(Pedro Gontijo)
Realizar intervenções que sejam capazes de mudar o prognóstico de um bebê ao nascer e prevenir doenças na infância são alguns dos propósitos de um grupo multidisciplinar da UFMG. Os pesquisadores desenvolveram um dispositivo que avalia, de forma rápida e nas primeiras 24 horas de vida, a prematuridade ou não de um recém-nascido com maior precisão que os métodos utilizados atualmente.
O nascimento entre 28 e 37 semanas (período em que o bebê é considerado prematuro) é a principal causa de morte no primeiro ano de vida no país, conforme a pesquisa Nascer no Brasil, concluída pela Sociedade Brasileira de Pediatria em 2014.
Muitas vezes, é um desafio identificar a prematuridade, afirma Zilma Reis, professora do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina da UFMG e coordenadora do projeto Skin Age.
“Trabalho em uma equipe que atua com gravidez de alto risco e bebês prematuros há mais de 20 anos. No nosso dia a dia, quando não há informação confiável de referência, como acompanhamento por pré-natal e ultrassom, é difícil precisar a idade gestacional”, explica a obstetra.
Funcionamento
Desde a concepção do Skin Age Light Scan, o grupo tinha duas prioridades: segurança máxima e custo mínimo. “Queríamos uma solução que fosse a mais democrática possível, pensando nas dificuldades de países africanos, do próprio Brasil, em locais com poucos recursos, e fazer de uma maneira que a leitura fosse automática”, revela Zilma Reis.
O dispositivo, em formato de caneta e com sensor de luzes LED de cores diferentes na ponta, é colocado em contato com a pele do recém-nascido.
Por meio da interação da luz com a pele, é realizada uma leitura dos efeitos de absorção, reflexão e espalhamento da luminosidade. Esses dados são processados por um algoritmo matemático que irá mostrar, imediatamente, a estimativa de quantas semanas aquele bebê passou na barriga da mãe.
“Um prematuro tem a pele mais fininha, absorvendo muita luz e voltando pouco para o sensor. A pele mais madura vai absorver menos, porque já tem até uma camada de gordurinha, e vai refletir muito”, esclarece a médica.
Do ponto de vista da radiação, a luz LED interage com o tecido da mesma forma que uma lâmpada acesa. E o uso dela, garante Zilma Reis, também contribui para a redução do custo.
A nova tecnologia, fabricada hoje em laboratório da UFMG, deve chegar ao mercado com valor aproximado de um oxímetro – aparelho que mede a oxigenação pelo dedo da mão do paciente quando em salas de cirurgia ou internação.
Patentes
A nova tecnologia foi aplicada em 120 bebês nascidos nas maternidades dos hospitais das Clínicas e Sofia Feldman, na capital, tendo a eficiência aprovada.
A partir do sucesso dos testes, foi solicitada, em 2016, a patente nacional tanto do dispositivo quanto do algoritmo. Já no início deste mês, depois de mais um ano complementando exames em bebês e fazendo melhorias no dispositivo, o grupo fez o depósito internacional da patente, que é válido em cerca de 180 países.
Finalizada a primeira etapa, o passo seguinte já foi dado e está para começar. No ano que vem e em 2019, o aparelho será testado em hospitais de todo o país, com apoio do Ministério da Saúde, para que seja validado por outros profissionais e aplicado no dia a dia das unidades de saúde brasileiras.
Projeto tornou-se possível por incentivo internacional
O projeto vem sendo desenvolvido há cerca de três anos. O Skin Age Light Scan foi pensado para ser utilizado no mundo inteiro, com vários cenários de partos (em casa, em hospitais simples e naqueles de alta tecnologia) e em diferentes tonalidades de pele.
Em 2014, a coordenadora do projeto, Zilma Reis, estava frente a frente com um desafio proposto pela Fundação Bill & Melinda Gates (organização sem fins lucrativos criada pelo fundador e ex-presidente da Microsoft e a esposa dele). A missão era identificar a idade gestacional por uma técnica diferente do ultrassom, mais acessível e que tivesse uma acurácia melhor.
No entanto, o desafio havia sido proposto em um processo seletivo aberto para pesquisadores de todo o mundo. “Eu, obstetra, e um físico, escrevemos essa ideia, que tinha um princípio que a embasava, mas não havia sido tentada. Analisar a pele através da luz e com isso mapear as diferenças e as alterações”, conta a professora.
A fundação internacional acreditou na ideia dos pesquisadores da UFMG e premiou o projeto com 100 mil dólares.
Como, por força de contrato, quando a entidade financia um projeto o país de origem precisa entrar com uma contrapartida, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig) complementou com 50 mil dólares a etapa de desenvolvimento.
“Eu me sinto privilegiada e essa equipe também de estar tendo essa oportunidade. Acredito que muitas boas ideias morrem antes de iniciar porque não têm recursos e a gente realmente conseguiu desenvolver. A pesquisa no Brasil está em um momento crítico, se fôssemos esperar por recursos nacionais estaríamos só na ideia até hoje”, expõe Zilma Reis.
Para além
A pesquisa, que já será expandida para todo o país em um chamado ensaio clínico, também poderá estar em teste na África.
Em agosto, o grupo submeteu uma proposta para uma pesquisa internacional envolvendo aquele continente. A intenção é entender se o dispositivo terá a mesma precisão quando exposto às tonalidades de pele africanas.