Márcio Greyck: - Enquanto eu viver, vou cantar cada vez melhor

Jornal O Norte
25/11/2009 às 08:51.
Atualizado em 15/11/2021 às 07:17

Entrevista a Márcia Vieira


Em Belo Horizonte, na residência do cantor

Márcio Pereira Leite, um homem de olhos profundamente translúcidos não passa despercebido. O atento povo belorizontino se inquieta à sua passagem. Em bares da cidade ou passeando pelas ruas, olhares curiosos são lançados em sua direção. Alguns, menos tímidos o abordam com elogios. Márcio, que virou Greyck, ídolo de tantas gerações, nasceu na capital mineira, local que escolheu para viver, depois de rodar meio mundo levando a sua música. Excelente música, diga-se de passagem. Num tempo em que era preciso ter conteúdo para alcançar a fama, que o romantismo imperava, Márcio se destacou como artista completo.

Compositor e intérprete, foi regravado por artistas como ele, do primeiro time da MPB (Roberto Carlos, Verônica Sabino, Fábio Junior, Wilson Simonal e outros). Ousado, posou para a capa de um LP, sentado numa cadeira de espaldar reto, de pés descalços, comendo uma maça, quando a moda era focar apenas o rosto do artista. Ali, naquela foto, ele contava uma história, que se transformou em variadas interpretações.

Foi ele também um dos pioneiros em batizar as canções com nomes quilométricos, fugindo do que era comum. Um exemplo? “O mais importante é o verdadeiro amor”, ou “Impossível acreditar que perdi você”, esta já regravada por cerca de 70 artistas. Márcio, um homem romântico e de alma simples, tanto quanto as letras de suas canções, vive e trabalha em um espaço amplo, abençoado pela natureza e com pouquíssima intervenção do homem.

Na próxima sexta-feira, 27, o cantor faz show na AABB, em Montes Claros, dentro de promoção do colunista João Jorge, de O NORTE. Mas antes, numa tarde/noite chuvosa e clima ameno, na capital, nos concedeu esta entrevista, onde fala de carreira, família, isolamento, do rei Roberto Carlos, e claro, de amor, tema principal de sua música. Confira:



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- Márcio Pereira Leite nasceu em BH. Quando foi que se transformou em Greyck?

- Isso aconteceu em 1967 quando assinei o meu primeiro contrato com a Polydor e lancei meu primeiro LP. Antes eu ensaiava alguns nomes derivados de “Cherche” o sobrenome da família de minha mãe, que é de origem italiana, da ilha da Sardenha, até eu decidir que meu nome teria que ter uma influência inglesa, assim como os Beatles e Rolling Stones, que invadiam o mundo com suas músicas.  Por isso inventei, modificando o sobrenome, acrescentando o y e o k no que já tinha sido assimilado como Grec, Grech e virei definitivamente, o “Greyck”/image/image.jpg?f=3x2&w=300&q=0.3"text-align: left">- Seus dois filhos também seguiram pela carreira musical. Foi por influência sua ou em algum momento você foi contrário à decisão?

- Eles nasceram com o dom da música assim como eu e também são autodidatas. É claro que eu devo ter influenciado em alguma coisa para que seguissem naturalmente os meus passos nessa carreira. Confesso que fico um pouco apreensivo quanto às mudanças acontecidas com o passar do tempo,  não só no cenário artístico, em que os valores hoje são outros que não os do talento específico de cada artista, mas quanto ao capital, ou o patrocínio  que esse artista possa disponibilizar para conseguir fazer sucesso. O Bruno Miguel é ator e cantor. Fizemos uma música em parceria, que entrou como tema de Malhação. Foi um disco que vendeu mais de seiscentas mil cópias, sem divulgação. O Bruno está acabando de lançar um CD e já foi com 7 indicações para o Grammy, o que já foi uma realização. Ele é um grande compositor, as canções são lindas e românticas. O Rafael, que se casou há pouco tempo, e mora também no Rio, tem uma música mais refinada, que não é tão popular como a do Bruno.


 


- Quantos casamentos e como foram as suas relações? Você é um romântico, como deixa parecer nas letras de suas canções?

- Creio já ter sido bem mais romântico algum dia, antes das inexoráveis desilusões, mas o romantismo é inerente a minha pessoa. A minha personalidade é assim desde os meus tempos de rapaz, em que eu vivia com o violão à tira-colo, sonhando e cantando embaixo das janelas das namoradas e amigas, nas frias madrugadas de BH. Eu praticamente me casei duas vezes com a mesma mulher e com a qual tive dois filhos em duas etapas de separação. O Rafael Greyck na primeira etapa, e o Bruno Miguel na segunda.


 


- Em algum momento você precisou se isolar, se distanciar um pouco, para entender o sucesso e as variações pelas quais passa todo artista? Qual é saída para não ser vítima das armadilhas?

- Eu não sei dizer quanto ao que se passou ou se passa com outros artistas, mas comigo, em um determinado momento, baixou uma completa  desmotivação e perda do entusiasmo natural, por conta de uma gama de coisas negativas que já vinham acontecendo no meu universo musical, como a inversão dos valores, e que, somadas às desilusões amorosas, mais a problemática da minha própria infra-estrutura profissional defasada, fizeram com que eu decidisse parar com tudo e me refugiar em um sítio, que felizmente eu havia adquirido em Saquarema-RJ. Para lá fui, literalmente, me internar por uns dez anos, plantando batatas, analisando o comportamento social das galinhas, observando a trajetória das formigas e com isso, tentando me auto-analisar, até me sentir capaz de me dar alta, voltar para Belo Horizonte e resgatar meu sonho de novo, do princípio, e a por os pés na estrada novamente, o que me custou no total, uns bons 14 anos de hiato! Creio que para não se deixar ser vítima dessas armadilhas, além da sorte e uma boa infraestrutura particular, tem que ser de um tipo muito, mas muito otimista mesmo, assim como o Roberto Carlos por exemplo, que já passou por tantas pressões como todos nós sabemos, mas que continua firme e resoluto como no princípio, e ainda comandando, sempre na frente!



- Márcio, como é a sua rotina? Tem horários rígidos, disciplina no dia-a-dia?

- Procuro sempre viver cada dia em especial como se fosse um novo começo! Sou feliz por ter esse privilégio de fazer do meu dia na semana o que eu quiser, quando não estou cumprindo agenda de shows, o que eu também adoro fazer!  E a minha disciplina natural é tomar um copo d’água em jejum todos os dias, em seguida pegar quinze minutos de sol, bem cedo, logo quando ele aparece, agradecendo sempre o privilégio da vida. Como frutas no café da manhã, que aproveito para incrementar com pão integral, leite e farinha de semente de linhaça que agora adotei, além de uma pitada de canela em pó.


 


- Quando não está cantando, o que mais gosta de fazer?

- Gosto de cuidar do meu jardim, de mantê-lo sempre vivo, e também de me comunicar com os amigos através da internet. Me perco no tempo escrevendo as minhas memórias de infância, adolescência e juventude, e pretendo, um dia, lançá-las em livro. Adoro ficar no meu home-stúdio, remixando idéias antigas e de canções novas, descobrindo novos truques. 


 


- De que forma Deus está presente em sua vida? Você tem alguma crença, religião?

- Para mim, Deus é muito mais... Abundantemente além de tudo o que alguém possa pensar ou imaginar! Ele pode viver interiormente dentro de nós, como parte de nós mesmos, e como uma benção, se assim quisermos.


 


- Como é que Márcio lida com a morte?

- Eu não lido com a morte (assustado). Eu lido é com a vida (risos)! Morte pra mim, é consequência natural, uma passagem que vou ter que encarar um dia, mas eu não estou nem aí pra ela não, eu estou aí é pra vida. Não tenho medo de morte, mas não vou ficar dissertando sobre isso, porque não é assunto agradável.


 


- Então tem receio...

- Com relação a que os outros possam ter a impressão errada do meu ponto de vista sobre morte, porque pra mim, morreu, acabou. O que fica é a energia que a pessoa deixou. Sinto isso, através de pessoas que perdi, que gostava muito. Sinto a presença delas ainda, como se não tivessem morrido. Isso é a energia, o que transcende. O que transcende a eternidade pra mim, são exatamente os valores que você repassa para os seus descendentes. Os Incas acabaram, porque eles não repassaram a cultura deles. Chegou um ponto em que eles foram exterminados....


 


- Como foi que criou seus filhos?

- Foram fases boas e fases ruins... Eu não tive o privilégio de acompanhar o crescimento dos meus filhos na íntegra. Foram criados hiatos profundos nessa minha convivência e foram muito ruins esses pedaços. Mas o que tivemos de convivência foi maravilhoso. Sempre procurei ser um pai presente, amigo, irmão... Aliás, até errei nisso, porque fui mais amigo do que pai. E um pai não pode deixar de ser pai mesmo. A gente não faz curso pra ser pai ou ser mãe, a gente vai na intuição e no amor. Fiquei confuso porque sou de um tempo em que o pai era a expressão máxima da autoridade, do respeito, e a minha geração era mais solta, mais relax. A dos meus pais era mais austera, mais rígida. Não posso reclamar dos meus filhos. O mais velho talvez seja um pouco mais rebelde, exatamente pela minha falta de experiência, de deixar muito à vontade, de paparicar demais. Com o mais jovem, procurei equilibrar o pai e o amigo, sem exacerbar nenhum dos dois.


 


- Depois de dois casamentos com a mesma mulher você não quis mais se casar?

- O destino não me favoreceu nesse ponto de vista. Fiquei muito anestesiado quanto a qualquer tipo de coisa nova e até com um certo temor, porque foi uma fase difícil, complicada, me afetou profundamente, exatamente num momento em que profissionalmente também passava por fases complicadas. Isso inclusive, foi o que determinou que eu chegasse um dia e falasse: “vou parar, vou sumir desse universo e ninguém mais vai saber de mim”. Felizmente tinha um sítio em Saquarema e fui pra lá. Fiz uma terapia e decidi: “vou voltar pra minha terra, que é Belo Horizonte”. Voltei em 1992 e fiquei incógnita sem ninguém saber. Montei um bar (Doce Ilusão) e através dele recobrei a minha motivação. Deu um trabalho danado, mas me ajudou muito. Tinha um espaço favorável ao que eu queria fazer, mas ficou grande pra scoth bar e pequeno pra casa de espetáculo. Foi aí que desisti, pois era eu quem tinha que segurar a onda com shows. Acabei assumindo o palco e tudo isso foi positivo, porque acabei me reencontrando, reencontrei amigos, constatei uma receptividade, como se eu jamais tivesse me afastado. Vendi o bar, montei uma banda e coloquei o pé na estrada.


 


- Márcio, como era esse público?


- Tinha os mesmos fãs e pessoas mais jovens. Surpreendentemente eu tenho tido o privilégio de me comunicar bem com os jovens, porque a minha canção, apesar de ser romântica, é muito densa, honesta, sempre o relato de um sentimento.


 


- Foram dores realmente vividas?

- Vividas sim. Não na intensidade da canção inteira, porque o cantor tem a prerrogativa de usar exemplos que não sejam os seus para finalizar uma idéia de uma composição. Mas pra falar, tem que ser honesto, que tenha vivido ou participado. E na estrada eu me surpreendi com esse público cada vez mais jovem, os novos artistas regravando as minhas canções... Isso me deu motivação e eu comecei a criar uma perspectiva para o Márcio Greyck, que na verdade eu queria matar, pois já tinha desmaiado ele, deixado em coma. Eu queria matar pra renascer um outro artista com essa visão que eu acabei ganhando, através desse hiato. De fora, eu pude acompanhar a evolução e me distanciar do que eu era. Me atualizei e com dois filhos jovens com quem troco figurinhas, me mantive com uma sintonia jovem. Há pouco tempo escutei uma frase dita pelo (Charles) Aznavour. Ele disse que quando os jovens se apaixonam vão a loja comprar discos dele. Isso acontece porque ele é atual. O romantismo se defasa e evolui também. Pude constatar que apesar dos pesares, a minha canção continua assimilada pela juventude, porque o que eu falo, vai de encontro ao sentimento deles. Isso é muito legal. Tive a alegria de ser parceiro do Zeca Baleiro, que me convidou pra fazer shows com ele.   


 


- É um dos seus ídolos dos dias atuais?

- Sim! O Zeca Baleiro, o Paulinho Moska, o Lenini entre outros...


 


- Todos eles são cantores alternativos, não estão na mídia todos os dias, mas tem um público específico....


- São três gênios contemporâneos e eu consigo ver a genialidade no trabalho deles. Eles são de uma geração depois da minha e conseguem falar pra essa juventude aí. 


 


- Qual a definição pra sua geração?

- Eu sou de uma geração de busca, de inovações, de ousadias, então eu não sei o que eu quero, mas eu sei o que não quero.   


 


- Márcio, você tem alguma espécie de aversão àqueles que estão expostos demais?

- Não. Mas os valores modificaram. Eu ficaria uma noite inteira falando sobre isso, porque acompanhei de perto, sofri na pela toda essa transformação.


 


- Você chegou a questionar seu próprio talento?

- Sim, eu fui de certo modo, vítima dessa mudança de valores, onde o talento hoje é colocado em segundo plano. Mas sempre questiono, porque sou muito auto-crítico, aliás, até demais e isso foi prejudicial. Hoje sou menos, porque deixei o virginiano um pouco de lado. Atualmente sou mais sagitariano e isso é ótimo, porque eu parei de sofrer tanto, como virginiano que era.

Nota: segundo a astrologia, com a maturidade, há uma prevalência do signo ascendente, em detrimento do solar.


 


- O sagitariano é mais livre e isso retrata um pouco a sua maneira de viver, pelo que eu vejo aqui, na sua casa. Fale um pouco sobre isso.

- Pois é, isso é o meu retrato, a minha casa. Essa simplicidade sou eu mesmo. Não sou avesso ao luxo. Freqüento muitos ambientes de luxo e me dou muito bem. Mas eu diria, que sou 30% urbano e 70% sertanejo, no sentido mais interiorano da coisa. Eu sou mais mato. Gosto mais da fazenda do que da cidade. Gosto da cidade também, não posso ficar sem um shopping de vez em quando, mas sou apaixonado pelo sertão. A minha casa ficou sendo um retrato desse meu jeito mineiro de ser, apesar de 30 anos no Rio de Janeiro. Tudo aqui sou eu, mas não chamo isso aqui de uma casa pronta. Continua sendo um acampamento... Tenho a suíte, mas monto uma barraca no quintal e durmo escutando os grilos. Sinto uma liberdade imensa, me sinto num ambiente rústico, improvisado, mas com uma ambientação totalmente identificada comigo. Desde criança sou assim. Papai nos levava pra pescar, ficávamos acampados na beira do rio... Eu trago isso naturalmente... Talvez daqui a 10,15 anos a casa esteja pronta. Não existe um planejamento.


 


- Como é a sua história familiar, Márcio?

- Tive um pai, pai. Em determinado momento, ele quis ser amigo, não quis mais ser pai.

- E você recusou?

- Por isso é que eu acho que também não agi muito corretamente, porque na verdade, aquela transformação do meu pai foi boa por um lado. Por outro, eu senti falta. Por mais independente que você seja, passa a sentir isso, quando os pais morrem. O meu já faleceu e foi um golpe. Eu me senti cortado do cordão umbilical... Dá um certo temor da vida, porque você se sente realmente isolado. Naquele momento de pai ele me conflitou muito, especialmente na questão religiosa. Ele me colocou essa questão no momento errado, eu tinha 13 para 14 anos e eu passei a minha vida com o conflito, tentando me encontrar dentro desse contexto, de sim e não, de acreditar ou não. Felizmente eu tinha uma cabeça boa pra pensar, fui pensando, concluindo e hoje tenho um conceito sobre tudo isso, mas naquele momento acho que ele agiu errado. Sempre fui um filho disciplinado. Detestava que me chamassem atenção, acho que isso é característica do meu signo.

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