Apreensão de veículos por inadimplência é considerada inconstitucional

Aline Louise - Hoje em Dia
14/07/2015 às 06:14.
Atualizado em 17/11/2021 às 00:53
 (Lucas Prates)

(Lucas Prates)

Desde 1º de julho, o contribuinte que não conseguiu quitar todos os débitos do veículo – como IPVA, multas, seguro obrigatório e tudo o que é exigido para ter a liberação do licenciamento –, corre o risco de ter o automóvel apreendido, caso caia numa blitz. O que pouca gente sabe é que essa medida, tomada pelo Estado, é considerada inconstitucional por muitos especialistas.

Advogados ouvidos pelo Hoje em Dia defendem que a apreensão do veículo fere três princípios fundamentais: o direito da propriedade, ao contraditório e da ampla defesa. Segundo o advogado tributarista Gabriel Prado Amarante de Mendonça, a cobrança de tributos e os demais débitos precisa passar por um processo previsto em lei, que garanta o direito ao contraditório e a ampla defesa.

“A apreensão de bens particulares para fins de cobrança de tributos é uma medida que o próprio Supremo Tribunal Federal (STF) reconhece como abusiva. Reter o carro é possível, mas no fim do processo. O Estado não pode usar dessa artimanha e recolher o bem sumariamente”, reforça.

Ainda em 1963, o STF editou a Súmula 323, em que diz ser “inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos”. Entretanto, a norma é ignorada em vários estados do país, inclusive em Minas Gerais.

Para o também tributarista Thiago Munduruca Rocha, recolher aos pátios o carro do proprietário inadimplente seria, analogicamente, o mesmo que tirar uma família da residência dela por não ter quitado o IPTU, sem respeitar o devido processo legal.

Discussão

Entretanto, ele reconhece que se trata de uma polêmica jurídica, sem um posicionamento concreto. Exemplo disso é que em setembro do ano passado, após ação movida pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) da Bahia, a Justiça daquele Estado concedeu liminar suspendendo as blitze de cobrança do IPVA.

Na decisão, a juíza Maria Verônica Moreira Ramiro, da 11ª Vara da Fazenda Pública, argumentou que a apreensão de veículo por falta de pagamento do tributo configura exercício ilegal da administração pública e desrespeito aos princípios constitucionais.

Porém, o Estado recorreu, alegando que a suspensão da fiscalização geraria “grave lesão à ordem, à segurança e à economia pública, na medida em que faculta a circulação de automóveis que, sem serem inspecionados e licenciados, oferecem risco aos demais condutores e a população em geral”. Assim, o presidente do Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA), desembargador Eserval Rocha, cassou a liminar.

Segundo a assessoria de imprensa da OAB da Bahia, a Justiça ainda irá julgar o mérito da questão. Informou também que a autarquia pretende recorrer até a última instância.

Isso poderia gerar uma repercussão geral da decisão do STF, já que há vários casos de ações judiciais contra a apreensão de veículos nessas circunstâncias. “Uma pessoa que teve o carro apreendido deve recorrer e isso tem grande relevância. As chances de vitória são muito expressivas”, avalia Gabriel Prado.

OAB considera medida arbitrária e estuda acionar estado na justiça

A OAB de Minas Gerais está de olho nas apreensões de veículos dos contribuintes por parte do Estado. Segundo o conselheiro federal da autarquia e especialista em direito constitucional, Mário Lúcio Quintão, quem se sentir lesado pode fazer uma representação na entidade para que as medidas cabíveis sejam tomadas.

“Vamos verificar a situação de Minas Gerais. Sendo pressionada, a OAB pode fazer um estudo e solicitar que seja ajuizada uma ação direta de inconstitucionalidade questionando essa medida arbitrária”, comenta o especialista.

Ele pondera que, em momento de crise econômica, muitas pessoas podem ficar inadimplentes. Porém, o Estado não deve agir de forma coercitiva, forçando o pagamento do imposto por meio da apreensão do veículo. “Isso vai de encontro ao bom senso. A administração deveria entrar com uma ação de execução fiscal, notificar o contribuinte para quitar o IPVA. Mas fazer busca e apreensão do veículo é arbitrário, fere a súmula do STF e demonstra que o Estado está sendo ineficiente”.

Condição

O advogado constitucionalista Hermeraldo Andrade ressalta que, dependendo da situação, a apreensão pode ferir não só o direito de propriedade, mas também de trabalho. “Se a pessoa usa o carro para uma atividade profissional, ele sendo apreendido, aí que o indivíduo terá mais dificuldade para pagar. Acho que essa ação é uma abusividade e uma ilegalidade”, diz.

Entretanto, Hermeraldo pondera que o problema está em atrelar a liberação do licenciamento do veículo à quitação de todas as multas. “A administração pode recolher os carros sem os documentos, o que não pode é só liberar o documento se a pessoa pagar a multa. Se o contribuinte paga o IPVA e a taxa de licenciamento, deve ter seu documento liberado. A cobrança dos demais débitos deve ser feita na Justiça. Do contrário, o indivíduo está sendo punido duas vezes, com a multa e a apreensão”.

Contraponto

Especialista em direito de trânsito, Lucas Gontijo tem opinião divergente. Segundo ele, a autoridade de trânsito tem que apreender o veículo sem licenciamento por imposição do Código de Trânsito Brasileiro (CTB). Entretanto, ele afirma que o contribuinte pode questionar judicialmente os valores cobrados para o reboque do veículo, as diárias no pátio e até pedir um mandado de segurança para que o automóvel seja devolvido, mas mantido fora de circulação.

A cobrança do licenciamento para os veículos com placas finais 1, 2 e 3 começou no dia 1º de julho

“A apreensão de veículos pela dívida do IPVA assemelha-se a um confisco” Thiago Munduruca - advogado tributarista

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