(Flávio Tavares/Hoje em Dia)
Uma das ruas mais antigas da capital está na fila para ser tombada pelo patrimônio do município. A movimentada Padre Eustáquio, por onde passam cerca de 20 linhas de ônibus e dezenas de milhares de pessoas por dia, foi alvo de uma discussão no Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural em maio deste ano.
Se a ideia for aprovada, os efeitos serão sentidos ao longo dos próximos anos. Estão previstos o enterramento da fiação, que hoje polui visualmente a via, a instalação de iluminação monumental, recuperação das calçadas e readequação do paisagismo. “Foi criado um perímetro para que projetos urbanísticos sejam analisados pelo conselho para garantir o valor cultural do bem como antigo caminho de tropeiros, já que a ocupação é anterior à criação da cidade”, diz o diretor de Patrimônio da Fundação Municipal de Cultura, Carlos Henrique Bicalho.
Com a importância de quem carrega o bairro no nome, o aposentado Jonas Eustáquio, de 66 anos, viu a rua se transformar da janela de casa. Ele é filho de Chico Leite, mineiro de Piumhi que se mudou para BH em 1915 e, em 1946, abriu a Padaria Padre Eustáquio, em frente ao santuário homônimo. “Mudou muita coisa desde que era menino. Aqui na frente passava o bonde, enquanto que na igreja a gente esperava ansioso o fim de semana ou feriado santo porque tinha barraquinha. Era ponto de encontro”.
Engenheiro mecânico, Jonas até trabalhou com terraplanagem. Mas a família cresceu, assim como a vontade de assumir os negócios do pai e fixar base no bairro. “A padaria tinha sido vendida. Fizemos um acordo e a reassumi no fim dos anos 80”. O pai, ele conta, era exigente. Reclamava da forma como o pão estava sendo feito, dava palpite. As intenções eram boas: Chico queria preservar os clientes que já eram parte da família.
E ao lado dos amigos, o aposentado viu o bairro crescer em tamanho e em importância. Muita gente foi embora para dar lugar ao comércio. Hoje, a padaria, agora sob a tutela de Abraão de Morais Leite, de 36 anos, filho de Jonas, é a principal referência da rua. “Com algumas pessoas do bairro, tenho mais contato que muitos parentes. É incrível isso no Padre Eustáquio, a gente tem uma relação afetiva com o bairro”, frisa Abraão.
Na marra
Jonas não era nem nascido quando a aposentada Francisca de Oliveira Horta, a dona Neneca, de 88 anos, se mudou para o bairro, há 67 anos. Ela veio de Bom Despacho, Centro-Oeste do Estado, casada e com filho de dez meses.
Quando chegou, a região ainda não tinha luz e água. A Padre Eustáquio ainda era chamada de rua Contagem e caminho de boiadeiros. “Desci do bonde com meu marido e com meu pai. Vi aquele lugar cheio de mato e queria ir embora. Ia sair de uma roça para ir para outra?”.
O pai não deixou e aconselhou o genro a comprar um terreno no bairro. Foram anos pegando água em cisterna e iluminando a casa com lampiões à base de carbureto.
As cinco crianças (quatro delas nascidas na casa ), porém, foram criadas brincando na rua. Na frente do portão, um campinho de futebol fazia a festa delas enquanto os pais sentavam na calçada para conversar. “Sinto saudade. Muita gente foi embora, mas eu gosto daqui e da vizinhança”, afirma Neneca.
Expectativa
A senhorinha comemora a iniciativa em preservar a memória da Padre Eustáquio. Para ela, as casas abandonadas ou depredadas matam a história do bairro. “Semana passada estava subindo a rua. Comentei com minha filha que parecia abandonada”.
Dona Neneca acredita que o comércio trouxe facilidades ao bairro, mas problemas. Ela reclama das calçadas estreitas e do trânsito caótico.
Trânsito, aliás, é um dos principais problemas que os moradores esperam mudar caso a rua seja mesmo tombada. Comerciantes, porém, temem que a proibição em se expandir os estabelecimentos atrapalhe o aumento dos ganhos e afugente os clientes.