HOMENAGEM

Livro sobre dramaturgo e diretor João das Neves será lançado nesta quinta-feira

Da Redação
22/09/2022 às 07:32.
Atualizado em 22/09/2022 às 08:07
“Estado de Arte” aborda um período de criação artística de João das Neves marcado por ampla experimentação de espaços não convencionais. (João Castilho/Divulgação)

“Estado de Arte” aborda um período de criação artística de João das Neves marcado por ampla experimentação de espaços não convencionais. (João Castilho/Divulgação)

Os 25 anos da obra do diretor, dramaturgo e ator carioca João das Neves em Minas Gerais estão reunidos no livro “Estado de Arte – João das Neves e Minas Gerais” será lançado nesta quinta-feira (22), à 20h, no canal do YouTube da Associação Campos das Vertentes (ACV).

A publicação foi organizada pelo jornalista João Paulo Cunha, falecido há poucos dais, em colaboração com a jornalista Ludmila Ribeiro e a cantora Titane. Os textos são assinados por diversos artistas, teóricos, pesquisadores do teatro e há uma série inédita de reportagens realizadas especialmente para esta edição.

Os exemplares estão à venda a R$100 pela Laboratório Editorial Aquilombô, no site da editora. No lançamento, estarão presentes personalidades da cena cultural brasileira, como Marcos Alexandre, Titane, Laura Castro, Pedrina, Ione de Medeiros e Chico Pelúcio. 

Durante a programação, estão previstas ainda apresentação comentada do espetáculo “Lazarillo de Tormes” - dirigido por Neves -, na sexta-feira, e de canções do musical “Lili canta o mundo” - primeira produção da ACV dedicada à infância – no sábado, ambas às 20h. Toda programação é online e será transmitida gratuitamente pelo canal do Youtube da associação. 

“João das Neves é uma das principais personalidades de seu tempo, como dramaturgo, encenador, artista e pensador do mundo contemporâneo”, afirma Titane, companheira de arte e de vida do diretor. A artista conta que a ideia era que o livro fosse escrito pelo próprio João. “Mas não houve tempo. Ele faleceu antes de realizar mais esta façanha”.

Titane relata que João Paulo Cunha - por quem João tinha muita admiração e era seu leitor voraz -, aceitou o convite para colaborar. “Dois se chamam João, dois geniais. É pena termos que nos despedir também de João Paulo Cunha, que nos deixou há pouco. Mas sei que por aqui reverberam suas palavras e seu carinho pela obra de João das Neves”, afirma.

No prefácio do livro, assinado por João Paulo Cunha, o jornalista explica que “Estado de arte” é um apanhado de momento particularmente criativo da existência do artista. “Sem a palavra viva do criador, o diálogo com outros interlocutores foi sendo tramado, bem no estilo de obra aberta e colaborativa, que sempre marcou os projetos do artista”. A publicação está dividida em três momentos. Logo nas primeiras páginas o leitor encontra um perfil biográfico, de autoria das pesquisadoras Natália Batista e Miriam Hermeto, que situa João no tempo e na história do teatro brasileiro.

A segunda parte do livro traz reportagens escritas pelos jornalistas João Paulo Cunha, Ailton Magioli, Carolina Braga, Joyce Athiê, Ludmila Ribeiro e Beatriz França sobre espetáculos e apresentações musicais dirigidas pelo dramaturgo, em Minas. O leitor terá acesso à trajetória dos trabalhos “Primeiras estórias”, “Troços e Destroços” e “Pedro Páramo”, “Sá Rainha” e “Inseto Raro”, “Besouro Cordão de Ouro”, “Saga no País das Gerais”, “Galanga Chico Rei”, “Zumbi”, “Madame Satã”, “Exercício Nº1”, “Titane e o campo das vertentes”, desde o processo criativo até sua estreia e circulação.

“João sempre manteve bom relacionamento com a imprensa especializada. O jornalismo cultural, para ele, ficava entre uma ampliação da abrangência do espetáculo, uma reflexão sobre sua reverberação na consciência do seu tempo histórico e um diálogo alargado com todos os envolvidos na realização da obra” (trecho do prefácio de João Paulo Cunha).

Na terceira e última parte, o livro reúne reflexões e depoimentos sobre Neves e sua obra, assinados por pesquisadores da arte e de artistas da cena brasileira, como Luís Alberto de Abreu, Suszi Frankl Sperber, Vera Casa Nova, Ilka Marinho Zanotto, Marcos Antônio Alexandre, Chico Pelúcio, João Silvério Trevisan, Maria Inês de Almeida, Guê Oliveira e Titane, Fernando Mencarelli e João Paulo Cunha.

“João sempre foi um visionário. Não um visionário romântico que vê o futuro em acessos de loucura ou laivos de desrazão. João é uma espécie rara de visionário, daquele que se compromete em ver além do presente, e se esforça para devassar o futuro e trazer para o homem, as imagens do amanhã”, reflete o diretor Luís Alberto de Abreu.

“Estado de Arte” aborda um período de criação artística de João das Neves que, segundo Titane, é marcado por ampla experimentação de espaços não convencionais. “Entendendo que o teatro deveria sair da caixa preta e voltar aos seus espaços de origem, João criou encenações em parques, túneis, prédios urbanos, pedras, ruas, dando enorme contribuição para uma reescrita do texto teatral, para a reinvenção do espaço cênico”. Entre os espetáculos, destaque para a estreia de “Primeiras estórias” (1992), no Parque Lagoa do Nado, revivida nas palavras da poeta Vera Casa Nova.

“O espaço da fazenda existia, e o casarão e a piscina desativada, mas nada estava preservado ainda com verdadeiro cuidado. Havia o lago, claro! Fascinação e maravilhamento foram as emoções que me envolviam. Diferente de encenação em palcos tradicionais, o uso de espaços abertos, mais ou menos contíguos, a serem buscados pelo público, as encenações diferentes fizeram crescer em mim a experiência do coletivo. Éramos públicos e testemunhas”, relata.

A então secretária de cultura de Belo Horizonte, Berenice Menegale - responsável por levar João das Neves para desenvolver um projeto de formação teatral no Parque Lagoa do Nado -, relembra da apresentação como um acontecimento. “Quem de alguma maneira participou desses acontecimentos ficou para sempre transformado; os aspectos da formação atingiram profundamente os jovens atores. Sobretudo, o incrível espetáculo móvel, contrastante, poético, participativo para o público – foi das realizações mais belas e profundas que obras de Guimarães Rosa podem ter merecido”, conta.

A produção do artista em Minas também é caracterizada pelo forte diálogo com o teatro negro, o universo LGBTQIAP+ e as questões feministas. Para João Silvério Trevisan - autor de “Troços e destroços” (1997) que traz histórias de amor e morte de um ponto de vista homossexual – a adaptação do texto para a cena foi uma surpresa: “eu me deparei com uma acolhida que vinha na contramão, um olhar revirado, quase invertido, que ficou evidente na maneira como João das Neves foi buscar meu livro, que nem a comunidade LGBT conhecia direito (...) João não parou num momento determinado da História: contrariou nossas cartilhas ‘revolucionárias’ que congelam a passagem do tempo em verdades quase científicas”, afirma.

A cantora Titane comenta que “o Grupo Opinião é um capítulo fundador na história de João, o Rio de Janeiro o forjou como artista”, mas afirma que o que chama atenção na vida e obra de Neves é sua capacidade de se transformar, de se deslocar no tempo, na história. “Ele tem um deslocamento geográfico, intelectual, estético permanente, capaz de se adaptar e representar as culturas com as quais se envolveu ao longo de 60 anos de teatro. Sempre com frescor contemporâneo”, diz. Para a artista, “não se trata de recuperar o passado com este livro, mas de contribuir com as questões contemporâneas e com a produção artística do mundo de hoje”.

Após lançamento do livro, a programação da Associação Campo das Vertentes segue no canal do Youtube. Amanhã tem apresentação comentada do espetáculo “Lazarillo de Tormes”, com participação do ator Glicério do Rosário e de Titane. Último trabalho dirigido por João das Neves, celebra o retorno do diretor e dramaturgo aos palcos. Texto de autoria anônima, editado pela primeira vez em 1554, traz como protagonista um antihéroi que se assemelha a inúmeros tipos populares e míticos brasileiros, como Pedro Malazartes, João Grilo e Macunaíma. 

“Finalizar sua trajetória artística com uma obra, envolvido dos pés à cabeça, com tanta intensidade só me faz crer que meu mestre João quis fazer um brinde à arte teatral antes de partir! E o fez com maestria, com picardia, com travessura de um moleque de mais de oitenta anos!  Como outros grandes mestres, João reinou na seara teatral e Lazarillo é o grand finale!”, diz Glicério Rosário que, em cena, dá vida a Lazarillo.

E para a criançada, no sábado, tem “Lili canta o mundo”, para curtir de casa com a cantora Irene Bertachini, também integrante da Associação Campo das Vertentes. Irene canta mitos e superstições, cidadezinhas imaginárias e vive grandes aventuras numa viagem musical e poética que convida a mergulhar na obra de Mário Quintana e na diversidade rítmica e melódica da música popular brasileira.

“Irene Bertachini é uma das artistas que participou das experiências de formação e criação de espetáculos que deram origem à Associação Campo das Vertentes”, conta Titane. Ao lado de Rodrigo Jerônimo, Rubens Aredes, Larissa Horta, Bia Nogueira, Kátia Aracelle, Michelle Ferreira e tantos outros, Irene pertence ao grupo de artistas que se reconhecem nas atividades da Associação. “Em alguma medida, tiveram sua personalidade artística também forjada neste coletivo que acredita na diversidade cultural, na construção coletiva da arte”, completa.

Leia mais

© Copyright 2024Ediminas S/A Jornal Hoje em Dia.Todos os direitos reservados.
Desenvolvido por
Distribuido por