(Flávio Tavares)
O auxiliar de topografia Marcelo José Felício, de 31 anos, se casou com Célis, de 34, em 19 de setembro de 2015. Foi quando ele saiu da casa da mãe, Maria das Graças Celestino da Silva, de 64, em Bento Rodrigues, para construir a nova vida ao lado da mulher.
Marcelo e Célis não tiveram tempo de concluir as obras na casa onde morariam. Menos de dois meses após o casamento, o distrito de Mariana, na região Central de Minas, foi devastado pela lama que vazou da barragem de Fundão, da Samarco.
Para eles, que na época iam juntos trabalhar para a mineradora, a dor causada pelo desastre é muito maior. Dona Gracita, como Maria das Graças era chamada, foi um dos 19 mortos na tragédia.
“Eu enxergava a Samarco como uma empresa boa. Agora, é a que matou minha mãe”, desabafa Marcelo. Ele ainda presta serviço para a mineradora. Célis, no entanto, perdeu a vaga de auxiliar de serviços gerais.
Um ano após o desastre socioambiental, Marcelo carrega na cabeça e no coração um sentimento conflitante. Embora tenha a convicção de que o rompimento da barragem poderia ter sido evitado pela Samarco, ele pede a Deus que a empresa volte a operar em Mariana.
“Ela tem que voltar, e tenho fé que isso vai acontecer. Caso contrário, o desemprego será muito grande na cidade. O que não pode acontecer é deixarem de investir em segurança para que não ocorra outra tragédia”, diz.Flávio Tavares
EDUCAÇÃO MANCHADA – Na escola municipal, as lousas de três salas de aula não foram levadas pelo mar de rejeitos
O filho mais novo de dona Gracita não está satisfeito com a vida que leva em Mariana. Morando com Célis de aluguel pago pela Samarco em uma casa do bairro Colina, ele sente muita falta da convivência com os antigos amigos e da rotina atrelada à terra. “Não peguei amizade com ninguém nessa rua. Em Bento eu tinha terreno para plantar laranja, banana, uma horta, e agora tenho que comprar tudo”, diz.
Destino
Marcelo trabalhou na barragem de Fundão até dez minutos antes de a estrutura se romper. O destino, no entanto, foi cruel para Dona Gracita.
“A casa da minha mãe em Bento ficava a cem metros do córrego Santarém. Um rapaz que estava pescando falou para ela sair, porque a barragem tinha estourado. Ela disse que iria só fechar a casa, imaginando ia ser uma enchente passageira”, lamenta o auxiliar de topografia.
Gracita e três moradores de Bento Rodrigues morreram, sendo duas crianças (de 5 e 7 anos), além de uma mulher que visitava o povoado e 14 pessoas que trabalhavam para a mineradora.
Cidade fantasma
Silêncio. Não há mais crianças enchendo as ruas de vida nem vizinhos colocando a conversa em dia. O trote dos cavalos também não existe mais. Em Bento Rodrigues, até os pássaros parecem ficar quietos em sinal de luto. Só se ouve o barulho do vento carregando algum velho objeto que ficou para trás na correria dos moradores para escapar da morte.
Em meio às ruínas do vilarejo devastado, a lama dá lugar ao mato. Passado um ano da tragédia, o Hoje em Dia percorreu as ruas desertas. Em mais de uma hora, os únicos sinais de vida foram ouvidos de muito longe, da construção de um dique que vai alagar parte de Bento.
No cenário desolador não faltam marcas do passado: resto de móveis, roupas, brinquedos, eletrodomésticos, instrumentos musicais, lousas da escola, telefones, enfeites e outros tantos objetos destruídos pelo mar de lama.
Leia na edição desta quinta-feira (3): Os moradores que permanecem em Paracatu de Baixo e as multas aplicadas à Samarco.
Flávio Tavares
NOITE INFELIZ – Bento Rodrigues foi riscado do mapa pouco antes dos preparativos para o Natal