Inferioridade enraizada

19/08/2016 às 20:45.
Atualizado em 15/11/2021 às 20:27

A Lei Maria da Penha completou dez anos no último dia 7 de agosto. Ela traz em sua essência a missão de eliminar o conceito de inferioridade feminina, que está totalmente enraizado em nossas relações sociais. Em uma década de existência, a norma já conseguiu alguns avanços como o aumento das penas para o agressor e das condições de segurança para que as vítimas passem a ter coragem de denunciar. Mas ainda existem dificuldades que geram dúvidas sobre a efetividade da lei.

Um dos desafios seria garantir adequada amplitude à rede de serviços que ampara as mulheres em situação de violência, como delegacias, juizados especializados e casas-abrigo. Há também a necessidade de investimentos em educação, para desconstruir a cultura de violência contra a mulher.

Levantamento feito pelo jornal Folha de S.Paulo mostra que apenas 28 dos 5.570 municípios brasileiros têm policiamento específico para mulheres protegidas pela lei. Segundo a reportagem, dois terços desses programas são mais recentes, criados a partir de 2015.

A cada ano, mais de um milhão de brasileiras são vítimas de violência doméstica no país, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Outros dados, da Fundação Perseu Abramo, mostram a gravidade da questão: a cada cinco minutos uma mulher é agredida no Brasil e uma em cada cinco mulheres já sofreu algum tipo de violência de um homem (conhecido ou não). O parceiro da vítima é responsável por 80% dos casos reportados.

“Apenas 28 municípios brasileiros têm policiamento específico para mulheres protegidas pela lei”

  

Entre janeiro e março deste ano, foram registrados 200 relatos de violência contra a mulher no Ligue 180, canal de denúncias da Secretaria de Políticas para Mulheres (SPM), vinculada ao Ministério da Justiça.

Certamente, a agressão física é a forma mais dramática de expressão de violação dos direitos de um ser humano. Mas a subjugação feminina pelo homem é um padrão que se repete em diversas situações do nosso dia a dia.

Disputar posições de destaque e condições igualitárias no mercado de trabalho é sempre mais árduo e sofrido para as mulheres. Outro ponto sensível para elas é a baixa representatividade na política. A tímida presença feminina no Poder Legislativo e em postos de comando da administração pública comprova sua situação de inferioridade social e torna ainda mais difícil o trabalho de mudança nos costumes do Brasil.

Somos um dos países com maior desigualdade de gênero no ambiente político em todo o mundo. Em comparação com todos os outros países da América Latina, só estamos melhores do que Belize e Haiti. Um estudo feito em 13 países da região, coordenado pela pesquisadora Luciana Panke, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), mostra que as mulheres ocupam apenas 8,6% das vagas no parlamento brasileiro. Belize e Haiti apresentam índices de 4,2% e 3,1%, respectivamente. No topo da tabela estão Cuba (48,9%), Nicarágua (42,4%) e Equador (41,6%).

O caso brasileiro, entretanto, não é único. A média internacional de representatividade feminina nos parlamentos é de 20%, segundo dados da professora paranaense. Na verdade, países que alcançam números como os de Cuba são exceções. Ou seja, os valores que afirmam a inferioridade feminina persistem em todas as culturas.

Essa realidade também precisa ser mudada no Brasil. A necessidade de atuação das mulheres na vida política do país vai muito além da guerra dos sexos. Ela é uma condição essencial para a evolução da sociedade. Quando alcançarmos uma situação de igualdade no comando das instituições, não vamos mais precisar de leis como a Maria da Penha. Nesse momento, vamos compreender que crimes contra um ser humano não têm distinção de gênero.



 

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