Baixas temperaturas desafiam moradores de rua de BH, que recorrem a estratégias para se aquecerem

Renato Fonseca
rfonseca@hojeemdia.com.br
15/06/2016 às 19:36.
Atualizado em 16/11/2021 às 03:55
 (Cristiano Machado)

(Cristiano Machado)

Para alguns, apenas trapos surrados e rasgados, além de caixas de papelão improvisando uma cabana. Outros, se embrulham em cobertores e também arriscam montar casinhas com as mantas. Há ainda os que lançam mão de barracas de camping que lhes foram doadas e aqueles que apelam para fogueiras e boas doses de cachaça.

Enfrentar as baixas temperaturas das noites e madrugadas, com os termômetros registrando mínima de até 10°C nos últimos dias, é uma verdadeira questão de sobrevivência para os sem-teto. Em São Paulo, pelo menos cinco moradores de rua já morreram. Em Belo Horizonte, para se abrigar do frio intenso, eles recorrem a várias estratégias. 

Desconfiados e até um pouco arredios, muitos não gostam de falar da jornada em via pública. Na hora de se apresentar, dão apenas o primeiro nome e evitam detalhar como foram morar nas atuais condições. A maioria opta pela proteção de marquises e estende os pertences pelas calçadas cobertas, como Fred, de 35 anos, faz.

1,8 mil moradores de rua existem em Belo Horizonte, mostra última estimativa feita pela prefeitura em 2014

Ele conta que há um ano veio para a Região Hospitalar, Leste de BH. Antes, ficava nas imediações da Praça Raul Soares. O rapaz anda com um carrinho de supermercado abarrotado. São cobertores, duas mochilas, roupas, tênis e até alguns utensílios domésticos, como panelas. 

Diariamente, por volta das 20h, ele monta uma cabana utilizando os cobertores e um barbante. “Tem que montar isso tudo aqui e ainda enrolar na coberta. Esses dias tá osso. Frio tá matando a gente”, conta o morador de rua. 

Próximo dali, nas avenidas Carandaí e Bernardo Monteiro, dá para perceber restos de fogueiras perto de árvores. “Fogo só em último caso. Se a polícia vê, manda apagar na hora. Mas tem vez que não tem jeito. Ou faz uma fogueira ou a gente congela”, conta outro sem-teto de BH.

Calor humano

Muitos aproximam-se uns dos outros na hora de dormir para manter os corpos aquecidos. Com os cobertores estendidos lado a lado, no passeio da rua Conselheiro Rocha, no bairro Floresta, região Leste, seis amigos tentavam driblar as baixas temperaturas. O curioso é que todos estavam a poucos metros do albergue Tia Branca, um abrigo municipal que oferece estadia gratuita.

Aos 54 anos, tendo vivido os últimos 40 na rua, Geraldo conta que é “impossível” ficar no espaço público. Segundo ele e os colegas que estavam deitados no chão, as condições são precárias. “Tem percevejo nas acomodações. Você acorda todo picado. Nós preferimos ficar na rua do que lá dentro”, diz.

Já Maurício chama a atenção para outro problema. De acordo com o homem, que não tem casa para morar há cerca de um ano, há poucos chuveiros no abrigo e apenas um com água quente. “Como que você toma banho gelado num frio desse? Como? Isso é um desrespeito. Fora que existem várias outras regras totalmente desnecessárias”.

No local, que só pode receber homens, as entradas são permitidas das 17h às 20h30. É preciso fazer um cadastro e ter um cartão de acesso. Um funcionário, acompanhado de guardas municipais, faz a triagem na porta do prédio. Quem estiver com sinais de embriaguez é impedido de se acomodar.

O atendente do albergue conta que nos últimos dias a procura aumentou consideravelmente. Há 400 vagas e 350 camas foram ocupadas na noite da última segunda-feira (13). 

Segundo a assessoria da Secretaria Municipal de Políticas Sociais, os chuveiros do albergue passam por manutenção constante. Porém, conforme o órgão, “eventualmente, há queima de resistência devido à grande utilização”. Sobre os percevejos, a pasta disse que desenvolve, em parceria com a Fiocruz e o Centro de Controle de Zoonoses, serviço permanente de combate a pragas.

As entradas são permitidas das 17h às 20h30. Nos espaços estão disponíveis hospedagem, banho e alimentação

Cristiano MachadoALTERNATIVA – Cachaça é opção dos sem-teto para espantar o frio

Solidariedade fica mais evidente nesta época do ano

Em meio à luta contra o frio e as precárias condições de se morar na rua, muitas pessoas contam com ajudas indispensáveis para sobreviver. Todos os dias é possível ver entidades religiosas ou grupos de amigos levando alimentos para os sem-teto da capital. Solidariedade essa que fica ainda mais evidente nesta época de baixas temperaturas. 

A corrente do bem em prol dos moradores de rua acontece em vários pontos da cidade, como na Região Hospitalar e no bairro Lagoinha. Porém, é mais frequente nas imediações do Elevado Castelo Branco, na região Central da metrópole. Seja debaixo do viaduto ou nas ruas Mato Grosso e dos Tamoios, carros de passeio, kombis e vans desembarcam nas vias com voluntários oferecendo ajuda.

Nos veículos, pães, chocolate quente, água e o tradicional sopão. Há oito anos, o pastor Marcelo Silva e outros homens da igreja dele ajudam essas pessoas. 

Ele conta que, em média, são distribuídas 300 refeições todas as terças-feira, mas que na última (14) foram 400 marmitex com sopa de macarrão. “Com a chegada do frio, a procura é muito maior”, diz ele, que após a distribuição conversa com as pessoas em busca da evangelização das mesmas. 

A cada automóvel que estaciona para entregar comida, filas enormes se formam. Dona Maria Perpétua, de 45 anos, faz questão de agradecer. “Nós não temos casa, não temos nada. Não temos dinheiro para comprar uma bala. Sem essas comidas morreríamos de fome”. Além de alimento quente, outros não abrem mão de uma cachaça. “Esquenta o corpo e a alma”, disse um senhor que estava com uma garrafa PET cheia de pinga.Cristiano MachadoVOLUNTÁRIOS – Procura pelo tradicional sopão aumentou nos últimos dias 

Inverno chega dia 20

As baixas temperaturas dos últimos dias neste outono são resultado de duas massas de ar frio vindas do Sul do país. Hoje, a mínima prevista na capital mineira é de 9°C e deve ser registrada por volta das 6h, conforme informou o TempoClima PUC Minas. O pior, no entanto, ainda está por vir. Na próxima segunda-feira, começa o inverno e os serviços de meteorologia indicam uma estação mais gelada que a média histórica.

Tendência de temperaturas mais baixas

Segundo meteorologista Claudemir Félix, a média registrada em Belo Horizonte nos últimos anos, durante o inverno, é de 13°C e a tendência é de temperaturas mais baixas nos próximos meses. O tempo permanecerá seco e não há previsão de chuva. Bairros mais elevados da região Centro-Sul, como o Mangabeiras, devem sentir mais os impactos do frio.

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