Devastados por tragédia, desabrigados sonham com novo vilarejo

Aline Louise - Hoje em Dia
12/11/2015 às 19:50.
Atualizado em 17/11/2021 às 02:27
 (Reprodução)

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MARIANA - Uma semana após a tragédia que deixou sob lama o distrito de Bento Rodrigues, a comunidade começa a trocar o olhar de desolo pelo de esperança. Muitos já sonham com a construção de uma nova vila, que preserve, sobretudo, a convivência e a proximidade entre aquela vizinhança, unida ainda mais pela dor.

"Espero ter a vida feliz que a gente tinha lá. Imagino um vilarejo com todo mundo reunido, os amigos. Somos uma família e ficamos mais próximos depois de tudo, queremos ficar juntos", deseja a dona de casa Eliane Salgado, de 27 anos.

No momento que as barragens da Samarco se romperam ela estava chegando em casa de ônibus. Desceu correndo só para pegar os dois filhos, avisar os parentes e voltou para o veículo, que conseguiu chegar à região mais alta do distrito. "Fomos para o meio do mato, dormimos lá, até resgatarem a gente", lembra.

O desespero e o medo da morte foi tanto que o novo lugar para viverem deve obedecer a uma exigência: "jamais perto de uma barragem", enfatiza.

A dona de casa Eliane Aparecida Euzebio Mendes, que também teve sua residência, história e animais de estimação soterrados pela lama, tem o mesmo desejo. "Queremos ficar juntos, em outro lugar. Todos se conheciam, somos uma família".

"Esperamos que a Samarco reconstrua a comunidade", reforça o operador de máquinas Antônio Martins Quintão, funcionário licenciado da Vale. Para ele, prova maior da união de todos, é que nessa história não há um só herói. "Todo mundo se ajudou naquele momento difícil, todos foram heróis", diz.

A maior tristeza do senhor Quintão é pelos animais mortos no tsunami de lama. "Eu tinha 80 canários belga, 10 casais de pombos, 70 galinhas garnisé miniaturas e tantos outros pássaros, não pude salvar nenhum", lamenta.

As economias de anos, guardadas debaixo do colchão da cama, também se perderam. "Eu tinha R$ 50 mil que economizei, mas isso é o de menos né", diz, com a lucidez de quem sabe que o maior bem é a vida, sua e dos parentes que se salvaram.

De volta a Bento

Enquanto alguns não suportam a ideia de voltar a viver próximo de uma barragem, outros sonham com o retorno a Bento Rodrigues. "Foi lá que eu nasci, fui criado e é lá que quero ser enterrado", diz, categórico, o pedreiro Evandro dos Santos Martins. Ao lado da esposa Lorestefane Ferreira e da filha Melissa, de apenas um aninho, ele faz planos de retornar para a terra onde estão fincadas suas raízes.

A companheira, entretanto, tem receio de viver lá novamente. "Seria um sonho ter aquela tranquilidade, os vizinhos por perto, mas tenho medo de voltar pra Bento", diz.


Aliás, a paz do vilarejo histórico é um dos aspectos que mais deixa saudades nos ex-moradores. "A gente saia de casa, deixava a porta aberta, e ninguém roubava", recorda a dona de casa Amanda Aparecida do Carmo.

Com a pequena Dafny no colo, de um ano, ela sonha em deixar o hotel e ter a comunidade reconstruída. "No hotel parece que estamos numa prisão, não tem liberdade. Se vamos pra rua, não posso descansar da criança, se não ela corre o risco de ser atropelada. Lá não tinha nada disso", conta.

São essas pequenas lembranças do cotidiano da pacata comunidade que fazem as lágrimas correrem nos olhos da servente Elizângela Aparecida Messias, grávida de 8 meses de Heitor. "Já tinha montado todo o quartinho dele, não sobrou nada. Foi lá que sonhei criar o meu filho. Sinto falta de tudo, do contato que tinha na igreja, do coral que eu cantava há mais de dez anos".

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