Manoel Hygino dos Santos: - A cidade natal está dentro de mim, nas partes mais íntimas que os olhos não veem...

Jornal O Norte
22/07/2009 às 10:16.
Atualizado em 15/11/2021 às 07:05

Entrevista a Márcia Vieira

Nosso primeiro contato, entrevistadora e entrevistado, deu-se por e-mail. Sem pressa, entremeado por observações a respeito da nossa gente, dos amigos, conhecidos e especialmente da literatura. Confesso que a admiração pelo escritor Manoel Hygino, nasceu principalmente da curiosidade para descobrir a figura emblemática que, tendo saído de Montes Claros, conservou-a na alma, constatação feita a partir das suas crônicas, que dia sim e outro também, registram acontecimentos da nossa cidade, num jornal de Belo Horizonte, o Hoje em Dia.  Atenciosa e pacientemente o escritor respondeu as perguntas que lhe foram feitas e as remeteu.

Dias depois, já em Belo Horizonte, concluímos esta entrevista. Era manhã de sábado quando o escritor Manoel Hygino nos recebeu em seu gabinete de trabalho, num hospital da capital, onde presta serviço como ouvidor. Nada poderia ser mais apropriado a um escritor, cujas sentenças são lançadas a partir de observações do cotidiano.

O dia estava convenientemente nublado e frio, como é comum a este período do ano, que divide os semestres. O entrevistado encerrava um bate-papo com um colega quando da nossa chegada. Brincalhão, nos apresentou a ele, fez menção a um assunto divertido e colocou-se à disposição.

Num lado da sala, uma estante com diversos livros, no outro, uma pequena mesa, onde repousava uma significativa fotografia, registro do encontro de pessoas queridas do escritor. Ali, um objeto raro chamava atenção: uma máquina de escrever. E não é para enfeite, como confessou Hygino.

Ainda hoje, ele faz sim, uso da máquina, apesar do computador ditar a moda. Mas Manoel Hygino, autor entre outros, do livro “Getúlio: de São Borja a São Borja”, não é gente de se dobrar à moda, como vocês poderão conferir na entrevista que se segue:



. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

- Para começo de conversa, o que é ser montes-clarense?

- É uma responsabilidade muito grave. Montes Claros tem arraigadas tradições nas letras, nas artes em geral; na bravura de sua gente; no respeito à palavra empenhada. Já nascíamos com esses pendores e deveres, dos quais procurávamos não nos afastar. Assim forjei o caráter, assim sou.


 


- Pertencendo a uma família tradicional da cidade, conhecida pela riqueza cultural, o senhor acredita que esse amor pelas letras tenha sido herdado ou deve-se às exigências de uma época?

- Na linhagem direta da família, não há nomes. Colateralmente, temos os Canelas, os Simões, os Pimentas, que se misturam com ancestrais do partido de baixo. Era os meus avós, gente operosa, estudiosa, autodidata, brilhante inteligência, mas sem formação convencional, formal.

- Escrever é...

- Escrever é imposição espiritual e necessidade fisiológica. Não sei me conter, diuturnamente assim. Lamento que outras atividades paralelas, no passado e no presente, não me permitissem dedicar-me mais a esse labor. Daí, a fraca bibliografia, equívocos em conteúdo e forma.

- Foi difícil mudar da máquina de escrever para o computador?

- Não foi difícil, porque não houve. Aprendi a datilografar em Montes Claros com dona Walquíria Teixeira e, de então até agora, jamais deixei a máquina de escrever. Admito que o computador é mais ágil, versátil, rápido. Continuo recebendo conselhos para adaptar-me ao teclado de computador. Mas depois de sessenta anos assim, mudar é difícil. Faço o mesmo que Hermann Brock, o Prêmio Nobel alemão, identificado nos aeroportos do mundo com sua máquina portátil.

- O senhor fala sobre assuntos diversos em seus textos diários, mas Montes Claros é sempre citada. Isto é saudade?

- É saudade sim, mas também fato histórico. Montes Claros se insere em um universo, de que sou íntima parte. A cidade natal está dentro de mim, nas partes mais íntimas, que os olhos não vêem.


 


- Alguns nomes são recorrentes. Qual seria o seu principal elo com a cidade?

- Há nomes entranhados em minha vida, no passado e no presente. Ali, Jair de Oliveira, Hermes de Paula, Cândido Canela, Newton Prates, Monzeca, Nélson Viana (que era de Curvelo), gente de minha maior admiração e apreço. E outros muitos. Além dos que se foram mais recentemente, como os Silveiras, Olinto e Geraldo Tito Silveira, cuja obra continua com seus descendentes, e, no caso do segundo, no esforço fantástico, de Dona Yvonne (Silveira, presidente da Academia Montes-clarense de Letras). Entre os de hoje, há também vários e ficaria difícil me explicar, se esquecesse algum nome. É uma lista enorme, integrada pelos membros da Academia Montes-clarense e ACLECIA, e outros que não o são. Há o Paulo Narciso, com o seu montesclaros.com, precioso instrumento sob todos os aspectos, que Paulinho dirige e faz, com denodo, sacrifício e amor. Ele nos atualiza diariamente com as causas, fatos e pessoas. Paulinho é uma das figuras mais notáveis que eu conheço. Conheci tarde. Mas acompanhava a atuação dele na imprensa de Belo Horizonte, vendo-o conquistar sucessos incríveis, prêmios a que ele fez jus, e uma das coisas mais importantes que eu acho nele é a discrição, o comportamento, o misticismo. O compromisso com a profissão, o compromisso consigo mesmo. É uma pessoa respeitada em qualquer lugar. Isso é bonito.

- Aproveitando o ensejo, pedimos ao senhor Manoel, que registrasse impressões acerca de algumas pessoas.

Yvonne Silveira:

- Dona Yvonne é um símbolo da mulher mineira em todas as suas virtudes, capacidade de realização, dedicação ao lar e à comunidade, às artes, ao magistério e às letras. Está em todos os lugares em que sua presença é solicitada, com uma notável disposição de servir. 

Petrônio Braz:

- Uma das figuras mais interessantes que eu conheço. Capaz, competente, dedicado, estudioso, polivalente. É um homem, que faz, edita, atua e é realmente uma figura respeitável que nós temos aí. 

Wanderlino Arruda:

- É também uma das figuras que honram a cultura mineira. É lamentável que algumas coisas que se façam no interior, fiquem tão abandonadas. Nós temos em Montes Claros pessoas magníficas, que quando a gente cita, perguntam, “quem é?”, quando já deveriam saber: este é o cara/image/image.jpg?f=3x2&w=300&q=0.3"text-align: center">

- Melhor recordação do tempo em que viveu em Montes Claros:

- Nada melhor e mais feliz que a infância, com os pais, avós, irmãos, primos, tios, a parentela enfim. Fogueiras, festa de junho, as lições de correção ética, as matinês no Cine Montes Claros, os filmes na adolescência ali e no Cine São Luís. A continuidade foi quebrada com a mudança para o Ginásio Dom Bosco (em Cachoeira do Campo). O nome tem muitos vínculos comigo. O jardim de infância foi na escola de mesmo nome, dirigida pela professora Alice Aquino Neto. Lindos tempos, com árvores junto à escolinha. Como era bom/image/image.jpg?f=3x2&w=300&q=0.3"text-align: center">

- Um lugar em Montes Claros e um lugar em Belo Horizonte:

- Muitos lugares preferidos em Montes Claros perderam sua atração original, os contornos de meu tempo, como a praça do velho Mercado, que não mais existe. A igrejinha do Rosário, a da Malhada evoca um tempo muito bonito, como a dos Morrinhos. Montes Claros é tudo e vale muito, toca o que é mais profundo em mim mesmo. Quanto a Belo Horizonte, foi-se o tempo de preponderância do popular Parque Municipal, porque novas imagens e iniciativas nos fascinam. A vida cultural e artística é intensa. Há muito a ver e admirar. 

- O que gostaria de dizer aqueles que o acompanham diariamente através da leitura, mas que não tem possibilidade de chegar ao senhor?

- Que tenham fé, que acreditem no futuro e que lutem por ele. O futuro depende de nós, de cada um de nós. O futuro não é um hábito só. É coletivo. O coletivo resultado do trabalho e do sentimento de cada um.

© Copyright 2024Ediminas S/A Jornal Hoje em Dia.Todos os direitos reservados.
Desenvolvido por
Distribuido por