Coordenador-adjunto da Defesa Civil defende participação efetiva do cidadão

Raul Mariano
rmariano@hojeemdia.com.br
21/11/2016 às 07:54.
Atualizado em 15/11/2021 às 21:44

Há 24 anos como membro efetivo da Polícia Militar, o tenente-coronel Juliano Cançado Dias atuou em várias frentes dentro da corporação antes de assumir a atual função de Coordenador-adjunto da Defesa Civil Estadual. A experiência teve início em áreas operacionais como o trânsito, seguida pelas gestões da educação da Academia Militar e da estratégica dentro do Estado Maior da PM. Logo depois, Cançado passou pelo gabinete integrado de segurança pública, que uniu as polícias Civil e Militar no monitoramento de gangues em áreas mais violentas de Belo Horizonte. Cançado é incisivo ao afirmar que a Defesa Civil é formada por toda sociedade e não apenas pelos órgãos públicos responsáveis. “Temos que criar a percepção de que a Defesa Civil somos todos nós. Temos que fortalecê-la como um sistema”.

Quais as principais ações em desenvolvimento no Estado para evitar novos desastres, como o fatídico episódio do rompimento da barragem da Samarco, em Mariana?
Está sendo construída uma cultura de prevenção no Estado. Estamos fazendo valer o programa Minas Mais Resiliente. Ele tem um alinhamento com políticas dos âmbitos nacional e internacional. Existe uma campanha da ONU tratando justamente do risco de desastres que podem ter origem natural ou artificial, como foi o caso da barragem de Fundão. Essa campanha busca a resiliência das cidades, ou seja, a capacidade dos municípios se recuperarem após um problema. Nós passamos a trabalhar com três valores importantes: prevenção, mitigação e preparação. Então Minas, acompanhando esse cenário, idealizou um programa para fomentar os municípios a participarem disso. Não temos que esperar desastres acontecerem para adotarmos medidas. O Estado inverteu a lógica de investimento. Hoje ele investe em prevenção, o que não acontecia antes. Esse programa é o carro-chefe da Defesa Civil. 

Mas qual o maior problema do Estado nesse momento?
O maior problema em Minas hoje, pela perspectiva econômica, não é a chuva, mas sim a seca. Gastamos muito mais com seca e estiagem do que com problemas de chuva. Em virtude disso, há um escritório regional em Montes Claros, que é uma das maiores cidades do Norte de Minas. Também criamos curso para capacitar e aumentar o número de profissionais aptos a atuar na Defesa Civil no âmbito municipal, aumentando a capilaridade do atendimento qualificado no Estado. Com isso, aumentamos a efetividade do mapeamento das áreas de risco.
 Flávio Tavares/ Hoje em Dia

Existem obras consideradas primordiais para evitar problemas decorridos da chuva?
A Defesa Civil pode participar atuando de forma colegiada e propondo ações, mas não propomos diretamente a execução de obras públicas. Todas as intervenções estruturais têm essa participação da Defesa Civil.

No âmbito da Defesa Civil há um acompanhamento para emitir alertas, assim como acontece com a Defesa Civil Municipal?
A Defesa Civil precisa ser entendida de forma sistêmica, ou seja, somos todos nós. Para ter isso, o cidadão que vai ser parte integrante de um problema, precisa se sentir como um componente desse sistema. Não adianta identificar áreas de risco se o cidadão ignorar aquilo. Em Mariana, realizamos há uma semana um simulado de situação de emergência. Em Barra Longa havia pessoas envolvidas com o simulado, como também havia gente que não estava se preocupando com aquilo. Portanto, alimentar a cultura da defesa civil é, às vezes, muito mais importante do que emitir alarmes porque isso faz com que as pessoas tenham autoproteção. No Japão, se tocar uma sirene não fica ninguém na rua porque eles têm essa cultura de autoproteção.

“O maior problema em Minas hoje, pela perspectiva econômica, não é a chuva, mas sim a seca. Gastamos muito mais com seca e com a estiagem do que com problemas de chuva”


O desastre de Mariana mudou a forma de agir da Defesa Civil Estadual?
A Defesa Civil sempre teve preocupação com riscos potenciais. E, em Minas, há quase que uma barragem por município. O mais necessário é sensibilizar os responsáveis por fiscalizar esse tipo de empreendimento a efetivamente desenvolverem suas atividades. Há órgãos responsáveis por autorizar o funcionamento dessas barragens e precisam verificar se o empreendimento atende à todas as exigências de segurança. Nossa responsabilidade vai da barragem para fora. A gente verifica se o local oferece risco para a população e se existe o plano de contingência no município e, naturalmente, o plano de ação emergencial. 

Quais são as áreas de Minas que têm maior atenção da Defesa Civil? Onde estão os maiores focos de atenção de monitoramento? 
O problema de seca está no Norte do Estado e no baixo e médio Jequitinhonha. Ele engloba parte do que é considerado semiárido brasileiro, pelo Ministério da Integração. O Instituto de Desenvolvimento do Norte e Nordeste de Minas Gerais (Idene) considera como semiárido mineiro 258 municípios. 

Mas quais são os mais vulneráveis às chuvas?
Não há como determinar que municípios são mais vulneráveis à chuva porque isso depende da intensidade do evento no local ou das intervenções que aconteceram ali. Há regiões que historicamente sofrem mais com a chuva, como a Zona da Mata, Sul de Minas e região metropolitana. Os locais mais afetados com chuvas são locais ribeirinhos, com relevo muito acidentado ou região muitos adensadas com área de encosta. Onde há muita impermeabilização do solo a situação é mais delicada. 

Como está nossa capacidade de atendimento a catástrofes ambientais? Temos abrigos suficientes para atender uma cidade atingida por um desastre? 
Hoje temos 15 depósitos avançados instalados em áreas estratégicas do Estado. Temos condição de atender qualquer região do Estado com a entrega de material humanitário. Temos colchões, kits de limpeza para higienização de locais atingidos e, em parceria com a União, temos a capacidade de abrigar pelo menos 400 pessoas em barracas de campanha, na hipótese de um município ter o colapso total da estrutura física. 

Há alguma articulação com a Defesa Civil nacional? Como se dá a relação com o âmbito federal?
Há uma ligação com a Secretaria de Defesa Civil Nacional. Esse apoio tem toda uma lógica e uma hierarquia de esforços. Eles podem intervir de forma concomitante dependendo do tamanho do desastre. Quem intervem primeiro é o poder público municipal, logo em seguida o Estado e a União. Mas a ação tem uma disciplina que prevê uma sucessão de esforços. 

Como a crise financeira que atinge o Estado afetou a Defesa Civil?
Minas inaugurou uma política de proteção em Defesa Civil que não existia. Houve uma disponibilização de recursos para fomentar a cultura da prevenção. Não temos recursos destinados exclusivamente para resposta. Hoje temos o programa Minas Mais Resiliente em vigência que busca fomentar a cultura da prevenção nos municípios. Todos os municípios participantes recebem aportes logísticos: viaturas, computadores e outros itens para a Defesa Civil. Portanto, não houve prejuízo direto.

“O mais necessário é sensibilizar os responsáveis por fiscalizar esse tipo de empreendimento a efetivamente desenvolverem suas atividades”


Mais de 70% das prefeituras vão ter novos prefeitos e, em muitas delas, a coordenação do setor de Defesa Civil também pode mudar. Como isso afeta o trabalho da Defesa Estadual? Pode haver a descontinuidade de ações importantes?
A nossa capacidade de intervenção nessas escolhas é muito pequena. Há prefeituras em que alguns contatos estão comprometidos porque não conseguimos identificar os funcionários que estão à frente da Defesa Civil. É uma preocupação para nós porque os funcionários que estão nessa coordenação deveriam ser funcionários efetivos do município, ou seja, serem concursados. Nós mesmos aqui oferecemos cursos e capacitamos profissionais que, às vezes, vão ser retirados daquela função e substituídos por uma pessoa talvez menos preparada. 

Há alguma ação para combater esse problema?
Dentro do que nos compete, tentamos realizar uma comunicação muito próxima com os municípios. Teremos que construir uma proposta para que esses funcionários sejam tratados não de forma discricionária, mas como efetivos. Se não houver uma previsão de uma coordenadoria municipal na estrutura administrativa dos municípios caberá aos prefeitos definir quem irá atuar à frente das defesas civis municipais. Em uma pesquisa com alguns municípios, verificamos que o número de prefeituras com essa estrutura é menor do que se pode imaginar. 
 Flávio Tavares/ Hoje em Dia

Isso ocorre em todo o Estado?
Acreditamos que não existe essa previsão de uma estrutura na maior parte dos municípios. Portanto, não existe também uma definição clara de quem vai ser aquele funcionário e também não existe a pessoa que vai prestar o concurso no município para atuar nessa função. 

Como resolver a questão?
Temos que trabalhar para criar essa cultura de ter o departamento próprio nos municípios. Tudo que antecede essa ação depende da cultura construída. Mas só lembramos da necessidade depois que o leite derrama.

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