A carioca Adriana Lisboa se interessa há algum tempo pelo tema do deslocamento, presente em seus três últimos livros. De 2007, Rakushisha fala de viajantes brasileiros no Japão e de toda a questão da incomunicabilidade entre duas culturas. Já Azul Corvo, de 2010, foi concebido quando a autora já vivia nos Estados Unidos e a questão da imigração começou a fazer parte de seu universo. Hanói, seu sexto romance que será lançado nesta segunda-feira (10), aborda esse mesmo tema, mas investiga processos mais extremos: dos refugiados - no caso, vietnamitas que se mudaram para os Estados Unidos após a guerra - e do protagonista David rumo ao seu fim.
Em entrevista por telefone feita antes de embarcar para o Brasil, Adriana Lisboa contou que trabalhou durante um ano como voluntária num centro de recepção de refugiados. "Essa é a experiência mais radical possível em termos de imigração. São pessoas muitas vezes arrancadas violentamente de seu local de origem, que vivem em trânsito, às vezes por décadas, em campos de refugiados até saberem onde vão parar, e que por vezes também não se encaixam nesses lugares para onde acabam indo."
Nesse tempo, pesquisou a história de filhos de mulheres vietnamitas com soldados americanos durante a guerra e foi daí que criou alguns dos personagens. "Mas a questão do não pertencimento, do desenraizamento, ultrapassa a questão meramente local. Não se trata apenas da nossa existência num lugar físico, mas também da relação com a própria vida. E embora todos nós saibamos que vamos morrer, isso nunca é uma preocupação consciente até que a gente fique doente ou até que alguém morra perto da gente. A surpresa de saber que a morte está tão próxima cria essa espécie deslocamento dele dentro da sua própria vida", explica.
David opta por uma atitude prática, e até fria, diante da sentença de morte. Não quer dar trabalho para ninguém - mesmo porque não tem ninguém - e começa a se desfazer de suas coisas. Enquanto pensava em seu personagem, a autora viu a foto de uma pessoa que decidiu fazer uma longa viagem e abriu mão de tudo que tinha. Restou uma mochila. Aquilo a impressionou e David faz o mesmo.
Começa pelo emprego, depois os peixes, o sofá, o computador. Só não abre mão de suas músicas, e de um ou outro objeto que o faz lembrar de sua diminuta família: o pai, que deixou Governador Valadares para fazer a vida na América, e a mãe, que partiu por motivos nunca esclarecidos. Uma morte simbolizada; a outra, não.
A autora conta que seu principal desafio foi abordar o tema de forma não pesada. "David fica o tempo todo lutando contra a dramatização da própria morte. A morte, não no sentido melodramático, é um dos temas mais importantes da nossa vida e deveríamos tê-la como norte."
O plano do protagonista de sair sem deixar rastro, porém, vai aos poucos dando errado quando ele entra na vida da família de Alex. É nesse encontro com o outro, com estranhos, que ele descobre também um sentido para sua vida. E é Alex quem o ajuda a escolher seu destino final: Hanói, a capital do Vietnã. Em meados de 2012, Adriana foi para lá. "A loucura da cidade foi muito importante para que não houvesse no livro uma ideia do Vietnã quase como uma Pasárgada, um paraíso distante no passado dos personagens e talvez no futuro do David", explica.
HANÓI - Autora: Adriana Lisboa. Editora: Alfaguara (240 págs., R$ 39)
Lançamento: Livraria da Vila (R. Fradique Coutinho, 915). Nesta segunda-feira, 18h30.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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