A violência sexual contra a mulher passa pela educação, afirma a delegada Luciana Libório, da Delegacia de Defesa da Mulher de Belo Horizonte. Nesta entrevista, ela fala como as vítimas de estupro se sentem, o que as levam a não denunciar o crime. E reforça que o tema deve ser discutido.
O medo de denunciar ainda é empecilho para punição? Para as vítimas, qual é a orientação da Delegacia da Mulher?
A denúncia é fundamental porque esse crime fere a dignidade sexual. Estimamos que metade dos abusos não é relatado em ocorrências. Ou seja; sem a ocorrência não temos como agir. Muitas vezes é por medo da reação dos familiares que a mulher guarda o abuso dentro de si, por falta de informação. Por isso, o tema deve ser discutido. Sem a ocorrência, ficamos de mãos atadas.
As redes de atendimento a mulheres em situação de violência no Brasil garantem a segurança adequada? O que pode ser melhorado?
Após passar por esses procedimentos, a vítima vem para a Delegacia de Mulher onde o atendimento é especializado. Todas que trabalham aqui são mulheres. Isso auxilia no tratamento. Mas para que a Polícia Civil possa agir, a vítima precisa fazer o registro. É uma ação penal que visa proteger a vítima. Fazemos o inquérito e, quando o suspeito é preso em flagrante, lavramos o auto de prisão. Por se tratar de crime hediondo, temos isso como atendimento preferencial. Atualmente, aqui na delegacia, não temos psicóloga para acompanhar o depoimento da vítima, mas a chefe de Divisão já providenciou o pedido. Vamos fazer convênio com universidade. Não posso dar mais detalhes porque é um convênio do Estado.
Na visão da Polícia Civil, a cultura de estupro no Brasil está sendo combatida de maneira correta?
É tudo uma questão de educação. Vamos falar da base: tudo começa simples, com piadas e brincadeiras. Nossa educação machista. Em Minas temos uma fama da “tradicional família mineira”, nossos padrões são patriarcais. As mulheres precisam sair de foco do objeto. Temos visões machistas. Temos que começar com educação e com o tempo vamos definir mudanças. Quando discutido, o assunto é trazido à tona. No caso da menina no Rio de Janeiro, vemos pessoas nas redes sociais apoiando os estupradores. É algo absurdo, tem a ver com a formação do ser humano que está se manifestando. Temos que mudar essa cultura de machismo com educação na base.
No caso específico do estupro coletivo da adolescente carioca, ao mesmo tempo que os aparatos tecnológicos de troca de imagens e vídeos disseminaram a ação dos criminosos, as redes sociais repudiaram o crime. Qual é a importância de uma reposta firme por parte do "mundo digital" e de que forma a discussão pode ser levada para o dia a dia?
A discussão é positiva na medida em que traz à tona a discussão do tema. Enquanto a sociedade for omissa a um problema que existe, o tema não será discutido nem repensado. Quando trazemos em foco essa cultura machista, há a oportunidade de um atendimento mais especializado na Polícia Civil, para todos perceberem que é um fato de segurança pública.
E os números de estupros em Minas Gerais?
Nosso sentimento é que esse número não existisse. O que eu posso dizer é que em Belo Horizonte, nossa área de atuação, tomamos prontamente todas as providências. Em relação às mulheres com menos de 18 anos, o atendimento é feito na Divisão Especializada à Criança, que também é ágil. O importante é a denúncia.