(Tomaz Silva/Agência Brasil)
O mineiro Claudiney Batista dos Santos, de 37 anos, nunca imaginou ser ídolo do país, ainda mais chegar ao posto por meio de uma trajetória completamente impensada. O ouro que ganhou na Paralimpíada Rio 2016 coroa uma história de luta e superação. Vítima de um acidente de trânsito, que resultou na amputação de uma das pernas dele, Claudiney acabou se apaixonando pelo esporte, até então visto apenas como um hobby.
Da mesma forma que ele, grande parte dos para-atletas que representam o Brasil nos Jogos foi vítima de acidente de trânsito. Para ser mais preciso, um em cada cinco tem deficiência causada por esse motivo.
As batidas envolvendo motociclistas são as mais frequentes e também as mais graves. Há 11 anos, um acidente desse tipo mudou para sempre a vida de Claudiney, que nasceu em Bocaiúva, no Norte de Minas, mas que na ocasião já morava em São José do Rio Preto, em São Paulo, onde vive até hoje.
“Bati de frente com um carro quando estava a caminho de uma chácara. Tive um corte no joelho, uma fratura e fiquei 23 dias internado, sendo uma semana da UTI”, conta o para-atleta. Após esperar mais de dois dias por uma cirurgia, a situação acabou se complicando e a única saída encontrada foi amputar a perna esquerda.
“Ainda no hospital, recebi a visita de dois rapazes que jogavam basquete em cadeira de rodas. Eles tentaram me convencer a visitar o centro de treinamento na cidade, mas recusei. Em 2007, veio outro convite e acabei indo até o local fazer um teste e gostei”, relata Claudiney, que já sonha com os ouros que pode ganhar na próxima Paralimpíada, em Tóquio.
Internações
Até 2020, a expectativa é a de que a delegação brasileira de para-atletas cresça ainda mais. Entre os competidores, certamente estará uma parcela grande de vítimas do trânsito, como já ocorre atualmente.
Essa projeção é alimentada por dados contabilizados pelo Ministério da Saúde que mostram que o número de internações diárias de pessoas envolvidas em batidas no país subiu de 325 em 2013 para 348 no ano seguinte.
A mesma alta foi observada em Minas Gerais. As internações passaram de 45 para 47 todos os dias. Isso a despeito de campanhas de educação no trânsito, instalação de equipamentos de controle de velocidade e implementação de leis mais rígidas para punir infratores.
A Paralimpíada do Rio, onde muitos sobreviventes de acidentes no trânsito mostram a capacidade de superação, terminou ontem, no mesmo dia que marca o início da Semana Nacional do Trânsito.
Neste ano com o tema “Eu sou + 1 por um trânsito + seguro”, a campanha chama atenção para o risco que muitos ainda insistem em ignorar.
Alerta
“De modos diferentes, tanto o evento esportivo quanto a campanha, servem para alertar a população para o número de pessoas com deficiência que são vítimas do trânsito. A gente costuma brincar que a pessoa com deficiência só passa a enxergar outras quando está na mesma condição delas. É preciso mudar essa realidade, as pessoas devem ter consciência dos riscos sem precisar entrar nessa estatística”, salienta Claudiney.
Se nada for feito para conter esse problema, a Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que 1,9 milhão de pessoas devem morrer no trânsito em 2020 e 2,4 milhões, em 2030. Nesse período, entre 20 milhões e 50 milhões de pessoas sobreviverão aos acidentes a cada ano com traumatismos e ferimentos. A meta é poupar, por meio de planos nacionais, regionais e mundial, cinco milhões de vidas até 2020.
Apesar de crescimento no atendimento a pacientes, população ignora riscos de lesões
As vítimas de acidentes de trânsito correspondem a cerca de 70% da demanda do atendimento na ortopedia do Hospital Risoleta Toletino Neves, que atende a casos de urgência e emergência em BH. O percentual aumentou nos últimos anos por causa de, entre outras coisas, um aprimoramento nas técnicas de salvamento que garantem a sobrevida dos acidentados.
“As tecnologias dos veículos acabam evitando as lesões fatais, assim como a agilidade dos socorristas e disponibilidade de equipamentos capazes de garantir um atendimento adequado para esse tipo de caso. O paciente que antes iria falecer, hoje vai para o hospital”, afirma o coordenador da Comissão de Ensino e Treinamento da Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia da regional Minas Gerais, Túlio Vinícius de Oliveira Campos.
O Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) atua no atendimento pré-hospitalar e estabilização da vítima até ser atendido em uma unidade de saúde. O trabalho é essencial, visto que a maior parte das vítimas fatais de acidentes – 1,25 milhão por ano em todo o mundo – morre antes de chegar a um hospital.
Os acidentados, na grande maioria, apresentam dois tipos majoritários de fraturas, que podem ser ou mais fatais ou mais complicadas para recuperação. “A mortalidade está ligada à fratura de ossos mais longos, como os da bacia e fêmur. As lesões que demandam tratamento prolongado estão relacionadas com fraturas na tíbia, que são as mais comuns, porque trata-se de um osso mais exposto e superficial”, explica o médico, que também coordena o setor de ortopedia do Risoleta Neves.
Consequências
As sequelas mais frequentes são as deformidades (consolidação incorreta do osso que gera desequilíbrio para o paciente que começa a mancar ou ter outras dificuldades), infecções crônicas, amputações de membros superiores e inferiores e também, no longo prazo, desgaste das articulações.
Apesar de todas essas questões, o risco das consequências de acidentes no trânsito parece não ser suficiente para conter o avanço dos casos. “A gente percebe claramente que os pacientes não têm noção disso. As pessoas não têm consciência do que é um tratamento ortopédico. Temos casos de pacientes com depressão e outros problemas psicológicos porque ficam muito tempo afastados de casa, fora da rotina, fazendo o tratamento”, ressalta Campos.