Se a realidade da saúde pública em Belo Horizonte é dura para quem precisa utilizar o serviço, o cenário não é diferente para quem trabalha prestando atendimento à população. Além do aumento da demanda nos últimos anos, os funcionários são obrigados a enfrentar diariamente a estrutura física precária, falta de insumos, medicamentos e até de profissionais.
Em situações mais críticas, servidores têm realizado ‘vaquinhas’ para suprir a escassez de fraldas geriátricas. Há casos até de funcionários ameaçados de morte por pacientes.
Na Centro de Saúde Cafezal, na região Centro-Sul da cidade, o relato de enfermeiros e médicos é uma mistura de insatisfação e medo. No local, o forro de uma das salas está, literalmente, caindo aos pedaços. Os funcionários afirmam que o problema piora nos dias de chuva, quando a água escorre para dentro da unidade molhando móveis e documentos. Usuários ficam em risco, uma vez que a escada molhada torna-se escorregadia. Flávio TavaresIMPROVISO – Sala de emergência no Cafezal está em um corredor cercada apenas por um armário
Outro problema é a ausência de uma sala de emergência, que atualmente é improvisada em um corredor onde está uma maca cercada apenas por um armário de metal. No posto não tem acessibilidade, obrigando cadeirantes a serem encaminhados para atendimento em outros bairros.
Não bastassem os problemas de estrutura, os servidores que trabalham no Cafezal também ficam cara a cara com a violência cotidiana. “No ano passado, uma ginecologista foi ameaçada de morte por um morador do bairro. Ele exigia dela encaminhamento para que a esposa se aposentasse. Como ele não foi atendido, postou fotos em uma rede social mostrando armas e ameaçando a doutora”, relata uma profissional que não quis se identificar.
Em janeiro, o prefeito Alexandre Kalil visitou o local. Na ocasião, o secretário de Saúde, Jackson Pinto, garantiu reforma do imóvel e a expansão do posto para um terreno vizinho “em um prazo muito curto”.
Até o momento, porém, a única ação feita pela prefeitura foi designar guardas municipais para a proteção diária da unidade.
Medicamentos
A falta de medicamentos de uso contínuo também é um dilema enfrentado pelos enfermeiros que atuam no Cafezal. Segundo eles, remédios usados para o tratamento de crises de asma, como a hidrocortisona e o salbutamol spray, não têm sido entregues na unidade. “Com a chegada das frentes frias, a procura por eles aumenta e o convívio com a comunidade fica ainda mais delicado”, conta uma funcionária, que também pediu anonimato.
A Secretaria Municipal de Saúde informou que o processo de compras da hidrocortisona realizado em 2016 foi fracassado. Um novo processo está em andamento. Sobre o salbutamol spray, a pasta informou que “a entrega está atrasada e já estão sendo tomadas as medidas administrativas cabíveis ao fornecedor do medicamento”.Flávio Tavares UPA Norte, no bairro Primeiro de Maio, usuários enfrentam escassez de roupa de cama nos leitos e medicamentos
Fraldas geriátricas compradas com ‘vaquinhas’ de funcionários
A carência de infraestrutura também é marcante na UPA Norte, localizada no bairro Primeiro de Maio. No local, que recebe cerca de 250 pacientes todos os dias, funcionários alegam que as ‘vaquinhas’ têm sido a saída para a aquisição de fraldas geriátricas, destinadas principalmente ao atendimento da população idosa. Segundo a Secretaria Municipal de Saúde, o processo de compra desses itens já foi realizado e o abastecimento dos estoques das unidades já está sendo regularizado.
Outro reclamação comum é sobre a inexistência de roupas de cama para a utilização nos leitos. “Lençol é uma coisa que nem adianta pedir porque não tem mesmo. E isso já vem acontecendo há algum tempo”, afirma uma funcionária que não quis ser identificada.
A falta de medicamentos também é um problema enfrentado pela unidade. “Estamos sem a heparina subcutânea, usada para combater a trombose. Além disso, não temos hidrocortisona”, revela outro profissional.
Representante do Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Belo Horizonte (Sindibel), Cleide Donária de Oliveira frisa que o problema no serviço de saúde oferecido pelo município é evidente e extremo. “Temos unidades que possuem até elevador e outras que não há sequer uma rampa para cadeirantes”.
Ela afirma que outro problema urgente em Belo Horizonte é a precariedade do serviço odontológico. “Hoje, não há manutenção nas cadeiras dos consultórios odontológicos. Faltam peças de reposição e insumos. Em alguns locais, o único procedimento que pode ser feito é a extração de dentes. Nada mais”, diz Cleide.
A prefeitura informou que “a manutenção dos equipamentos de odontologia é realizada por corpo técnico e, no mês passado, foi feita ampliação da equipe com a contratação de novo profissional de forma a garantir maior agilidade ao atendimento da odontologia”.
Série especial
O Hoje em Dia mostrou, desde a última segunda-feira, os principais gargalos da saúde pública em Belo Horizonte. A reportagem visitou diversas Unidades de Pronto-Atendimento (UPAs) e centros de saúde do município, apurando a situação difícil vivida por usuários do Sistema Único de Saúde (SUS) no município.
De 2015 para 2016, mais de 172 mil mineiros foram obrigados a abrir mão do assistência médica particular, segundo dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Só na capital, a debandada dos planos de saúde no mesmo período foi de quase 55 mil pessoas.
Outro problema mostrado foi a fila geral de espera para cirurgias eletivas em Belo Horizonte que, atualmente, é de 50.935 pessoas, segundo dados do Conselho Municipal de Saúde. No entanto, a cidade dispõe de apenas 6.106 leitos pelo SUS, segundo a prefeitura.