Cartório da cidade havia vetado o registro; casal homoafetivo dará à luz a uma menina
Documento inclui referências sobre proteção integral à criança (Marcello Casal Jr/Agência Brasil)
Em decisão anunciada esta semana, juiz titular de uma comarca no Sul de Minas reconheceu a dupla maternidade de uma criança concebida por meio de inseminação caseira, fruto de uma relação homoafetiva. O processo corre em segredo de Justiça e por isso os nomes não podem ser revelados.
Maria e Aline (nomes fictícios) são companheiras desde 2013 e buscaram a ajuda do Judiciário ao serem informadas pelo Cartório de Registro Civil que, ao nascer, o bebê não poderia ser registrado em nome de ambas. Negativa estaria baseada em “ausência de respaldo” no Provimento nº 63/2017, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O texto trata sobre reprodução assistida e exige documentação de clínicas especializadas para reconhecer a filiação em casos de reprodução assistida.
A decisão judicial, porém, ressalta que a criança deve ter os direitos fundamentais reconhecidos desde o nascimento. A sentença foi fundamentada no artigo 227 da Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, Lei nº 8.069/1990).
O juiz enfatizou que "os vínculos parentais não podem ser limitados à verdade biológica, especialmente diante da realidade de casais homoafetivos". Segundo ele, muitos, por limitações financeiras, "optam por métodos mais acessíveis de concepção, como a inseminação caseira, por meio da qual o sêmen é inserido na genitora com a ajuda de uma seringa".
Embra o Provimento 63 exija documentação específica, o magistrado entendeu que tal exigência, ao não considerar a diversidade de famílias e contextos socioeconômicos, "acaba por restringir o acesso a direitos básicos, como identidade civil, plano de saúde, licença-maternidade e auxílio-maternidade".
O juiz destacou ainda a constitucionalidade do planejamento familiar como uma escolha livre do casal, amparada pelo artigo 226 da Constituição. Para ele, negar o registro da dupla maternidade em razão do método de concepção "seria impor tratamento desigual aos casais que se enquadram no grupo LGBTQIAP+, violando o princípio da isonomia, além de promover a discriminação".
Jurisprudência do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) e decisões anteriores do Supremo Tribunal Federal (STF) também serviram como base para o entendimento de que relações homoafetivas devem gozar dos mesmos direitos e proteções das uniões heteroafetivas.
Na mesma sentença, que servirá como alvará, autorizando o registro no cartório, ficou estabelecido que após o nascimento da criança, a Declaração de Nascido Vivo (DNV) conste os nomes das duas mães, bem como os receptivos nomes dos avós maternos.