que as empresas usam”, completou.
O TCU também alertou os ministérios de Minas e Energia (MME); da Gestão e Inovação (MGI) e comissões da Câmara e do Senado de que a falta de estrutura da ANM inviabiliza a fiscalização do setor. “Há indícios de que os ganhos advindos da estruturação da ANM superam, em larga margem, o investimento necessário em recursos humanos e na modernização dos recursos de tecnologia da informação”, afirma o acórdão do Tribunal
O acórdão do TCU aponta que quase 70% dos mais de 30 mil processos ativos de mineração não pagaram espontaneamente a Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Mineirais (Cfem) entre 2017 e 2022. Além disso, de 134 processos fiscalizados pela ANM, apenas 40% pagaram o tributo devido, que é feito por autodeclaração das mineradoras.
O TCU estima que até R$ 12,4 bilhões deixaram de ser arrecadados entre 2014 e 2021. Além disso, outros R$ 4 bilhões de receita potencial deixaram de ser arrecadados por créditos prescritos entre 2017 e 2021. Isso porque a ANM não adotou as providências previstas para a cobrança desses valores. Outros R$ 20 bilhões correm o risco de também serem prescritos.
“A equipe atual do contencioso da Cfem, composta por seis servidores e um chefe, é insuficiente para analisar o passivo processual de aproximadamente 12 mil processos de cobrança de Cfem, o que pode implicar a decadência de aproximadamente R$ 20 bilhões de créditos já lançados”, diz o acórdão do TCU.
O Tribunal de Contas destaca que o quadro de pessoal da ANM sofreu grande redução nos últimos anos. Entre 2010 a 2023, o quadro de pessoal herdado pela ANM foi reduzido de 1.196 para 695 servidores, ou seja, queda de 41,9% da força de trabalho. Segundo a ANM informou ao TCU, seriam necessários mais 200 servidores para que a demanda de fiscalização fosse atendida.
“Segundo a ANM, o quadro atual de servidores corresponde ao seu menor efetivo desde a edição do atual Código de Mineração, em 1967, e ao maior déficit de pessoal de todo o serviço público federal”, diz o TCU, acrescentando que a estrutura organizacional de cargos da ANM deveria ser compatível com a das maiores agências reguladoras, mas é menor do que a da Agência Nacional de Cinema (Ancine) e só supera a da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq)..
O especialista Maurício Ângelo, do Observatório da Mineração, destacou que a ANM virou uma agência recentemente, em 2017, herdando uma estrutura que veio do Ministério de Minas e Energia.
“Essa migração não aconteceu da melhor maneira possível. Você vinha de um departamento já sucateado, com seus problemas, com déficit de servidores, e virou uma agência reguladora que tem outras características, outras atribuições. Isso comprometeu bastante a atuação da ANM”, comentou.
A Controladoria-Geral da União (CGU) calculou uma queda de 92% no número de fiscalizações realizadas pela ANM. De 2.184 fiscalizações da Cfem em 2014, a ANM realizou apenas 173 fiscalizações em 2019.
“Não basta simplesmente aumentar a dotação orçamentária, pois a ANM já está no limite da sua capacidade de execução orçamentária, em razão da escassez de pessoal e da falta de estrutura”, afirmou o TCU.
O Tribunal calculou que a mineradora mais beneficiada pelo não pagamento dos créditos prescritos foi a Vale, que deixou de pagar R$ 2,86 bilhões. Somente em 2023, o lucro líquido da Vale foi de R$ 39,9 bilhões.
O ministro revisor do processo, Augusto Nunes, destacou que diversas estratégias são empregadas para burlar a fiscalização. “Falsificam-se notas fiscais, conhecimento de transporte, ou são apresentadas guias de utilização com dados diversos da lavra de onde provém o minério, ou ainda são misturados minérios extraídos ilegalmente no meio de cargas com grandes volumes de minérios legalmente extraídos”, explicou o ministro.
Nunes acredita que os prejuízos são ainda maiores que os estimados pelo TCU porque a fiscalização, além de ser em número irrisório, são feitas em sua maioria mediante visitas simples aos escritórios das mineradores, “e não por meio de inspeções aos campos de mineração propriamente ditos – as chamadas fiscalizações in loco –, nas quais inconsistências podem ser mais facilmente identificadas a partir da análise dos livros fiscais e das etapas do processo produtivo”, completou.
Procurada, a Agência Nacional de Mineração (ANM) disse que não iria comentar a decisão do TCU. O espaço está aberto para os ministérios de Minas e Energia e de Gestão e Inovação, caso queiram se posicionar.
A Agência Brasil procurou ainda o Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram) para comentar o tema e aguarda retorno. O Instituto, que representa as empresas de mineração no Brasil, é hoje presidido pelo ex-ministro extraordinário da Segurança Pública do governo de Michel Temer, Raul Jungmann, e tem como vice-presidente o ex-ministro da Defesa do governo de Jair Bolsonaro, general Fenando Azevedo e Silva.