Justiça anula 75% dos reajustes abusivos dos planos de saúde coletivos

Tatiana Moraes
tmoraes@hojeemdia.com.br
19/10/2017 às 21:03.
Atualizado em 02/11/2021 às 23:18
 (Arquivo pessoal)

(Arquivo pessoal)

 Três em cada quatro consumidores que contestam na Justiça o reajuste do plano de saúde coletivo ganham a ação, conforme levantamento do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) em 10 tribunais do país, além do Superior Tribunal de Justiça (STJ), entre 2013 e 2017.

Em Minas, a suspensão dos reajustes por considerá-los abusivos foi de 100% nos últimos anos, nas ações analisadas. O Estado foi seguido por São Paulo, com 86% de cancelamento dos aumentos. No Brasil, em 56% dos casos a operadora foi obrigada a devolver o dinheiro pago a mais e em 26% o reajuste foi barrado ainda na 1ª instância.

Conforme a pesquisa, o reajuste médio anual dos casos barrados na Justiça foi de 89% entre 2013 e 2017. A título de comparação, o ano de 2017 deve fechar com o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) em 3%, segundo relatório Focus elaborado pelo Banco Central, divulgado na última segunda-feira. Ou seja, o reajuste médio dos contratos que foram parar na Justiça é quase 30 vezes maior do que a inflação.

Vale ressaltar que os planos coletivos são aqueles contratados por empresas, associações de classe ou sindicatos, e respondem por 80% dos contratos em vigor no Brasil.

O reajuste aplicado por eles não é controlado pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), embora o órgão receba uma notificação do índice que será aplicado. Segundo dados da agência reguladora, ao todo, o mercado conta com 47,6 milhões de usuários no país.

Chances

A pesquisa feita pelo Idec apontou que os reajustes que ultrapassam 30% ao ano têm mais chances de serem cancelados pelo judiciário. Porém, a advogada e pesquisadora da instituição, Ana Carolina Navarrete, ressalta que alguns pontos devem ser analisados para que haja o cancelamento do aumento pelos tribunais. “O fato de não haver prova da sinistralidade, que mede a taxa de uso do plano acima do esperado pela operadora, é outro fator”, diz a advogada.

Clareza

Outro ponto é a clareza contratual. Em muitos casos, a operadora do plano de saúde simplesmente não especifica no contrato como será feito o reajuste, o que é imprescindível para que ele ocorra. Para o coordenador-geral do Procon Assembleia, Marcelo Barbosa, é fundamental que o cliente conheça a fundo o contrato assinado por ele.

“Nos planos coletivos, a empresa ou associação fecha um acordo com o plano de saúde. Os reajustes que serão pagos pelo contratante são combinados nessa fase e especificados no contrato. E, muitas vezes, eles são altos. A sinistralidade também deve ser levada em conta. Quanto menor a quantidade de pessoas participando daquele grupo, maiores as chances de o reajuste vir mais alto”, diz.

E o motivo é simples. Hoje, é possível criar grupos de planos de saúde para até três pessoas. Se uma delas adoecer e ficar muito tempo no CTI, por exemplo, o custo é rateado pelos demais integrantes do grupo, aumentando a taxa de sinistralidade.

O coordenador-geral do Procon Assembleia explica que uma norma da ANS obriga os planos a detalhar, com clareza, os custos extras, o que, de acordo com o especialista, nem sempre acontece, aumentando a judicialização do setor.
“Os planos têm que apresentar planilhas bem detalhadas, que mostrem o que entrou e o que saiu. Não pode ser nada complicado, que o consumidor não entenda”, alerta.


Para advogada, quantidade de ações nos tribunais é prova da atuação falha da ANS

Em 2015, a psicóloga Anna Azevedo e o economista inglês Peter King decidiram fazer um plano de saúde para ele. Na época, o valor cobrado pela operadora era de aproximadamente R$ 600. O primeiro boleto, porém, já chegou com acréscimo de R$ 70. “Estranhamos, pois o combinado não era aquele. Acionamos a Justiça e conseguimos o reembolso. Mas o problema continuou”, lamenta Anna.

A partir daquele momento, todos os reajustes foram sobre o valor errado, de R$ 670. Alguns aumentos foram próximos de 40%. “Entramos em contato com a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), mas não conseguimos resolver. Agora, vamos acionar a Justiça de novo”, afirma a psicóloga.

Na avaliação da advogada e pesquisadora em saúde do Idec, Ana Carolina Navarrete, a quantidade de casos considerados abusivos nos tribunais questiona a atuação da ANS. O motivo é simples. Embora o órgão não seja responsável por limitar os aumentos dos planos coletivos, a especialista afirma que a agência reguladora autoriza sim os repasses, já que ela é informada dos aumentos.

ANS

Por nota, a ANS informou que embora tenha solicitado, não teve acesso à pesquisa do Idec. Ainda conforme a agência, ela tem aprimorado as regras e normativas que regulamentam o setor de forma a estimular a eficiência, a transparência e a escolha consciente dos consumidores.

“Foi justamente buscando dar mais transparência às relações entre operadoras e beneficiários de planos de saúde que a ANS editou, no final de 2015, a Resolução Normativa nº 389, cujo artigo 21 cria uma regra que obriga as operadoras a disponibilizarem a memória do cálculo do reajuste para o contratante. Dessa forma, as operadoras devem explicar como chegaram àquele percentual aplicado”, diz o texto.

Na avaliação do presidente da Associação Brasileira das Empresas de Plano de Saúde em Minas Gerais (Abramge-MG), José Fernando Rossi, os reajustes aplicados pelas operadoras não cobrem, sequer, a inflação do setor médico.

“Os aumentos submetidos pelas operadoras são insuficientes para compensar até mesmo a inflação média do mercado. Isso acontece há mais de 10 anos. As operadoras trabalham com muita dificuldade de caixa, tanto que raras operadoras têm lucro. E a judicialização do setor piora o quadro das empresas”, lamenta.

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