(Wesley Rodrigues)
Nos próximos dois sábados, até o dia 2 de agosto, serão votadas todas as 647 propostas da Conferência Municipal de Políticas Urbanas, que podem mudar a legislação urbana da capital. São 240 propostas da Prefeitura de Belo Horizonte e outras 407 dos delegados. Ontem foi realizada a primeira das três plenárias, e os resultados das votações seguirão para a Câmara dos Vereadores para virar lei.
Para o secretário-adjunto Municipal de Planejamento Urbano, Leonardo Castro, de 29 anos, o que pode sair de mais importante é a adoção das centralidades nos bairros, ou seja, a possibilidade de as pessoas não precisarem, por exemplo, ir ao Centro da cidade para ter acesso a serviços e ao comércio.
O secretário-adjunto, que está no cargo desde março deste ano, conversou com o Hoje em Dia sobre a Conferência, a Operação Urbana Nova BH, os rumos do planejamento urbano da capital e possíveis mudanças no Compur. Para ele, o ideal seria que a cidade adotasse um modelo semelhante ao de Nova York (EUA), de cidade compacta, mesclando serviços, comércio e residências.
Qual o resultado que a prefeitura espera da IV Conferência Municipal de Políticas Urbanas?
Tivemos uma contribuição muito intensa dos delegados da Conferência para aperfeiçoamento das propostas e colocação de propostas alternativas. É difícil ainda saber o resultado desse trabalho todo. De maneira geral, as questões principais foram bem assimiladas.
Quais são as questões principais?
O coeficiente de aproveitamento único e unitário para a cidade inteira, como forma de se ter um instrumento efetivo de recuperação de mais-valia dos investimentos públicos nos terrenos privados, para que não aconteça a transferência de renda coletiva desse custeio de investimento público somente para os proprietários dos terrenos. A questão das centralidades, que tem efeitos profundos no desenvolvimento econômico, na criação de unidades de vizinhança qualificadas, na redução da necessidades de movimentos pendulares, deslocamentos de maneira geral, com impactos positivos sobre a mobilidade urbana. Do ponto de vista do eixo cultural, a gente tem ganhos na preservação do patrimônio histórico, preservação de áreas residenciais e as que têm valores históricos a serem preservados. A questão de trabalhar as taxas de permeabilidade no município, tirar essa sobrecarga do sistema de drenagem, também foi um ganho grande. A partir disso, temos a possibilidade de melhorar o sistema de drenagem. A questão da habitação, a expansão de áreas de habitação de interesse social. E, na mobilidade urbana, a priorização do transporte coletivo. De maneira geral, as propostas que vieram agregam ao conteúdo da Conferência.
Qual o atual déficit habitacional de BH e qual será o impacto das propostas de habitação da Conferência? Em quanto tempo será possível zerar esse déficit?
Hoje, são aproximadamente 60 mil unidades. O prazo para zerar o déficit é difícil prever, porque depende da mobilização da iniciativa privada. Mas em termos de processos que são coordenados ou executados pelo Poder Público, nós temos hoje 12 mil unidades com previsão para a região do Isidoro, mais cinco mil unidades no Capitão Eduardo. Além disso, há a criação de novas áreas de especial interesse social, que têm o objetivo de viabilizar essas construções.
O que foi mais difícil na Conferência?
É um processo de disputa. Você tem interesses diversos, pessoas que querem empreender, pessoas que querem preservar, outras que querem o uso comercial ou o uso residencial. O importante é que na Conferência esses interesses se manifestam, e a tendência é que vá acontecendo um equilíbrio entre essas intenções de ocupação da cidade. E a gente vê com muita satisfação. É um processo de construção democrática da legislação.
O projeto de lei da Operação Consorciada Nova BH deve ser enviado em breve para a Câmara dos Vereadores. Em recente entrevista ao Hoje em Dia, o prefeito Marcio Lacerda disse que enviará um projeto dividindo a Nova BH em duas etapas. Por que isso será feito e qual a vantagem?
A operação urbana, na Antônio Carlos e na Andradas, foi aprovada considerando uma área específica. Mas nós entendemos que, por se tratar de um instrumento que está sendo aplicado pela primeira vez no município, a gente deveria modulá-lo. A proposta que trabalhamos hoje preserva a área de operação urbana, mas prevê um faseamento. Hoje, nós estamos com essa missão de rever o plano urbanístico da operação urbana e rediscutir esse plano urbanístico com a sociedade. De maneira geral, você tem o perímetro da operação urbana, inclusive ampliado nas extremidades.
Então a Nova BH vai ser maior?
Não, na verdade a ideia é que seja menor. Você preserva o tecido que vai ser ocupado, mas vamos criar fases de ocupação. Na área central, na área da Antônio Carlos, você tem um interesse imobiliário muito grande. O mercado imobiliário vai se interessar mais por essas áreas. As áreas mais afastadas, que não têm uma pujança do mercado imobiliário, vão sendo afetadas à medida em que o plano vai se desenvolvendo no miolo da operação urbana. É como um movimento em cascata no sentido das extremidades. Por isso, tem 20 anos de duração.
Mas ainda neste ano será enviado à Câmara dos Vereadores? Quando?
Nossa intenção é que sim, daqui a alguns meses.
As eleições deste ano podem influenciar na tramitação dos projetos de lei da Conferência Municipal de Políticas Urbanas e do Nova BH?
Politicamente a gente sabe que as eleições demandam um trabalho fora do Legislativo. Mas a gente acredita que vai ser possível tramitar o projeto de lei com a participação dos vereadores.
Quais propostas da Conferência serão mais utilizadas pela população/empresariado e quais correm risco de cair no esquecimento?
A gente tem uma expectativa muito grande de que as centralidades sejam um ganho efetivo para a cidade. Que a gente consiga reduzir a dependência de Belo Horizonte do centro formal. Que a gente consiga desenvolver esses centros ao longo das regionais. O ideal seria resolver qualquer situação, a pé, em até dez minutos. Seria um grande ganho para a cidade. Viabilizar isso através da Outorga Onerosa do Direito de Construir. Que realmente os empreendimentos imobiliários possam aderir, para que eles consigam gerar um padrão de habitação, com passeios mais largos, áreas de fruição, uso comercial no térreo. O grande ganho que a gente espera é gerar esse modelo de cidade compacta, romper com o modelo de cidade espraiada, que tem mais dificuldade de infraestrutura, com redução do adensamento no miolo dos bairros. O modelo de ocupação influi muito nessa escolha. Trabalhar a mobilidade do ponto de vista do uso e ocupação do solo, de gerar os serviços nas regiões do município, e não somente no centro.
Onde isso ocorre no mundo?
Um exemplo clássico é Nova York, onde o uso residencial e comercial convivem de maneira muito harmônica. Não é uma cidade muito espraiada. Tem um processo de verticalização, mas é desenvolvido junto com uma política de mobilidade efetiva.
Nos últimos anos, Belo Horizonte adotou políticas urbanas que foram abandonadas por cidades ao redor do mundo ou consideradas ultrapassadas, como a cobertura do leito dos cursos d’água (como foi feito no Arrudas). Isso não é ir contra o estado da arte do planejamento urbano, que busca cidades mais sustentáveis?
As alterações da Conferência não descem nesse nível de detalhe. Acaba sendo sempre uma decisão de política de mobilidade urbana, política de obras. De fato, existe uma tendência de preservar os cursos d’água em leito natural, e é uma tendência que pretendemos seguir aqui também. No caso do Arrudas é uma situação um pouco difícil de reverter, até por questões de mobilidade. Mas as próximas intervenções, sem dúvidas, seguem esse tipo de critério.
Alguns bairros de Belo Horizonte sofreram com o abandono do planejamento, em que a legislação foi modificada para permitir a construção de prédios de grande porte, mas as vias não suportam a demanda de veículos. Alguma parte da cidade ainda corre esse risco?
A grande questão que envolve o Buritis e outros bairros que passaram por ocupações predatórias da qualidade de vida, um descompasso entre o modelo de ocupação, o adensamento e a capacidade de suporte, é uma questão que acaba sendo de timing. Quando você trabalha para induzir o desenvolvimento em uma região, e aí eu subo o coeficiente de aproveitamento, o mercado começa a se dirigir para aquela área e adensar. Eu tenho que ter o momento certo de conter esse adensamento. Isso não aconteceu em Belo Horizonte. Como hoje a gente trabalha com o coeficiente de aproveitamento 1 para a cidade inteira, esse tipo de situação dificilmente vai acontecer. Quando faço prédios muito altos, estou jogando nas costas da sociedade o ônus do meu prédio alto. A sociedade está tendo que custear aquela estrutura, e eu estou me beneficiando com uma apropriação muito intensiva daquele terreno. O coeficiente 1 não é para construir menos. É para construir mais onde pode mais, e menos onde pode menos.
Já está definido como será utilizado os recursos da outorga?
O Estatuto das Cidades prevê isso. Temos, por exemplo, a criação de equipamentos públicos, implantação de novas praças, projetos de requalifi-cação urbana, habitação de interesse social, que talvez seja o principal uso da outorga, aí sim ela cumprindo essa função redistributiva. Ao pagar a outorga, a coletividade se apropria do benefício econômico que foi gerado pelo investimento público. Todo o recurso da outorga tem que ser revertido para melhorias da cidade. Não existe ainda projetos. O primeiro passo é deixar a lei pronta para que o instrumento possa ser aplicado.
Qual sua posição sobre o formato do Conselho Municipal de Políticas Urbanas?
É absolutamente válido essa colocação da sociedade, que quer deixar de maneira mais transparente esse equilíbrio de forças que existe. Eu acho que existe um equilíbrio. A sociedade civil tem uma voz muito forte dentro do Compur. Tem uma proposta, que foi apresentada na Conferência, com o objetivo de que haja uma reformulação do Conselho. Acho que há a possibilidade sim de que haja uma reformulação do Conselho para aproximar esse debate com a sociedade civil.
Na sua visão como cidadão, qual é maior desafio para BH?
Fazer as coisas a pé é um desafio muito grande. A gente depende muito ainda do carro. A gente acha que carro é uma liberdade, que gera mobilidade. Mas, muitas vezes, o carro é o causador da imobilidade urbana. Espaços urbanos verdes de maior qualidade. Um programa que a prefeitura tem de sucesso é o “Domingo a rua é nossa”. Apesar de ser um programa de sucesso, é emblemático da nossa falta de áreas verdes, parques e praças. As pessoas estão indo para o asfalto para se divertir. Era para ter o espaço para elas fazerem isso, com mais qualidade ambiental, com mais opções de lazer. Belo Horizonte é uma cidade que está em progresso, que está ficando cada vez melhor, mas a gente tem esse desafio de gerar opções públicas de lazer, com mais mobilidade, acesso a serviços, mais cultura. A gente está no caminho certo, mas tem esse desafio maior, de não ficar tão refém do trânsito. A proximidade é uma ganho maior do que essa fluidez de tráfego. As pessoas terem as coisas perto das suas casas.
Qual o rumo que pretende dar à sua carreira?
Tenho um prazer muito grande de trabalhar com as cidades. É um tema apaixonante, que fez parte da minha carreira nos últimos sete anos. Dou aula de Direito Urbanístico. Minha intenção é continuar trabalhando com as cidades, seja no setor público, seja no setor privado.