(Thaís Mota)
Aos 41 anos, Charles Marcos Gomes deixou as ruas de Belo Horizonte para se dedicar ao filho e a uma paixão: a corrida. Ele viveu desde os 21 anos na rua e, apesar de todas as dificuldades enfrentadas, nunca perdeu as esperanças de se tornar um atleta e já ostenta mais de 40 medalhas. Hoje, mora em um barraco alugado no bairro Floresta, região Leste da capital, e treina diariamente na pista da avenida dos Andradas, na mesma região. Charles conta que tudo começou quando era office boy na Secretaria Municipal Esportes e participou da Olimpíada dos Servidores, pouco depois de deixar a Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor (Febem), onde viveu dos 14 aos 21 anos. Desde então, mesmo morando na rua, o atleta amador nunca deixou de correr e participa de corridas profissionais quando recebe ajuda para se inscrever nos eventos. "Já participei da Maratona de São Paulo e da São Silvestre, já fiz a Meia Maratona do Rio, e já corri em Vitória, Poços de Caldas e Divinópolis. Também já ganhei vários prêmios". No entanto, Charles nunca teve um patrocinador e enfrenta dificuldades para conciliar o sonho de viver de corrida com a necessidade de trabalhar e cuidar do filho. Atualmente, ele faz faxina em dois condomínios, além de alguns serviços como ajudante de pedreiro e jardineiro. Tabém recebe ajuda de alguns moradores do Floresta que doam cesta básica, café da manhã, leite, achocolatado em pó e roupas para pai e filho. Já o almoço é no Restaurante Popular e dividido com o filho. Mas, mesmo com a rotina apertada, Charles não deixa de treinar. "Os treinos variam com o dia da semana. Na terça,eu faço seis tiros de mil metros, na quarta eu faço rodagem de 20 quilômetros e no sábado eu corro 25. Eu já cheguei a fazer 200 quilômetros em uma semana, mas não calculo muito", conta. Ele afirma que, por ter boa resistência, prefere correr maratonas (42 quilômetros) e meia maratonas (21 quilômetros). No ano passado, Charles ficou em 6° lugar geral na Maratona da Linha Verde em BH com um tempo de 2h48. Antes dele, ou seja, do 1º ao 5º colocado, todos os atletas pertenciam a alguma equipe de corrida. "Eu já participei de equipes também e corri até pelo Cruzeiro, mas fiquei muito tempo parado e só agora estou voltando. Antigamente, eu cheguei a ganhar dinheiro correndo", lembra. Além da falta de tempo e patrocínio, Charles também tem outra dificuldade: equipamento. Ele conta que hoje só tem um tênis e algumas roupas compradas em bazar. Mas, ao ser questionado sobre o que mais precisa, ele responde: "eu queria muito correr porque o que mais gosto na vida é correr. Então, teve a corrida de São Silvestre e eu queria muito ter participado, mas não tinha condições. Hoje, as corridas viraram um comércio de academias e patrocinadores. Então, eu não consigo mais participar porque quase não há mais inscrições por menos de R$ 100". Vida nas ruas Conhecido como "Ferinha", Charles Marcos viveu mais de 20 anos nas ruas de Belo Horizonte. Órfão de mãe aos 9 anos e sem nunca ter conhecido o pai, ele morou por um tempo na casa de um tio e, por um mal entendido, acabou recolhido pela antiga Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor (Febem), de onde saiu diretamente para as ruas. Ele também chegou a morar em uma igreja evangélica onde trabalhava como zelador, mas pouco depois o templo fechou. Mas, mesmo com todas as dificuldades da vida nas ruas, Charles não se queixa e garante que nunca se envolveu com drogas e jamais praticou um roubo. "Eu sempre trabalhei e conseguia comprar comida com o meu trabalho. Por mais de dez anos, eu fiquei puxando carrinho e trabalhando com reciclagem. Vendia papelão e latinha para esses depósitos do Centro", conta. Também nas ruas, Charles Marcos conheceu sua ex-namorada, com quem teve dois filhos. "Na verdade, eu tenho dois filhos. Mas, um deles, hoje com 14 anos, foi adotado com seis meses quando uma família evangélica pegou a criança para dar um banho e acabou ficando com ele porque nós não tínhamos condições de criá-lo. Aí eu fui visitá-lo algumas vezes, mas um dia a dona da casa disse que eu poderia ir vê-lo sempre que quisesse, mas não poderia levar nada pra ele. Aí, eu como pai, achei aquilo tudo muito estranho porque eu não poderia levar nem uma bala para o meu filho e não voltei mais". Já o segundo filho, com seis anos de idade, vive atualmente com Charles. A criança passou um tempo com a mãe no Barreiro, mas agora está há cinco meses com o pai e estuda em uma escola estadual no bairro Floresta. "Foi por causa dele que arrumei esse barracão, porque senão o Conselho Tutelar podia me tomá-lo. E, com as faxinas que faço nos prédios, eu estou pagando o aluguel de R$ 320 todo mês".