Em duas décadas, apenas dez reservas particulares foram criadas em BH

Ricardo Rodrigues - Hoje em Dia
06/04/2015 às 07:47.
Atualizado em 16/11/2021 às 23:31
 (Samuel Costa)

(Samuel Costa)

Após 22 anos em vigor, estão na berlinda as leis que incentivam a criação de unidades de conservação ambiental particular em Belo Horizonte. Mesmo com a oferta de isenção do pagamento de IPTU, só dez reservas foram instituídas nesse período, número equivalente a apenas 20 campos de futebol ou a 1,6% das áreas verdes públicas protegidas pelo município.

Situado em área de transição entre Cerrado e Mata Atlântica, com uma infinidade de nascentes sem proteção, o município instituiu a Reserva Particular Ecológica (RPE). Essa modalidade de área protegida foi regulamentada pelas leis municipais 6.314 e 6.491, de 1993, para estimular a preservação da vegetação nativa.

De acordo com a legislação, proprietários ficam dispensados de parte do pagamento de imposto no caso de áreas com características ambientais significativas – desde que sejam preservadas por 20 anos, no mínimo.

O cálculo da isenção é proporcional à área preservada: se o terreno tem 600 m² e preserva a metade, terá desconto de 50% no valor do IPTU. Cabe ao proprietário requerer à prefeitura a transformação da área, ou de parte dela, em RPE.

A Secretaria de Meio Ambiente (SMMA) argumenta que “não cabe mensurar qual seria a relação ideal entre o número de RPEs e o tamanho da cidade”, uma vez que a criação da reserva particular urbana é ato voluntário do proprietário do imóvel.

Em 22 anos, houve poucos pedidos de criação de RPEs, reconhece o órgão. “Todos os processos que entraram, vingaram”. A última RPE foi criada no Mangabeiras, em 2014. O índice de área verde por habitante na capital é de 18 m². As dez RPEs somam juntas 21 hectares (211.307 m²), área pouco maior que a do Parque Municipal (180 mil m²).

Pioneiro

A SMMA renovou o título de RPE ao Condomínio Veredas, na Pampulha. Iniciativa do médico Jairo Rômulo da Silva e de amigos apaixonados por futebol, a primeira reserva particular de BH, com 20 hectares, foi instituída por decreto de 1994. Em 2013, o grupo de pesquisa Geomorfologia e Recursos Hídricos, do Instituto de Geociências da UFMG, mapeou e classificou 24 nascentes no local.

Ex-diretora do Museu de Arte da Pampulha, Priscila Freire mantém o verde da chácara Santa Eulália, com 53 mil m², divisa dos bairros São Bernardo e São Tomé (Norte), onde vive desde os anos 60. “Não vou deixar jogar fora o trabalho que meu pai começou na década de 30. Tive muito problema com gente que põe fogo no mato, mas tenho a obrigação de preservar esse espaço para a cidade”.

Dono de chácara com potencial desconhece benefício

O texto da lei municipal é considerado ideal. Proteger qualquer porção de verde é importante, destaca o biólogo Francisco Mourão, da Associação Mineira de Defesa do Ambiente (Amda), que mantém brigada contra queimadas no vetor sul da capital. “Falta divulgação para estimular novas adesões. Ninguém tem informação sobre a lei”, critica.

Mourão alerta que outras áreas particulares deveriam ser protegidas, porque Belo Horizonte tem malha urbana adensada. Segundo ele, falta à prefeitura identificar as áreas importantes para preservação e desenvolver ações de convencimento. “Não é só baixar uma norma. O pessoal tem de ir a campo”.

Uma dessas áreas fica no bairro Santa Terezinha, a um quilômetro da orla da Pampulha. A chácara da família Borges, de 4,5 mil m², tem nascentes e árvores nativas, como jatobás e ipês.

Os donos contam que nunca foram procurados para tratar da proposta de criação da RPE. “A prefeitura cobra mais de R$ 5 mil de IPTU, mas a gente nem sabia da lei. Poderia vir um aviso no rodapé do boleto bancário”, sugere o administrador de empresas Júlio Jorge Borges.

Motivo

Secretário de Meio Ambiente à época da criação das leis, o diretor da Copasa João Bosco Senra aponta a ausência de divulgação ao baixo número de reservas particulares. “A maioria foi criada quando eu estava na secretaria”, aponta.

As RPEs da capital estão dispersas nos bairros São Bernardo e Jaqueline (Norte), Engenho Nogueira (Noroeste), Braúnas (Pampulha), Candelária e São João Batista (Venda Nova) e Mangabeiras (Centro-Sul). Oito RPEs (210 mil m²) estão em situação regular e duas (865 m²) passam por “reavaliação de suas condições de preservação”.

De acordo com a SMMA, em 2013, foi iniciado um amplo projeto de divulgação. Foi feito um mapeamento em fotos aéreas de Belo Horizonte dos pontos onde há resquícios de vegetação. No mesmo ano, iniciou-se um trabalho corpo a corpo, com abordagem aos proprietários de imóveis passíveis de serem transformados em RPEs.

A prefeitura não informou o valor das isenções concedidas em função das reservas particulares.

Legislativo

Na Câmara Municipal, tramitam sete propostas de iniciativa dos vereadores para beneficiar cidadãos conscientes de que preservar a natureza é o melhor investimento para a qualidade de vida nos centros urbanos.

O projeto de lei (PL) 7/13, do vereador Adriano Ventura (PT), prevê benefício tributário aos contribuintes que atuarem na preservação, proteção e recuperação do meio ambiente, por meio do Programa de Incentivo ao Desconto no IPTU.

Selo de sustentabilidade também tem pouca adesão

Mas a lei não precisa ser tão antiga para “cair no esquecimento” da população belo-horizontina. O selo BH Sustentável, criado em 2009, só “entrou em campo” mesmo nos preparativos da Copa do Mundo de 2014. Sem oferecer vantagens significativas aos investidores que terão de cumprir à risca os seus ditames, o programa também emperrou na capital.

O selo integra a Política Municipal de Enfrentamento às Mudanças Climáticas, que tem por meta reduzir 20% das emissões de gases de efeito estufa em Belo Horizonte até 2030. O BH Sustentável é concedido a empreendimentos que adotam medidas de sustentabilidade para o atendimento aos índices estabelecidos no Planejamento Estratégico Municipal.

Tímidos

O certificado é concedido a estabelecimentos que adotam sistemas sustentáveis de edificação, para diminuir o consumo de água e de energia e tratar resíduos sólidos na capital.
Desde a implantação efetiva do programa, em maio de 2012, foram emitidos 37 certificados, sendo 17 a escolas públicas infantis, seis a edifícios comerciais, seis a hotéis, três a edifícios residenciais, dois a restaurantes, um a estádio de futebol e um a aterro sanitário, além da frota da Gasmig, de acordo com o portal da PBH.

Se excluídas da lista as edificações públicas, como as unidades municipais de educação infantil, menos de 20 empreendimentos particulares aderiram ao programa de certificação nos últimos anos.

Um dos críticos da certificação é o presidente da Associação Brasileira de Engenharia de Sistemas Prediais, Breno Assis. “Quando se fala em sustentabilidade das edificações, o Selo BH é reconhecido como marketing para a prefeitura”, diz Oliveira. Segundo ele, apesar de haver condições técnicas, esse tipo de investimento é impeditivo para boa parte dos prédios, que são erguidos, em sua maioria, por pequenas construtoras.

Resultados

Mesmo com o baixo número, a prefeitura não soube informar qual foi a economia de água e energia, qual a quantidade de resíduos sólidos tratados nem qual foi a redução de gases de efeito estufa. “Estamos fazendo as vistorias de performance nos empreendimentos certificados para calcular a redução das emissões e avaliar os impactos dessa ação sobre as metas estabelecidas”, justificou, em nota.

De acordo com a prefeitura, a inclusão do selo para os empreendimentos da Copa do Mundo, conforme o Programa de Sustentabilidade da FIFA para o evento, serviu para alavancar a mobilização e as ações necessárias à implementação do programa, aprovado pelo Conselho Municipal de Meio Ambiente (Comam), por meio de deliberação normativa.
 

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