A vida na quarta idade: mineiro de 110 anos conta os 'segredos' da longevidade

Anderson Rocha
31/05/2019 às 18:00.
Atualizado em 05/09/2021 às 18:50
 (Reprodução/ WhatsApp)

(Reprodução/ WhatsApp)

Das paixões de Moacyr, o torresmo feito na hora e o baralho lançado quase que diariamente à mesa de casa, no bairro Santo Antônio, na região Centro-Sul da capital, são  destaques. Sua família é grande: são sete filhos, sete netos e sete bisnetos. Moacyr poderia ser mais um mineiro  entre milhões não fosse uma estatística curiosa: ele é um  dos cerca de 332 moradores com mais de 100 anos de idade em  Belo Horizonte, que hoje tem 2,5 milhões de habitantes, segundo o IBGE. Moacyr Nunes Barroso tem 110 e integra a chamada quarta idade, classificação etária de quem, graças aos avanços da medicina, passou dos 80. Mas há outros "segredos".

  

Seu nascimento foi em Guanhães, no Vale do Rio Doce. Há  algumas décadas, ele divide a moradia entre a casa com varanda no interior e o apartamento em BH. Com idade  avançada, a audição é ruim e a memória "falha muito", como  ele mesmo diz, mas a fala é lúcida. Vive uma vida cercada de amor e de família. Na conversa com a reportagem,  lembra-se da juventude, quando percorria cidades em um jipe  com um amigo deputado. Lembra-se da esposa, que partiu em  1987, aos 78 anos de idade, e com quem criou a longeva  família, sustentada pela plantação, colheita e criação de  gado. Carmen, hoje com 84 anos; Selma, com 82; Eni, com 79;  Jorge, com 73; Helena, com 72; Paulo, com 70 e Neusa, com  62 anos, afilhada do casal, mas adotada aos nove anos de  idade e, portanto, filha de criação, estão sempre por  perto. Será esse o segredo da longevidade?  

"Nossa família é assim: o negócio pode estar ruim, preto, e  a gente está alegre", conta Eni. Apesar de doenças e  cirurgias, os irmãos seguem com a saúde controlada. Eni, que acabou de trocar uma válvula no coração, está bem e  prestes a entrar na quarta idade, assim como já estão o pai  e as irmãs Carmen e Selma.Anderson Rocha/ Hoje em Dia

RG traz a data de nascimento: 31 de março de 1909

"Eu não pretendo esse negócio (de viver) depois de 100. Eu quero viver enquanto eu esiver independente. Na hora  que eu estiver muito dependente, o 'papai lá de cima' pode me  levar", diz Carmen, que aos 84 está habituada a pegar  ônibus e andar por BH e Contagem, na Grande BH. 

A quarta idade de Moacyr é boa, ele diz. Ele caminha, com  ajuda, toma remédios e vai, duas horas por semana, ao  fisioterapeuta. Ele não gosta de ficar na cama; prefere ver  o movimento. E é às 19h, com raríssimas exceções, que são  iniciadas as partidas diárias de baralho, disputadas com  quem estiver na casa no momento. Sempre há alguém, como José Elísio Paixão, 72, frequentador assíduo. O jogo  só termina cinco horas depois. Essas parecem ser as horas  mais felizes do dia do idoso.  

"Ele monta o jogo dele, esquematiza as estratégias, sem  apoio. Ele tem um pouco de dificuldade de visão lateral e  por isso recebe algum suporte, mas não gosta muito não",  contou Elísio. "Quando a gente começa a dar palpite, ele  solta 'eu que esto

A sensação ao fazer uma visita ao apartamento dos Barroso é  de estar numa casa do interior, daquelas com muita  simplicidade e um afeto e simpatia imensos. Se há uma  fórmula para envelhecer bem ali, nela estão a goiabada de Eni, os biscoitos da roça, as risadas e o carinho um com o outro, apesar das diferenças. Anderson Rocha/ Hoje em Dia

José Elísio: ex-vizinho é parceiro de baralho diário na casa de Moacyr

Caso incomum

A longevidade da família Barroso ainda é exceção, mas o parâmetro se inverte a cada dia. Na década de 70, as taxas de fecundação começaram a diminuir no país. Hoje, a pirâmidade de idade no Brasil se assemelha mais com um botijão de gás do que com uma pirâmide propriamente dita: a base, que já foi longa e é composta por quem tem entre 0 e 14 anos, está menor. Já a ponta da pirâmide, que já foi estreita e é composta por aqueles com mais de 65 anos, hoje está em crescimento, mas ainda é pequena. No centro dessa pirâmide, está a população chamada de economicamente ativa, entre 15 e 64 anos. 

"O Brasil não tem mais uma pirâmide, de base larga e ponta reduzida. Hoje nossa pirâmide tem um meio reconchudo, chamado de bônus demográfico, composto por pessoas entre 15 e 64", explicou a demógrafa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) Luciene Longo.  

Mas isso está se modificando. A projeção do instituto indica que o número de idosos com mais de 65 anos vai ser maior do que o número de pessoas com 0 a 14 anos em 2033 em Minas (2039, no país).Reprodução/ IBGE

Em 2048, número de idosos será maior do que jovens

A inversão é explicada por uma combinação entre menor taxa de natalidade e maior longevidade dos idosos, resultado dos avanços da medicina e pela melhora na condição de vida da população, segundo Luciene.

Esses dois fatores unidos vai trazer, de acordo com a especialista, a interrupção do crescimento da nossa população. "Atingiremos o pico em 2040 em Minas (e em 2048 no Brasil). Ou seja, a população parará de crescer e começará a diminuir nesse ano. Minas parará primeiro porque já temos uma população mais envelhecida se comparada ao restante do país", explica a demógrafa.

E eu: chegarei lá? 

No passado, a medicina acreditava ser possível "prever"  como seria a maior parte da nossa velhice tendo como base  apenas a genética. Assim, era fácil afirmar que se minha  avó e demais parentes viveram bem até os 85, eu também  faria caminho parcialmente semelhante. 

O conhecimento evoluiu e atualmente sabe-se que apenas 20%  do código genético realmente influencia na qualidade de  envelhecimento até os 75 anos de idade. Todo o resto, 80%,  está relacionado ao meio e às escolhas feitas por cada um.

"Se eu quero chegar lá, eu tenho que cuidar hoje das  medidas de prevenção e promoção à saúde. Essa atenção começa cedo: os cuidados com a gestante, no intraútero, já  influenciam na chance de aparecimento de doenças na vida  adulta desse filho que ela vai ter", explica o geriatra  Rodrigo Ribeiro, professor de medicina na UFMG, 

Se o meio é o que mais importa, o caminho mais seguro para  a velhice ativa e agradável é seguir uma receita velha, mas  atualíssima: fugir dos vícios + alimentar-se  nutricionalmente bem + exercitar-se. Tudo isso ajudará a  evitar doenças, como a obesidade, a hipertensão e o  diabetes. Também estão nessa lista, segundo Ribeiro, os  check-ups anuais, acompanhados por boa avaliação médica e  número restrito de exames. 

Um outro fator essencial para o envelhecimento saudável é  menos discutido, mas não menos importante: de acordo com o especialista, manter-se mentalmente ativo, participante em redes de pessoas, faz toda a diferença. Outra dica  interessante para viver mais é evitar o evitável. "Você  minimiza as chances de ter doenças quando busca a vacinação contra doenças, como a gripe e a febre amarela, por  exemplo", lembrou. 

"Quando falamos em medidas para viver mais, queremos  relembrar que o valioso não é só viver mais: é viver mais com mais saúde, independência e autonomia. Sabemos que  algumas doenças, como o mal de Alzheimer, não têm  prevenção, mas a adoção de medidas saudáveis pode retardar o aparecimento desses males", explicou.

 Mini-entrevista - geriatra Rodrigo Ribeiro

HD - Estou envelhecendo, mas sempre tive uma vida ativa e  saudável. Posso continuar fazendo tudo o que eu fazia? 

RR - A gente quer que as pessoas se mantenham felizes e autônomas por maior tempo. Então, pode fazer alguma atividade com risco de fratura? Pode. Eu não proíbo. Mas eu relembro a elas que uma queda pode ter um impacto muito forte na saúde nessa idade. A pessoa é quem deve julgar se aquilo é um risco desnecessário a se correr. 

HD - A medicina está preparada para lidar com o aumento da  longevidade? Novas doenças passam a surgir nessa nova fase? 

RR - O nível de conhecimento entre os especialistas é satisfatório. O que vejo como grande desafio é o número insuficiente de profissionais que dominam da forma como gostaríamos as particularidades relacionadas à saúde do idoso. Esse conhecimento não deveria ficar restrito a alguns geriatras. Outro ponto importante é a situação socioeconômica do nosso país, que afetará mais forte determinados grupos. Quanto a novas doenças, em geral não teríamos surpresas.  

HD - Devo buscar auxílio de um geriatra aos 50 para já me preparar para a velhice?

RR - Não. Na realidade, esperamos que a pessoa, durante toda a vida, esteja recebendo as medidas de prevenção e promoção de todos os profissionais pelos quais necessita.

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