(Fotomontagem/ arquivo pessoal e Anderson Rocha)
O belo horizonte mais famoso do país chega aos 121 anos nesta quarta-feira (12). Esse jovem e belo senhor tem do quê se orgulhar: é que nessa terra criam-se alguns filhos admiráveis, dispostos a transformar (pra melhor) o espaço em que vivem a partir de grandiosos pequenos gestos. Eles investem energia, tempo e dinheiro do próprio bolso para presentear BH e os belo-horizontinos diariamente. Conheça suas histórias:
Ilma: do lixo ao frescor
Há um ano, a administradora desempregada Ilma Gontijo, 54, iniciou uma empreitada de respeito no Boa Vista, bairro em que vive desde o nascimento, na região Leste da capital. Ela reivindicou a retirada de bota-foras da avenida Petit, umas das principais vias da região, localizada próximo ao Santa Inês, e implantou ali um jardim público, com direito a plantas variadas e pomares de laranja.
A via do lixo, com cerca de 1km de extensão, recebia o descarte de móveis, eletrodomésticos e materiais de construção. Vinha caminhão até de Contagem, na Região Metropolitana de BH, para despejar o indesejado. “Tinha gente que jogava TV até de dentro do carro. Nem descia”, relembra Ilma. As ratazanas e o odor espantavam qualquer desejo de chamar a visita para um café em uma das residências.
Ilma recusou que essa fosse a sua BH: eis que recorreu à prefeitura e, bem aos poucos, viu o entulho ser levado e uma placa que dizia o óbvio ser colocada no local. Nada que satisfizesse a inquietude da belo-horizontina apaixonada pela roça e pelo ar puro. Ela quis mais. Anderson Rocha/ Hoje em Dia
Ilma ajudou a transformar um bota-fora em jardim público
Quis garantir que o lixão não voltasse e, por isso, arregaçou as mangas, tratou a terra recém-recuperada e plantou ali, a menos de 20 metros de casa, suas primeiras mudas. Cuidou, aguou, deu adubo e amor. Em um ano, entre idas, vindas e espíritos desventurados (que insistiram em lançar colchão velho onde já nascia o verde de Ilma), ela resistiu.
O primeiro jardim deu certo. Suas mudas verdes se alastraram nas mentes vizinhas. Hoje, além do jardim multicor quase em frente de casa, Ilma acompanha, com orgulho, os habitantes da ex-via do lixo a copiarem. Trata-se de um jardim público, feito por moradores, com direito a dezenas de vegetais. Ninguém se atreve a jogar lixo por ali.
Na semana passada, Ilma iniciou nova empreitada: tirou do próprio bolso R$ 89 reais e comprou a tinta que dará cor aos pneus que ela mesma busca em borracharias para preencher o segundo jardim que passará a cuidar.
Todos os dias, Ilma acorda e dá um presente para BH. Vida longa à Ilma.
Rubão: o carreteiro solidário e sua fórmula genial
Em 2017, o auxiliar de áudio Rubens Rodrigues, 42, estava estacionando seu Honda HRV quando criminosos o sequestraram e o mantiveram refém durante quatro horas aqui na cidade aniversariante. A fatalidade mexeu com Rubão, que vendeu o SUV e comprou uma picape popular com objetivo claro: coletar doações e entregá-las a quem precisa. A mão na roda já soma cerca de 2 mil itens transportados - e a conta não para de crescer.
Com pouco mais de um metro de comprimento, a caçamba da Volkswagen Saveiro leva e traz carretos de incalculável importância. De Excel aberto, o homem cruza os dados de quem oferece uma geladeira ou cama usadas (mas não tem como custear um transporte) aos de quem necessita urgentemente desses itens - e também não tem grana para buscar.
Essa ponte para o compartilhamento do bem começou com uma ajuda à família e, logo, ganhou boa fama: gente de vários lugares passou a procurá-lo, oferecendo móveis, eletrodomésticos, roupas e brinquedos. A ação pulou dos parentes para os amigos, vieram os vizinhos e, atualmente, o homem atende cidadãos da terceira maior favela do Brasil, o Aglomerado da Serra, na região Centro-Sul da capital, além do Taquaril, na Leste, regional onde reside. Rubens Rodrigues/ arquivo pessoal
Rubão iniciou carreto solidário após sequestro em BH
“O sequestro me fez repensar os princípios verdadeiros. Esse carro mais barato me traz muito mais valor emocional e alegria”, conta.
Não que seja fácil: além do gasto tangível (Rubão faz, em média, três viagens por dia, ao custo variável de R$ 10 a 30 em gasolina, trajetos os quais ajuda também a carregar as doações), o carreteiro é escancarado à vida real.
Em uma delas, conheceu na favela da Serra uma mãe que deixou Mariana, na região Central do Estado, às pressas após descobrir que o companheiro molestava as filhas, de 3 e 10 anos. Rubão não desanima. “Todo dia eu ganho um sorriso, um ‘obrigado, Rubão’”, afirma. Esse é o presente que, diariamente, ele dá à senhora de 121 anos - povoda por imensos malls e também por aqueles que estão à margem de realizar sonhos de consumo.
Odette: a senhora que costura uma flor por dia contra o ódio
Foi numa noite de março de 2018 que uma dor de estômago chamou a atenção da ex-funcionária pública e decoradora Odette Castro, 62, para o ódio. Ela não é mulher disso, de ter esses males. O incômodo, então, só podia ser psicossomático - e era. Era refluxo, era reflexo das brigas nos almoços de domingo e nos grupos do WhatsApp, motivadas por política.
Odette quis rebater a cólera com benquerença: prometeu a si tecer e colocar, todos os dias, uma flor de crochê em árvores do seu bairro, o Sion, na região Centro-Sul da capital. Deu resultado?
Nove meses depois e mais de 270 flores amarradas (uma pequeníssima parcela foi levada ou arrancada por vizinhos cri cri), a sensação é de inteira satisfação. A constatação da costureira é de que os itens feitos de lã, de camisa descosturada ou de restos de linha provocam o público: além de embelezarem o cinza urbano, desviam o pensamento, nem que por um segundo, de quem passa na correria.Anderson Rocha/ Hoje em Dia
"Você já pensou cada bairro tendo uma pessoa, como eu, fazendo (o crochê)? Eu quero mais é que (me) copiem".
“No princípio me olhavam esquisito. Hoje me param, me abraçam e, de repente, estão chorando. Me agradecem”, conta. O ritual é sagrado: toda manhã, ela pega aleatoriamente um pouco de tecido e investe uma meia hora na sua missão. Ao colocar o artesanato no tronco, mentaliza alguém ou alguma causa. Em maio, diante de quatro casos seguidos de feminicídio, Odette moldou uma flor totalmente preta.
O crochê de Odette é imperfeito (como aliás a vida é). Não tem desmanche e não segue a regra tradicional artesanal, ao avesso. É esforço de uma mineira que escolheu BH para viver e criar as duas filhas - uma delas recém partida, após 30 anos de convívio com uma síndrome rara. Hoje, ela afirma devolver tudo o que recebeu da vida: todo o amadurecimento e amor com Beatriz, sua filha especial; com Laura, seu outro fruto; e a neta Ana Catarina, o renascimento. “Minhas flores são de gratidão”, emociona-se.
Caio: o pequeno que vê o que não conseguimos mais
Não foram a mãe e o pai de Caio Silva, de 2 anos e 9 meses, que o ensinaram a agir assim. Age naturalmente - como costuma acontecer com as crianças e seus puros corações. Caio virou celebridade na internet após vestir-se como agente da limpeza urbana e brincar com a equipe de coleta de lixo do bairro Glória, na região Noroeste da capital. (Se você não viu o vídeo ainda, esse é o momento: clique aqui!) O mini belo-horizontino está na mídia, mas o motivo está equivocado.
Chamou a atenção alguém tratar com igualdade os lixeiros? “Para mim, eles nem deveriam ser chamados assim. ‘Lixeiros’ somos nós, que produzimos o lixo. Eles limpam a cidade e deveriam ser mais bem remunerados e mais bem tratados por isso”, conta a autônoma Raquel Silva, 31, mãe de Caio. Neste aniversário de 121 anos, o presente dado pela família à cidade, também composta pelo pai, o promotor de vendas Paulo Henrique Silva, 33, é mostrar que ainda há esperança. Anderson Rocha/ Hoje em Dia
Caio, seu uniforme 'de trabalho', o caminhão e a família
A amizade entre o menino e os “amigões”, como são chamados por Caio, começou no seu primeiro ano de idade. Às terças, quintas e sábados, pela manhã, mesmo que estivesse dormindo, o garotinho era alertado pela buzina do caminhão, corria e chamava pela mãe para dar um tchau para os profissionais da coleta. Há poucas semanas, veio um presente da avó: luvas, bermuda e camisa semelhantes às dos agentes.
Os trabalhadores do lixo quiseram fazer uma foto com o rapazinho. O momento foi registrado em vídeo pela mãe, que queria guardar de recordação. A gravação foi para o Facebook e aí, até esta quarta-feira (12), já se somam mais de 5 milhões de visualizações e mais de 144 mil compartilhamentos na rede social.
"Eu postei o vídeo nas minhas redes e mostrei para os meus amigos. 'Quem não conhece, esse é o Caio, meu filho', eu disse. Ao invés de eu ensinar para ele, é ele que me ensina a viver na sociedade de hoje", conta o pai.
“Eu vejo que as pessoas têm muito preconceito por eles recolherem o lixo da cidade. A gente nunca olhou por esse lado. A gente não vê diferença entre as pessoas”, afirma a mãe.
O vídeo que emocionou a internet fez ainda mais efeito nos "amigões" da limpeza. A pedido do Hoje em Dia, os profissionais mandaram um 'oi' para o Caio - e para toda a Belo Horizonte.
De fato, Caio presenteou toda a cidade com um frescor de esperança: o futuro da cidade, que é construído por gestos como de Ilma, Rubão, Odette e esse cidadãozinho, está em boas mãos. Parabéns, Beagá!