Juros estratosféricos travam a retomada do crescimento brasileiro

Raul Mariano
rmariano@hojeemdia.com.br
16/07/2016 às 21:20.
Atualizado em 16/11/2021 às 04:20
 (Editoria de Arte)

(Editoria de Arte)

Enquanto a economia brasileira patina, os juros das operações de crédito no varejo continuam a quebrar recorde sobre recorde. Levantamento realizado pela Associação Nacional de Executivos de Finanças (Anefac) mostra que as taxas de juro ao tomador final (pessoas físicas e empresas) sobem consecutivamente há 21 meses. No mês passado, o empréstimo rotativo do cartão de crédito bateu em 447%, segundo a Anefac. Na mesma toada, os juros do cheque especial chegaram a 286% ao ano e 11,9% ao mês, maior índice mensal desde abril de 1999.

O principal motivo para as taxas absurdas, de acordo com especialistas, não está na macroeconomia, mas na concentração do setor bancário –mais de 80% das operações crédito estão nas mãos de cinco bancos Itaú, Bradesco, Banco do Brasil, Caixa e Santander. Mas também no crescimento da inadimplência, que foi de 4,3% de janeiro a maio (atrasos de mais de 90 dias), segundo dados do Banco Central.

A taxa básica de juro brasileira (taxa Selic) também é a mais alta do mundo, mas não justifica o que se cobra no varejo. Se for considerado o juro real (descontada a inflação), a Selic está hoje em 5,41%. E, em função da expectativa de queda da inflação, a taxa real projetada para 12 meses está em 7,07%, conforme a consultoria Infinity Asset Management.

“Lá fora o contexto é completamente diferentes do nosso. A inflação é mais baixa, a situação fiscal é mais controlada, a moeda é mais forte e, sobretudo, não há processos jurídicos e políticos cheios de dúvidas”, explica o diretor executivo da Anefac, Miguel Ribeiro de Oliveira.

O que contraria o raciocínio de Oliveira é que nem mesmo os maiores pagadores nominais de juros, como Argentina e Venezuela, que enfrentam problemas de descontrole fiscal e inflacionário mais graves que os do Brasil, superam os juros reais praticados no país.

Selic
A Selic (taxa nominal) foi mantida em 14,25% nas últimas oito reuniões do Comitê de Política Monetária (Copom), desde julho de 2015.[/TEXTO]

Especialistas explicam que o desequilíbrio fiscal, que no Brasil é estrutural, impede que o Banco Central reduza de forma efetiva a Selic. O primeiro governo da presidente Dilma Rousseff marcou um momento histórico de forte redução da Selic, quando esteve entre 7% e 8%. Mas, na média dos últimos 20 anos, o juro básico é de 17,62%.

“O Brasil é como um cidadão que gasta mais do que ganha. Isso faz com que a dívida cresça continuamente. Então, o país vai em busca de mais crédito para arcar com os compromissos e só consegue isso se pagar juros maiores”, explica o economista da Fundação Getúlio Vargas, Felipe Salto. <EM></CW>

Armadilha
A taxa Selic também é o principal instrumento utilizado pelo Banco Central para controlar a inflação, juntamente com o câmbio. <CW0>A lógica é elevar os juros para inibir o consumo e, com isso, controlar a alta dos preços. No entanto, especialistas explicam que em uma inflação de custos como a que o país vive nesse momento, a estratégia de utilização da Selic perde efetividade.

O professor de economia da PUC Minas Ricardo Fonseca Rabelo afirma que a Selic alta não tem funcionado porque nossa inflação, hoje, não é de demanda, mas sim turbinada pelos preços controlados como combustíveis e energia elétrica, que subiram muito em 2015. Além disso, razões sazonais impactam neste momento a oferta e os preços dos alimentos.

“Algumas medidas do governo poderiam ajudar, como a criação de uma rede de ofertas de alimentos, com preços que balizassem o mercado, por exemplo”, avalia Rabelo.

“Mesmo com a queda da Selic, nada garante que os juros de mercadoirão cair”Miguel de OliveiraDiretor executivo da Anefac

Custo do dinheiro derruba investimentos e incentiva especulação

Para o setor produtivo, os juros em alta são sinônimo de baixo investimento. Além do dinheiro caro afastar os possíveis tomadores de crédito, para as empresas com dinheiro em caixa fica mais atraente aplicar no mercado financeiro do que investir na produção.

Dados da Anefac apontam que a taxa média de juros praticada pelos bancos para pessoas jurídicas em junho foi de 72,14% ao ano e 4,63% ao mês – maior índice mensal desde fevereiro de 2005. A título de comparação, a média dos juros para empresas nos Estados Unidos não ultrapassa os 3% ao ano, e em Portugal não passa de 2%.

Essa é a razão para que entidades da indústria peçam redução dos juros. Ou seja, para viabilização de novos investimentos.

Em função da tendência de queda da inflação, o mercado já trabalha com a possibilidade de que o Banco Central venha reduzir a Selic até o fim de 2016. Como a taxa é utilizada como referência nas operações entre bancos, ela acaba influenciando os juros sobre toda economia nacional.

“O futuro ainda é incerto, mas, se levarmos em conta a tendência de elevação da inadimplência, a expectativa é que as taxas de juros das operações de crédito voltem a ser elevadas nos próximos meses. Agora, como existe a expectativa de que o Banco Central possa vir a reduzir a taxa básica de juros (Selic) nos próximos meses, este fato pode igualmente contribuir para a redução das taxas de juros das operações de crédito”, explica o presidente da Anefac, Miguel Oliveira.

De março de 2013 a junho de 2016, a Selic saltou de 7,25% para 14,25%, um aumento de 96,55%. No mesmo período, a taxa de juros média para pessoa física saltou de 87,97% ao ano para 153,50%, uma elevação de 74,49%.

Para Oliveira, enquanto permanecer o cenário de inflação elevada e desequilíbrio fiscal, os juros de mercado e a Selic permanecerão altos. “Agregado a isto está a recessão e o crescimento do desemprego. E tudo isto somado ao fato de as perspectivas para 2016 serem igualmente negativas”.

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