(FREDERICO HAIKAL/)
Consumidores mineiros com contas de água e luz atrasadas não podem mais ser incluídos no cadastro de devedores do SPC, o Sistema de Proteção ao Crédito (SPC). O Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) concedeu liminar ao Ministério Público Estadual proibindo a inscrição dos dados desses inadimplentes na lista suja. Assim, a Câmara de Dirigentes Lojistas de Belo Horizonte (CDL-BH) fica impedida de negativar o nome dos clientes em débito com a Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) e a Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa).
Além da proibição da inclusão dos devedores de água e energia elétrica, o tribunal determinou a suspensão, em no máximo 30 dias, da divulgação das informações dos inadimplentes cujos dados já foram inscritos anteriormente.
A magistrada Renata Bonfim Pacheco estabeleceu ainda que o descumprimento de quaisquer das determinações sujeitará a CDL-BH ao pagamento de multa diária no valor de R$ 10 mil, limitada a R$ 1 milhão. Da decisão cabe recurso.
Punição
Para o coordenador da Promotoria de Justiça de Defesa do Consumidor do MPE, Fernando Abreu, que entrou com a ação, os consumidores já são punidos quando deixam de pagar as contas pelo corte na prestação dos serviços. “Água e energia elétrica são serviços essenciais e não podem gerar prejuízo para o consumidor pela restrição de crédito ou dano à imagem”, disse, em entrevista ao Hoje em Dia.
Segundo o promotor, a inclusão no cadastro negativo por atraso nas contas da Copasa e da Cemig atrapalha “o andamento natural da vida das pessoas” e gera transtornos aos consumidores.
A auxiliar de bordo Kátia Pereira Pardinho, 29, aplaudiu a decisão da Justiça. “Especialmente no início do ano temos que pagar um monte de impostos. Ninguém atrasa o pagamento porque quer, principalmente de água ou energia. A gente não paga porque não tem de onde tirar”, disse ela. Com o aperto financeiro, Kátia se viu obrigada a adiar a quitação de dívidas e acabou tendo o nome incluído no SPC. “Com duas contas atrasadas, eles cortaram a luz. Também atrasei prestações do cartão. Agora é tentar rever essa situação difícil”, lamentou.
A assessoria de imprensa da CDL-BH foi procurada, por telefone e por e-mail, mas não se manifestou até o fechamento desta edição.
Decisão foi motivada pelo ‘caráter público’ dos serviços
A decisão liminar assinada pela juíza Renata Bonfim Pacheco aceita o argumento do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) de que, embora estejam abertos à iniciativa privada, os serviços de fornecimento de água e energia elétrica não perdem seu caráter público e a sua essencialidade. “Isso impõe ao Estado a obrigação do titular do serviço, presente o notório interesse social”, diz a decisão.
Na liminar, a juíza também diz que não se pode esquecer que são possíveis situações esporádicas, como desemprego ou aperto financeiro, capazes de prejudicar o pagamento dos serviços e que a inclusão de pessoas na situação acarretaria ônus “demasiado severo”. A decisão é válida apenas para pessoas físicas.
Renata Pacheco cita o exemplo de que empresas exigem a inexistência de débitos na praça para contratação de um trabalhador, e a inclusão nos serviços de proteção ao crédito geraria obstáculo para que o devedor conseguisse um novo emprego e saísse de eventual situação de “penúria financeira”.
A ação civil pública impetrada pelo MPMG também pede a impossibilidade de inclusão no SPC de pessoas com débitos em serviços de ensino, como faculdades privadas. A Justiça, porém, não acatou esse pedido na liminar concedida. A decisão foi assinada no último dia 5 e CDL deve apresentar defesa em 15 dias após a notificação. Até esta quinta-feira (19), a defesa não constava nos autos.
Regulação
A Copasa, em nota, informou que “já não faz inclusão de seus consumidores inadimplentes junto aos Cadastros de Proteção ao Crédito em razão da vedação prevista na Lei Estadual que criou a ARSAE-MG (agência reguladora do setor)”. A Agência Reguladora de Água e Esgoto (Arsae-MG) foi criada a partir da Lei 18.309, de 2009. Nos autos do processo, o MPMG diz ter conhecimento de que o contrato entre CDL e Copasa, “para fins de inscrição de dados dos consumidores inadimplentes quanto ao pagamento dos serviços por ela ofertados” é de 2014, ou seja, posterior a criação da agência reguladora.
A Cemig, apesar de citada e diretamente impactada pela decisão da justiça mineira, afirmou, também em nota, que “não é parte do processo movido pelo Ministério Público e vai aguardar os próximos andamentos do processo”.