(Lucas Prates/Hoje em Dia)
A maior tragédia ambiental do Brasil - que completa dois anos neste domingo (5) deixou, no rastro do mar de lama que se espalhou por 650 quilômetros entre Minas Gerais e Espírito Santo, 19 mortos, a localidade de Bento Rodrigues (em Mariana) submersa, as de Paracatu de Baixo (também em Mariana) e Gesteira (em Barra Longa) destruídas e perdas imateriais que continuam doendo em seus moradores. Desde então, as festas religiosas, as partidas de futebol descomprometidas, o bate-papo com os vizinhos e o trabalho na roça se esvaíram.
As cerca de 300 famílias desalojadas pela lama que se alastrou com o rompimento da barragem do Fundão, da mineradora Samarco, vivem agora na área urbana da Mariana, apartadas umas das outras, e enfrentam a hostilidade de muitos moradores da cidade (que ganharam novos vizinhos de uma hora para outra) e seus próprios demônios. A cena mais marcante é o distrito de Bento Rodrigues: uma localidade fantasma, com escombros e lama. Dos 19 mortos, 14 eram trabalhadores e 5, moradores locais.
Apesar do risco de desmoronamento, ex-moradores voltam periodicamente ao local. "Eu venho quando quero e ninguém me impede. Eles (Defesa Civil) sabem que, se eu achar algo que era meu, vou pegar", conta a agricultora Marinalva dos Santos Salgado, de 45 anos, que teve a casa soterrada e continua à procura de uma agenda que o marido deixou. "Ele viajava muito a trabalho. Estava doente, mas não me contava pelo telefone, só escrevia. Ele me deu a agenda e morreu três dias depois."
Em Mariana, as vítimas da tragédia foram morar em bairros diversos. Quem antes dividia o loteamento ou o muro de casa com conhecidos precisa se adaptar à nova vizinhança e cruzar a cidade caso queira encontrar os amigos. Perderam laços e relações diárias.
Paula Geralda Alves, de 36 anos, morava com pais, irmã e o filho João Pedro ao lado de outros parentes. Era amiga dos vizinhos, com quem dividia até a tarefa de buscar os pequenos na escola. “Alguns amigos, agora, só por telefone. Todo dia é de saudade”.
O rompimento da barragem do Fundão em 5 de novembro de 2015 atingiu muito mais gente que os mortos e suas famílias: um total de 500 mil pessoas. Estima-se que, com o rompimento da barragem, 39,2 milhões de m³ de rejeitos de minério tenham percorrido os Rios Gualaxo do Norte, Carmo e Doce até desembocar no Oceano Atlântico. O tsunami de lama afetou diversas comunidades ribeirinhas mineiras e capixabas pelo caminho. Contaminou a água, tirou o trabalho de pescadores que dependiam dos rios para sobreviver, matou animais e plantas.
Confira o vídeo:
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Indenizações
Cerca de 70% dos pagamento de indenizações a pescadores estão em negociação. A Fundação entregou cerca de 8 mil cartões de auxílio financeiro, que é pago mensalmente, a cerca de 20 mil pessoas. Dos R$ 11,1 bilhões previstos até 2030 no orçamento da Fundação, R$ 2,5 bilhões foram gastos.
Com atividades paralisadas, a empresa tenta provar às autoridades que é capaz de atuar em segurança. Hoje, sobrevive de aportes de suas controladoras, que já destinaram à empresa US$ 430 milhões (cerca de R$ 1,41 bilhão). Antes da tragédia, a Samarco empregava cerca de 6 mil funcionários. Hoje, são 1,8 mil, sendo que 800 estão com o contrato suspenso. Flávio Tavares/Hoje em DiasA cena mais marcante é o distrito de Bento Rodrigues: uma localidade fantama, com escombros e lama
Reconstrução
Após o rompimento da barragem, um Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC) assinado entre a Samarco e suas controladoras, Vale e BHP, com a União e diversas autarquias federais e estaduais, criou a Fundação Renova, responsável pela reparação dos danos decorrentes. As ações passaram a ser definidas pelo Comitê Interfederativo, que reúne também órgãos como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), a Agência Nacional de Água (ANA) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), do governo federal.
Ainda não há laudos definitivos sobre todos os impactos, e os órgãos monitoram a área afetada para verificar se os peixes estão ou não aptos para o consumo humano e como a quantidade de espécies foi impactada. Os estudos, de acordo com a Renova, devem ser finalizados até o início do ano que vem e compartilhados com os órgãos ambientais.
A Renova cercou 511 nascentes na Bacia do Rio Doce e promete recuperar em dez anos, conforme prazo fixado pelo TTAC, 5 mil nascentes. Ainda há o debate sobre o que será feito com os rejeitos. Na barragem, esse material tinha areia e argila. Depois do rompimento, isso se juntou a solo, sedimento, árvores e o que mais estava no fundo do rio - o que dificulta a destinação dessa mistura.
Nesta segunda-feira (6), está prevista uma audiência pública na Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) para debater as ações adotadas pela mineradora Samarco.
A reunião foi solicitada pelos deputados Rogério Correia (PT); Cristiano Silveira (PT), presidente da comissão; Celinho do Sinttrocel (PCdoB); e Geraldo Pimenta (PCdoB).
Foram convidados para participar da reunião representantes da população atingida e do Movimento dos Atingidos por Barragens, dos Ministérios Públicos Estadual e Federal e do Poder Judiciário.
A expectativa é a de que os imóveis e os equipamentos públicos de Bento Rodrigues, Paracatu de Baixo e Gesteira (em Barra Longa) sejam entregues no primeiro semestre de 2019. Segundo o gerente-executivo dos Programas Socio-econômicos da Fundação Renova, Marcus Fuchs, o trabalho será “intensificado para manter o cronograma previsto”. A previsão de recuperação total dos estragos ambientais é 2032.
* Com Estadão Conteúdo
Confira como estão os locais atingidos:
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