(Lucas Prates)
O jornalista Philippe Abouid deixou de frequentar a Igreja Católica aos 17 anos, quando se descobriu gay. Frustrado por ver que a própria orientação sexual era condenada pela religião, chegou a se tornar kardecista e permaneceu mais de uma década afastado. Tudo mudou quando ele conheceu a Pastoral da Diversidade Sexual da Arquidiocese de Belo Horizonte e decidiu dar uma segunda chance à própria fé.
O movimento, que completa um ano de existência em agosto e conta com cerca de 30 membros, é a primeira iniciativa da Igreja Católica na capital direcionada ao público LGBT.
Nas reuniões quinzenais realizadas no Santuário Arquidiocesano de São Judas Tadeu, região Nordeste da cidade, gays, lésbicas, bissexuais e transexuais debatem temas relativos ao acolhimento e ao respeito, além de rezarem e cantarem músicas cristãs.
No rosto dos participantes, o semblante é de alívio. Não há no discurso dos coordenadores da pastoral a proposta de “curar” nenhum dos presentes. Pelo contrário, a palavra de ordem é a aceitação. “Sentimos que Deus nos ama como somos”, sentencia o padre Áureo Nogueira, dando início ao encontro.
Abertura
A mudança de postura da Igreja Católica, que historicamente tratou a homossexualidade como uma orientação condenada por Deus, é reflexo direto do posicionamento do papa Francisco, líder mundial que tem se destacado pelas opiniões progressistas desde que iniciou o pontificado, em 2013.
Quem afirma é o padre Marcus Mareano, fundador da Pastoral da Diversidade Sexual em BH e porta-voz do grupo. Para ele, com o exemplo de Francisco está sendo possível propor uma vivência religiosa menos rígida, marcada por mais amor do que cobrança.
A demora para que o público LGBT fosse abraçado pela instituição, avalia Mareano, é fruto de um profundo receio social. “E a igreja é parte da sociedade e também leva tempo para desvincular isso da promiscuidade. Cada vez fica mais claro, com os estudos, que a homossexualidade não é uma patologia”.
Lucas Prates Para Douglas Pedroso, a criação da Pastoral da Diversidade Sexual mostra que a igreja católica mudou
Para Lucas Pedroso, a criação da Pastoral da Diversidade Sexual mostra que a Igreja Católica mudou
Frequentadora da pastoral desde que o movimento começou, a professora Isabella Elian afirma que, com os encontros, conseguiu renovar a esperança “de que a igreja é para todo mundo”.
Apesar de satisfeita, a professora admite que a rejeição dentro da própria comunidade ainda existe. “Há falas preconceituosas, mas que são insignificantes perto do quanto o grupo é forte”, opina.
Utopia
Apesar do acolhimento à comunidade LGBT ter demonstrado que o catolicismo pode estar, enfim, se modernizando, a realização de casamentos homoafetivos dentro da instituição ainda é um sonho distante.
A coordenadora da Pastoral da Diversidade Sexual, Camila Santos, afirma que, no momento, não há qualquer perspectiva para que essa prática seja incorporada à liturgia católica.
“A igreja sempre está 200 passos atrás da sociedade. Tem gente que ainda não aceita o Concílio do Vaticano II (conferência feita na década de 1960, que modificou regras rígidas e desobrigou mulheres a usarem véu durante a missa)”, explica.
O crescimento da pastoral, no entanto, é evidente para a coordenadora. “São pessoas profundamente engajadas, que se dispõem a dar uma segunda chance e acabam ficando”, finaliza Camila.
A Arquidiocese de Belo Horizonte foi procurada pela reportagem, mas não se manifestou até o fechamento desta edição. Lucas Prates
A Pastoral da Diversidade Sexual é a primeira ação da Arquidiocese de Belo Horizonte voltada para o público LGBT
Surpreso
O gestor de compras Douglas Pedroso, de 36 anos, também viveu um período distante da fé que professava. O motivo foi o mesmo da maioria dos homossexuais: ele precisou, durante anos, esconder da comunidade o fato de ser gay.
Durante um momento de confissão, Douglas ficou sabendo da proposta da Pastoral da Diversidade Sexual que, àquela época, começava a realizar as primeiras reuniões.
A primeira reação, relata o gestor, foi duvidar de que a iniciativa pudesse ser algo realmente diferente. Apesar do receio, ele resolveu ir a uma das reuniões e acabou se surpreendendo.
“Fiquei três anos sem sequer pisar na igreja. Quando voltei, vi que algo, de fato, tinha mudado. Poder viver sem medo é libertador”, avalia.
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