A Lei Seca é uma velha conhecida dos brasileiros. Desde 2008, quando foi criada, muitos motoristas que insistiram em dirigir alcoolizados foram flagrados pela fiscalização. Mesmo assim, a norma não tem freado os acidentes de trânsito provocados por condutores sob efeito de bebidas. Só em BH, em 2016 foram, em média, 52 casos por mês envolvendo embriaguez ao volante.
Os dados são de um levantamento feito pela Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp) a pedido do Hoje em Dia. No total, foram 623 acidentes com suspeita de condutor alcoolizado. O número é 5% superior aos 593 apresentados em 2015.
Para o assessor de comunicação do Batalhão de Trânsito de Belo Horizonte, tenente Marco Antônio Said, as estatísticas podem ser vistas como um indício de que a Lei Seca está deixando de ser tão temida por uma parcela dos que pegam no volante após tomarem uma cervejinha na capital dos bares. Apesar de não ter dados referentes aos anos anteriores, ele lembra que a norma foi capaz de reduzir a quantidade de acidentes em um primeiro momento. A Sesp também não apresentou números mais antigos porque o sistema que reúne as estatísticas passou por mudanças.
“O brasileiro é assim: toma aquele choque inicial e começa a temer as regras. Depois que se acostuma, volta a cometer os mesmos erros aos poucos”, avalia o tenente. Ele reforça, entretanto, que as operações realizadas pela polícia para flagrar o excesso no consumo de bebidas permanecem na mesma intensidade.
Tecnologia
Na opinião de Said, o que mudou agora foi o maior acesso à informação por parte dos condutores. Com infinitos grupos em redes sociais voltados para divulgar locais onde ocorrem as blitze, a força das ações foi reduzida. “A gente monta uma operação. Dali a pouco todo mundo está sabendo. O problema disso é que não só motoristas alcoolizados deixam de passar por lá, como também pessoas armadas, com carros roubados etc”.
Responsável pelo patrulhamento do Anel Rodoviário, tenente Geraldo Donizete, do Batalhão de Polícia Militar Rodoviária, explica que, mesmo assim, os policiais têm metas a bater quanto aos bafômetros. “O número de testes realizados aumentou. Todas as equipes têm aparelhos e utilizam de forma conjunta com outras operações”, diz.
O policial lembra que não apenas o sopro no etilômetro serve como prova contra os motoristas alcoolizados. Aqueles que se recusarem a realizar o exame podem ser incriminados por apresentar características comuns à embriaguez.
Especialistas defendem legislação com ‘tolerância zero’
Um copo de cerveja pode ser o suficiente para causar uma tragédia no trânsito. É o que afirmam os especialistas, baseados na [/TEXTO]perda dos reflexos causados pela embriaguez.
“Não há margem segura em se tratando de direção e bebida alcoólica. Cada organismo reage de uma forma. A lei precisa ser do tipo tolerância zero”, defende um dos fundadores da Associação Mineira de Medicina de Tráfego, Fábio Nascimento.
Segundo ele, o tempo necessário para a eliminação completa do álcool do organismo vai de quatro a oito horas. Até lá, o motorista pode apresentar sintomas preocupantes, como perda da noção de risco e das condições de reação em caso de necessidade. Ações simples, como a frenagem, tendem a ser mais demoradas do que o necessário, causando acidentes e até perdas irreparáveis.
Jussara Souza de Oliveira sabe muito bem o que isso significa. Em 2009, o marido dela, o policial militar rodoviário Denilson Geraldo de Oliveira, de 40 anos, morreu ao ser atropelado por um carro conduzido por um jovem alcoolizado. “Meu esposo saiu para trabalhar e até hoje não voltou”.
O motorista era o então estudante de direito Felipe Lunarte, na época com 24 anos. O rapaz bateu em quatro carros e atingiu o soldado enquanto ele trabalhava na via. No fim do mês passado, o jovem foi condenado a pouco mais de dez anos de prisão em regime fechado.
“Achei justo ele pagar pelo o que fez. Acabou com uma família. Tínhamos planos de ter filhos e ficarmos bem velhinhos juntos, mas tudo acabou. Hoje vivo à base de remédios antidepressivos”, lamenta Jussara.
Outras drogas
Os acidentes de trânsito causados por embriaguez são representativos. Porém, a situação poderia ser bem pior se fossem levados em consideração os casos envolvendo condutores sob efeito de outras drogas, avalia Fábio Nascimento.
Nesse sentido, a única regra existente hoje é o teste feito por motoristas profissionais quando vão renovar a carteira de habilitação. Implementada em 2016, a norma é considerada ineficaz. “O exame detecta o uso de drogas nos últimos 90 dias. Basta o condutor não usar durante esse período, e pronto. O exame deveria ser feito em todos os motoristas envolvidos em acidentes”, afirma.
Estudo recente da Confederação Nacional do Transporte (CNT) aponta que 12% dos motoristas profissionais entrevistados já experimentaram algum tipo de entorpecente, como anfetaminas, cocaína e maconha. Editoria de Arte