Num giro de seis jogos pelo Reino Unido nas últimas semanas – quatro na Inglaterra, dois na Escócia – pude reforçar, de forma bem cristalina, uma impressão sobre a qual já falei em outros momentos: normalmente a globalização, o fortalecimento da marca de um clube, de um campeonato mundo afora gera certa perda de atmosfera nos estádios. Invariavelmente há dificuldades para reconhecer que, em certo sentido, e frequentemente, não é possível ter tudo: fama planetária, turistas interessados, marketing sem fronteiras, e uma casa com alma de verdade. E nem os antídotos costumeiramente imaginados são necessariamente redentores, infalíveis; ticket caro e, digamos, não direcionados preferencialmente aos fãs locais/mais fanáticos na maior parte da arena, e bilhetes promocionais em um setor para quem agita? Nem sempre estes empolgados arautos/carregadores de piano têm garganta suficiente para compensar o silêncio sepulcral dos curiosos eventuais.
Brigar por futebol é de uma estupidez sem tamanho. Vários tipos de fanatismo que não chegam às vias de fato também são dignos de críticas diversas, sintomas de imaturidade, baixeza intelectual/espiritual. Nada disso impede a constatação de uma realidade a respeito da qual pouco se fala – por um tipo de medo: em diversas partes do planeta bola, em circunstâncias distintas a atmosfera é gerada, sim, somente e/ou principalmente por torcidas organizadas, hooligans e/ou por torcedores que, por alguma razão, classificaríamos como donos de um fanatismo bobo, exagerado. Entre um estádio mais quieto, e em paz, civilizado, e outro quente, porém repleto de risco para os bem-intencionados, claro que prefiro a primeiro opção. Óbvio também que essas duas coisas não são obrigatoriamente excludentes. Mas que há aspectos conflitantes – no sentido de o primeiro funcionar como obstáculo para o segundo – comumente entre o lado do internacionalizado e do “doente”, do “apegado”, do “real” no futebol...
Em viagens variadas muitas vezes encarei o comparecimento a praças, eventos esportivos como um programa legal não apenas por ser um apaixonado pelas modalidades, pelos jogos, em si. No meu imaginário vivenciar a festa de um estádio costumava parecer um jeito de entender culturas, comportamentos. Isso segue valendo, em boa medida. Acredito que neste novo esporte transformado profundamente em negócio, todavia, perdeu-se, em geral, nos chamados centros mais avançados, elevado grau deste teor. Pode-se ir à Old Trafford, ao Etihad Stadium ou ao Anfield e pouco absolver de uma real cultura inglesa – num pub bem escolhido nos arredores dos estádios talvez ganha-se mais nessa seara do que nas próprias arquibancadas, rodeado por turistas que acompanham os jogos em suas telas e parecem ter apenas aquele segundo para mostrar para seus “parças” que lá estão. Tanto esforço, tanto dinheiro gasto e nada de curtir pra valer o instante – aquela foto marota no Insta não pode esperar...
Pela espécie de oposição mencionada pude notar que em inúmeras ocasiões a sensação de ganho no campo de absorção cultural é oposta ao nível técnico do que se vê no gramado: no derby Hibernian e Hearts não encontrei atletas famosos, tão caros quanto claramente especiais; mas senti que por algum tempo pude conhecer um pouco mais das “pessoas reais” de Edimburgo. Já no duelo entre Manchester City e Chelsea estive diante daquele que é hoje, provavelmente, o melhor time do mundo. O silêncio da plateia, porém, chegou a me constranger. Deixando claro que considero extremamente simplória, boba, a maneira como se usa o batido dualismo “Nutella x Raiz” por aí, grosso modo, diria o seguinte: ainda não “gourmetizaram” o campeonato escocês; já o inglês...