(LLUIS GENE / AFP)
O governo da Espanha anunciou nesta quinta-feira (19) que continuará a aplicação do artigo 155, que permite intervir nos assuntos de uma região, ao ficar insatisfeito com a resposta do presidente da Catalunha, Carles Puigdemont, que disse que a declaração de independência não foi votada.
Às 10h (6h de Brasília) venceu o prazo final para que Puigdemont esclarecesse para o governo conservador de Mariano Rajoy se declarou a independência da região em uma confusa sessão no Parlamento catalão.
Em sua resposta, o líder separatista afirmou que, "se o Governo do Estado persistir em impedir o diálogo e continuar a repressão, o Parlamento da Catalunha poderá, se julgar oportuno, votar a declaração formal de independência que não votou no dia 10".
Rajou não se deu por satisfeito e convocou para sábado (21) um conselho de ministros para avançar nos trâmites para intervir na administração da região.
O governo espanhol constatou "a negativa do presidente da Generalitat da Catalunha a responder o requerimento e, em consequência, continuará os trâmites previstos no artigo 155 da Constituição para restaurar a legalidade na Catalunha", afirmou o governo em um comunicado, em referência ao texto que permite exercer as competências de uma autonomia, caso esta não cumpra as leis.
A nota oficial diz ainda que "o governo usará todos os meios a seu alcance para restaurar o quanto antes a legalidade e a ordem constitucional, recuperar a convivência pacífica entre cidadãos e frear a deterioração econômica provocadas pelo desafio independentista".
O requerimento do Executivo central submetido ao presidente catalão o estimulava a desistir de suas ambições separatistas e esclarecer (com um "sim", ou "não") se havia declarado a independência.
Não há resposta do governo catalão ao anúncio de Madri, mas os deputados da coalizão Junts pel Sí, do presidente Puigdemont, e da CUP, que formam a frente separatista no Parlamento catalão, estavam reunidos para decidir os próximos passos.
- Aplicação do 155 levará dias -
A Espanha é um país muito descentralizado, e a Constituição adotada em 1978 confere às suas 17 comunidades autônomas amplos poderes nas áreas de saúde e educação, por exemplo.
Inclui, porém, um dispositivo que permite ao poder central a intervenção direta em uma região no caso de crise.
Na questão da Catalunha, a crise mais grave desde o retorno da democracia à Espanha, o Tribunal Constitucional decidiu que o referendo de autodeterminação organizado pelo Executivo catalão em 1º de outubro foi inconstitucional.
Os separatistas afirmam que venceram a consulta com 90,18% dos votos e prometeram uma declaração unilateral de independência. Ela se encontra em um limbo no momento.
O artigo 155 diz que o governo central "pode adotar as medidas necessárias" para forçar uma comunidade autônoma a cumprir suas obrigações. Sua aplicação requer uma adoção no Conselho de Ministros e a subsequente aprovação do Senado. Esse trâmite pode se estender por vários dias.
Rajoy viaja nesta quinta-feira para Bruxelas, onde participa de uma cúpula europeia.
No primeiro prazo dado pelo governo e encerrado na segunda-feira, Puigdemont se limitou a oferecer o diálogo.
"Não se pode dialogar com quem está fora da lei e da Constituição", reagiu o chefe do governo espanhol na quarta-feira (18).
O artigo 155 faria o governo central assumir a administração da Catalunha, destituir as autoridades regionais e tomar o controle de sua Polícia, os "Mossos d'Esquadra".
É alto, porém, o risco de se provocar grandes mobilizações e uma instabilidade crescente na região.
Uma fonte do governo espanhol confirmou à AFP que o Executivo espanhol não invocaria o artigo 155 da Constituição, se Puigdemont convocar eleições regionais.
"A única saída que o senhor Puigdemont tem é restaurar a legalidade vigente e, do ponto de vista político, antecipar as eleições", disse na quarta-feira o líder do maior partido da oposição, o socialista Pedro Sánchez, que está em contato permanente com Rajoy para pactuar a resposta ao órgão separatista catalão.
No campo separatista, os aliados parlamentares de Puigdemont, a CUP, exigem que proclame imediatamente a independência. Seus dez deputados são essenciais para a sobrevivência do governo catalão.
Leia a carta do presidente catalão e a resposta do governo espanhol
- Carta de Puigdemont a Rajoy -
"Prezado Presidente Rajoy:
O povo da Catalunha, no dia 1º de outubro, decidiu pela independência em um referendo com o aval de uma elevada percentagem dos eleitores. Uma percentagem superior à que permitiu ao Reino Unido iniciar o processo do Brexit".
"Em 10 de outubro, o Parlamento celebrou uma sessão com o objetivo de avaliar o resultado do referendo e seus efeitos; e foi onde propus deixar em suspenso os efeitos daquele mandato popular".
"Disse para favorecer o diálogo [...]. Nesse sentido, em minha carta de segunda-feira, propus fazer uma reunião que ainda não foi atendida".
"Tampouco foi atendido o pedido de reverter a repressão. Ao contrário, aumentou e comportou a ida para a prisão do presidente da Òmnium Cultural e do presidente da Assembleia Nacional Catalã, entidades de reconhecida trajetória cívica, pacífica e democrática".
"Esta suspensão continua vigente".
"Que a única resposta seja a suspensão da autonomia indica que não se está consciente do problema e que não se quer conversar".
"Se o Governo de Estado persiste em impedir o diálogo e continua com a repressão, o Parlamento da Catalunha procede, se achar oportuno, à votação da declaração formal de independência, a qual não se votou no dia 10 de outubro".
- Resposta do governo Rajoy -
"O Governo da Espanha constatou, às 10 horas desta manhã, último prazo estabelecido, a negativa do presidente da Generalitat da Catalunha a atender ao requerimento que lhe foi enviado em 11 de outubro passado".
"Em consequência, o Governo da Espanha continuará com os trâmites previstos no artigo 155 da Constituição para restaurar a legalidade no autogoverno da Catalunha".
"No próximo sábado, o Conselho de Ministros, reunido de forma extraordinária, aprovará as medidas que levará ao Senado a fim de proteger o interesse geral dos espanhóis, entre eles os cidadãos da Catalunha, e restaurar a ordem constitucional na Comunidade Autônoma".
O Governo "denuncia a atitude mantida pelos dirigentes da Generalitat de buscar, deliberada e sistematicamente, o enfrentamento institucional, apesar do grave dano que se está causando à convivência e à estrutura econômica da Catalunha".
"O Governo disporá de todos os meios a seu alcance para restaurar o quanto antes a legalidade e a ordem constitucional, recuperar a convivência pacífica entre cidadãos e frear a deterioração econômica que a insegurança jurídica está causando na Catalunha".