Do alto da cadeia de montanhas, as cavas deixadas por uma mineradora hoje extinta ameaçam a vegetação nativa e aumentam os riscos de erosão. Mais abaixo, o cartão-postal estampa a “mutilação” deixada pelas trilhas de motos e, às margens da rodovia, o descaso aparece nas pilhas de lixo e entulho. Nesse cenário de passivos ambientais, ainda há espaço para a especulação imobiliária e a degradação de construções históricas.
Motivos não faltam para dar o alerta sobre a degradação da Serra da Moeda, um dos mais ricos conjuntos históricos e paisagísticos do planeta, e que abrange sete municípios da região Central de Minas.
Todas as atenções
Mas a preocupação ganha, agora, respaldo científico e internacional. A unidade de conservação foi incluída em uma lista mundial de patrimônios culturais ameaçados de destruição: a World Monuments Watch 2014.
O anúncio, feito nesta semana em Nova York, nos Estados Unidos, é de suma importância para o futuro da região. Foram apontados 67 locais de 41 países, considerados testemunhas do desenvolvimento humano e da diversidade de culturas no mundo. Há monumentos como os castelos dos cruzados na Síria, ameaçados pela atual guerra civil, e Veneza, na Itália, depredada pelo turismo.
“Locais historicamente importantes foram lembrados e obter essa chancela será fundamental para despertamos mais atenção das autoridades com relação aos riscos na serra mineira”, diz a diretora da ONG Arca-Amaserra, Simone Bottrel.
Na quarta-feira (9), ela acompanhou a equipe do Hoje em Dia por diferentes regiões da Serra da Moeda e destacou os dois principais problemas da região: a forte ocupação por condomínios e a atividade mineradora.
Herança
Em Brumadinho, na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), os estragos deixados por uma mineradora parecem não ter fim. Apesar de a empresa ter falido, o rastro de destruição cresce a cada dia, reforça Simone Bottrel ao mostrar uma rachadura de quase dez centímetros de largura em uma das cavas abandonadas. “Na próxima chuva, ou até antes disso, o restante do barranco vai cair, provocando mais erosão e destruindo a vegetação. Isso, sem falar no carreamento de minério e na contaminação de mananciais”.
Rachadura estampa estrago deixado em cava por mineradora na região de Brumadinho (foto: Samuel Costa/Hoje em Dia)
Outro problema grave está nas construções. Próximo a um dos condomínios de luxo na região, outro grande loteamento ganha forma. “Não entendemos como tantas licenças para erguer casas são aprovadas. E o pior: para esse quadro, não há solução. Passivos ambientais deixados pela mineração podem, em alguns casos, ser revolvidos, mas retirar casas e pessoas é impossível”, lamenta.
Ambientalista cobra providências urgentes
A inclusão da Serra da Moeda no World Monuments Watch 2014 é o primeiro passo para conscientizar a sociedade e os governantes sobre a importância do patrimônio natural. A afirmação é da diretora da ONG Arca-Amaserra, Simone Bottrel. “Atividades turísticas e mineradoras chegam à serra com muita rapidez e sem cuidado. Precisamos fazer tudo de forma sustentável e criar corredores ecológicos para preservar a vida no entorno”, afirma.
Ela mandou um dossiê para a equipe do Watch 2014, a World Monuments Fund, que fez visitas à Moeda para entender a situação. Para Ana Amélia Martins, da ONG Abrace a Serra da Moeda, a divulgação da lista internacional é mais um argumento contra a atividade mineradora na região, mas deve vir acompanhada de recursos para preservação.
Agora, as ONGs vão debater, com as prefeituras envolvidas, ações práticas para reverter a destruição do meio ambiente. “Queremos que o patrimônio seja efetivamente protegido. O Forte de Brumadinho, por exemplo, é tombado pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha), mas está sujo e pichado”, diz Simone.
Serra abriga 22% das espécies de aves e anfíbios de Minas
Segundo o IEF, a Serra da Moeda tem aproximadamente 470 quilômetros quadrados de área e abrange os municípios de Belo Vale, Brumadinho, Congonhas, Itabirito, Moeda, Nova Lima e Ouro Preto. Abriga ainda duas importantes bacias hidrográficas, a do rio Paraopeba e a do Rio das Velhas. A flora local conta com árvores ameaçadas, como o pequizeiro, o jacarandá-da-bahia e a braúna, além de espécies de importância medicinal como a arnica e vários exemplares de orquídeas, bromélias e sempre-vivas.
Cobrindo apenas 0,08% do território mineiro, a região concentra 22% das espécies de anfíbios conhecidas no Estado; 22% das aves; 13% dos mamíferos; 8% das plantas. Dentre essas espécies, pelo menos 53 estão ameaçadas de extinção no Estado.
Evidências
Conforme o relatório “Patrimônio Natural – cultural e zoneamento ecológico-econômico da Serra da Moeda”, do Sindicato da Indústria Mineral do Estado de Minas Gerais (Sindiextra), a Serra da Moeda guarda vestígios arqueológicos relacionados à mineração que apontam a existência de uma sociedade formada em torno da exploração do ouro, no século 18.
Há monumentos como o Forte de Brumadinho, testemunha da ocupação de Minas e da organização dos primeiros núcleos urbanos. O Decreto 45.472, de 21 de setembro de 2010, criou o Monumento Estadual da Serra da Moeda nos municípios de Moeda e Itabirito para proteger a região.
Sob o risco de desaparecer
O World Monuments Watch ocorre a cada dois anos, desde 1996. Em 2013, além da Serra da Moeda, figuram na lista de bens mundiais ameaçados lugares como:
- O palácio abandonado Bayt al-Razzaz, no Cairo (Egito)
- A cidade histórica de Bidar, em Karnataka (Índia)
- As igrejas de Saint Merri e Notre-Dame de Lorette, em Paris (França)
- O centro histórico de Áquila, em Abruzzo (Itália)
- A igreja e o monastério de Santa Catarina de Siena, em Buenos Aires (Argentina)
- O Palácio La Alhambra, em Santiago (Chile)
Moradia de espécies raras
Aves
Papa-moscas-de-costas-cinzentas
Canário rabudo
Beija-flor de gravata
Mamíferos
Tamanduá-mirim
Lobo-guará
Onça-parda
Veado (Mazama americana)