Patrícia de Pádua Rodrigues*
Guilherme Crepaldi Formanski**
O mercado de locação de imóveis urbanos, um dos mais importantes para economia brasileira, tem sofrido uma série de impactos desde o início da pandemia. Se em 2020 locadores de imóveis não residenciais sofreram com o fechamento - ainda que parcial - da economia, que teve como consequências, por exemplo, a devolução de imóveis e rescisões de contratos, em 2021 foi a vez dos locatários serem afetados pelo aumento expressivo da inflação, com destaque para o Índice Geral de Preços - Mercado (IGP-M), divulgado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), que, dentre outras aplicações, é utilizado pelo mercado imobiliário no reajuste do valor dos aluguéis.
A título ilustrativo, o IGP-M acumulado de maio/2021 chegou a 37,04% em 12 meses. Tal realidade colocou ainda mais pressão sobre a relação entre locadores e locatários, aqueles sujeitos a ficarem com o imóvel vago pelo rompimento dos contratos e estes a suportarem mais um expressivo aumento dos custos.
A partir desse contexto, sem adentrar no mérito de constitucionalidade, medidas legislativas foram propostas como forma de substituir o IGP-M por outros índices oficiais de inflação, como o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Nesse ponto, vale mencionar o Projeto de Lei nº 1806, de 2021, de autoria do senador Telmário Mota (Pros/RR), ainda em trâmite no Senado Federal, que pretende limitar o reajuste dos aluguéis de imóveis residenciais e comerciais ao IPCA.
Ao lado disso, também se fez sentir o número de novos processos judiciais buscando a revisão dos termos pactuados nos contratos de locação, sob a alegação, em regra, de suposta abusividade do IGP-M dentro do contexto de alta da inflação decorrente, dentre outros fatores, da pandemia do novo coronavírus.
O problema, contudo, não é o IGP-M em si. Criado nos anos de 1940, esse índice busca, em sua composição, refletir os preços das mais variadas atividades econômicas e em diversas etapas do processo produtivo, considerando a variação dos preços de bens, serviços e matérias-primas utilizadas pelos setores agrícola, industrial e construção civil. Vale recordar que, em 2017, o IGP-M também foi notícia, mas por razão inversa: naquele ano o índice acumulado chegou a ser negativo por alguns meses.
Na tentativa de oferecer ao mercado um indicador mais próximo da realidade dos contratos de locação, a FGV lançou, recentemente, um novo índice de correção monetária que procura refletir a variação de preços no mercado de locação de imóveis residenciais. É o chamado Índice de Variação de Aluguéis Residenciais (Ivar).
Em linhas gerais, o Ivar leva em consideração o valor dos aluguéis praticados em contratos de locação residencial em quatro capitais brasileiras: Belo Horizonte, Porto Alegre, Rio de Janeiro e São Paulo. Esses valores são obtidos junto a empresas administradoras de imóveis atuantes no mercado de locação.
Em comparação, o IGP-M fechou o ano de 2021 com alta de 17,78%, enquanto o Ivar registrou queda de 0,61% no mesmo período. A diferença entre os índices chama a atenção, mas cabe observar que o Ivar, como dito, leva em conta o mercado de locação de apenas quatro capitais brasileiras, as quais, inclusive, tiveram comportamentos discrepantes entre si.
Por exemplo, de acordo com o índice da Fipezap para locação, nos últimos 12 meses, Belo Horizonte teve alta 0,56%, Porto Alegre 6,22%, Rio de Janeiro 1,31% e São Paulo 7,93%. As diferenças dos mercados locais e regionais demonstram, no mínimo, a complexidade de criar um índice de inflação que possa refletir de modo relativamente homogêneo a variação de valores dos aluguéis no Brasil.
Sem perder de vista essas ressalvas que podem, neste momento, ser opostas à ampla adoção do Ivar para locações residenciais no país, é certo que o referido índice se apresenta como mais uma alternativa para locadores e locatários. Em outras palavras, o Ivar não substitui automaticamente o IGP-M, que continua aplicável aos contratos de locação.
Enquanto segue o debate legislativo sobre a adoção de um índice de inflação para as relações locatícias de imóveis urbanos, as partes têm liberdade para negociar o índice que melhor reflete a realidade do mercado onde o imóvel se localiza, sem o risco de causar distorções ao contrato.
Portanto, ainda vale a recomendação de cooperação entre locadores e locatários. Os desafios impostos pela pandemia não são pequenos e ainda se farão sentir nos próximos meses. O equilíbrio contratual pode ser restabelecido a partir de uma (re)negociação entre as partes, sendo o Ivar mais uma opção de índice inflacionário à disposição do mercado.
*Advogada especialista em Direito Imobiliário e Head da área de Direito Ambiental e Imobiliário do Martinelli Advogados
**Advogado, especialista em Direito Imobiliário, mestrando em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina