(Flávio Tavares)
Na casa em que Zezinho do Bento está morando com a mulher, Maria Irene, no bairro Dom Oscar, em Mariana, a foto que enfeita a sala é o único objeto pessoal que ele conseguiu resgatar em Bento Rodrigues. José do Nascimento de Jesus, como foi batizado o líder comunitário de 70 anos, mostra orgulhoso a imagem com a formação do time de futebol do distrito em outubro de 1997, do qual era treinador.
Há exato um ano, Zezinho viu as lembranças de uma vida inteira serem levadas pelo mar de lama que riscou Bento Rodrigues do mapa. Nesse tempo, morando de aluguel pago pela Samarco, ele convive com a angustiante espera pela reconstrução do vilarejo. “Parece uma eternidade”, diz.
Nem as intervenções prometidas pela mineradora no distrito devastado foram cumpridas, segundo o promotor Marcos Paulo de Souza Miranda. “Foi assinalado prazo de setes dias a partir de 8 de agosto de 2016 para que os pertences dos moradores fossem retirados da lama. Ontem (quinta-feira), recebemos relatório mostrando que nada foi feito. Não foi retirada uma pá do 1 milhão de metros cúbicos de rejeito que soterrou Bento Rodrigues”, afirma o representante do Ministério Público Estadual (MPE).
A ansiedade que Zezinho e os demais desabrigados carregam para retomar a rotina foi atenuada com uma boa notícia: “Ficou marcado para o dia 9 (de novembro) a apresentação do projeto do novo Bento Rodrigues aos moradores”, comemora.
Os últimos ajustes na planta do novo distrito com a disposição das casas, imóveis comerciais, campo de futebol, igrejas e equipamentos públicos foram feitos por uma equipe técnica contratada pela associação comunitária.[TEXTO] Segundo Zezinho, 80% dos cerca de 650 moradores estão insatisfeitos com a vida longe do campo.
“Não podemos reclamar das casas alugadas para nós em Mariana. Mas queremos que o reassentamento seja feito o mais rápido possível. Estávamos acostumados a plantar e colher nossa banana, café, tirar o leite e cuidar das galinhas”, aponta.
Algumas exigências foram feitas pelos moradores, entre elas que a escola fique próxima à quadra de esportes e ao posto de saúde. “Não vai ser a mesma coisa, mas lutamos para que seja bem semelhante, o mais próximo do que tínhamos em Bento Rodrigues”, diz Zezinho.
Em acordo com a Defesa Civil de Mariana e o Ministério Público, os moradores só podem visitar o que sobrou de Bento Rodrigues às quartas, sábados e domingos, das 8h às 18h, segundo Zezinho do BentoFlávio Tavares
SEMELHANÇA – Os novos imóveis deverão ter as mesmas características dos que foram destruídos pela lama que vazou da barragem de Fundão
Líder comunitário resume drama vivido há um ano: ‘Me senti personagem de filme de terror’
O líder comunitário Zezinho do Bento conhecia o distrito de Mariana como a palma da mão. Afinal, ele ajudou a construir e participou de reformas em grande parte dos imóveis que formavam o vilarejo.
Há um ano, Zezinho presenciou a destruição causada pela avalanche de rejeitos. A lembrança ainda o incomoda.
"Não gosto de ficar pensando naquele dia. É difícil tirar do peito e da cabeça tudo que vi. Foi um momento de pavor, me senti personagem de filme de terror vendo tudo sendo arrasado e a gente tendo que fugir apenas com a roupa do corpo”, lamenta. Agora, ele só quer retomar a vida com sua comunidade.
Licenciamento
Se aprovado pelos moradores, o projeto do novo Bento Rodrigues vai depender do licenciamento ambiental para sair do papel. A previsão do engenheiro Álvaro Pereira, representante da Samarco que lidera o programa de reconstrução do distrito, é a de que a Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) receba a planta detalhada até o fim de janeiro.
“Usamos um mapa antigo e os moradores ajudaram a delimitar os imóveis, mantendo os setores de vizinhança. Uma das exigências é que haja um cruzeiro na rota das procissões entre as igrejas de São Bento e das Mercês”, disse Pereira.
O cemitério será construído na parte mais alta da comunidade, como era no Bento que foi devastado pela lama. O terreno de 375 hectares onde surgirá o novo distrito fica a nove quilômetros de distância do antigo.
“O prazo final para a conclusão das obras é março de 2019, mas trabalhamos para que os moradores comecem a ir para suas casas no segundo semestre de 2018”, afirma o líder do programa.
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