Casal de joão-de-barro vira atração em BH ao interagir com a vizinhança

Ernesto Braga
eleal@hojeemdia.com.br
02/12/2016 às 19:22.
Atualizado em 15/11/2021 às 21:55

Ernesto e Maria Júlia resolveram morar no Prado, bairro da região Oeste de Belo Horizonte. Construíram um “duplex” num ponto bem alto, de onde observam toda a vizinhança. Viraram fregueses do comércio local e todos os dias vão em busca de comida. Eles formam um casal de joão-de-barro que virou atração na arborizada rua Esmeraldas.

Para criar os filhotes, Ernesto e Maria Júlia carregaram no bico o barro usado para erguer duas casas, uma sobre a outra, no topo de um poste. As entradas do “imóvel” ficam em lados opostos, como se os pássaros buscassem privacidade em dias de desarmonia matrimonial.

“Eu percebo que é a fêmea quem dá as ordens. Ernesto tenta se impor às vezes, mas rapidinho Maria Júlia corta o barato dele”, brinca Angela Librelon, de 65 anos. O poste onde o casal de joão-de-barro construiu a moradia fica em frente à casa dela, a dois quarteirões da movimentada avenida do Contorno.


​Angela é uma vizinha cordial. “Deixo sempre uma vasilha com água próximo à grade da minha casa, eles entram e matam a sede”, diz. O nome da fêmea, segundo ela, foi dado pelo garoto Artur, de 4 anos, que mora no bairro. “Em homenagem a uma amiga do menino, que se chama Maria Júlia”, explica.

O macho foi “batizado” dentro do bar de Eurípedes Gabriel Brandão, de 74, que fica na esquina da Esmeraldas com a rua Nepomuceno. Quem escolheu o nome foi a mulher dele, chamada pelos amigos de Preta.

“Minha mulher é de Crucilândia (na região Central de Minas), e lá é cheio de Ernesto. Então ela resolveu colocar esse nome e fica chamando ele o dia inteiro aqui”, conta o comerciante.

Freguesia

Eurípedes pode ser considerado o melhor amigo de Ernesto e Maria Júlia. Tão logo ele abre as portas, por volta das 11h, o casal chega sem cerimônia, entra e vai direto para o lugar preferido de todo bom freguês de um bar: o balcão.

O motivo da visita está na sacola que Eurípedes carrega todos os dias. Antes de ir para o trabalho, ele passa em uma padaria para comprar broa de canjica. A iguaria feita de fubá virou a comida preferida dos joões-de-barro.

“Tem dia que eles não me deixam nem buscar alguma coisa que ficou no carro antes de colocar a comida. O Ernesto fica em cima do balcão arrulhando igual um pombo velho, querendo comer broa”, afirma Eurípedes.

Os fregueses voadores do Bar Brandão têm outras exigências. “Eles só comem em cima do balcão. Se eu colocar a comida no chão, eles não aceitam. Eu posso até ficar perto quando eles estão comendo, mas não pegam a migalha de broa direto na minha mão de jeito nenhum”.Flávio TavaresDUPLEX – A moradia de “dois andares” foi construída no poste por Ernesto e Maria Júlia

Fortalecidos pela broa de canjica incluída no cardápio

Embora seja mais raro em áreas urbanas do que outras espécies, o joão-de-barro se adapta muito bem a ambientes com a presença do ser humano. “No início ele tem medo. Um dia foge, no seguinte deixa chegar mais perto e aos poucos vai se acostumando com as pessoas”, explica o biólogo Bruno Garzon, professor de zoologia da PUC-Minas.

Segundo ele, espécies como bem-te-vi, sabiá, rolinha e garrincha são mais comuns nas cidades. O joão-de-barro tem maior adaptação a ambientes rurais, no entorno de fazendas e pomares. “Na época reprodutiva, a espécie desenvolve o instinto da construção do ninho. Pode ser a reforma do que já existe ou ele faz outro”, destaca o especialista.

Foi o que Ernesto e Maria Júlia fizeram no poste da rua Esmeraldas. De acordo com o biólogo, é comum construírem uma moradia sobre a outra, como no Prado, ou até mais “andares”.

“Não dá para distinguir o macho da fêmea apenas no olho. Eles são idênticos, e ambos cantam. A fêmea é um pouquinho mais pesada devido ao aparelho reprodutor”, disse o biólogo, se referindo à observação dos vizinhos de que Maria Júlia dá as ordens em casa e Ernesto é mais resmungão na hora da alimentação.

Evolução

A broa de canjica oferecida ao casal, segundo Garzon, não causa nenhum prejuízo à alimentação do joão-de-barro. “Em termos evolutivos, o pássaro fica mais capacitado e favorecido para viver naquele ambiente”, ressalta.

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