(Clarissa Carvalhaes)
MARIANA - Um vilarejo fantasma. É esta talvez a melhor definição para o que restou do distrito de Bento Rodrigues após a tragédia da última quinta-feira (5). A equipe de reportagem do Hoje em Dia teve acesso, com exclusividade, as poucas ruas que permaneceram intactas do local.
E o que se vê ali não é apenas o retrato do abandono, mas também o reflexo dos moradores que, no desespero e na correria, deixaram a maior parte das casas com as portas e janelas abertas.
Como não há energia elétrica, logo que anoitece as ruas ficam completamente escuras. Dezenas de cães não aceitam ser levados pelas equipes de resgate e permanecem na porta das casas como se tentassem, de alguma forma, guardar o que não foi destruído.
Na parte baixa do vilarejo, aonde os rejeitos destruíram por completo tudo o que havia pela frente, o cenário é ainda mais assustador: Aos poucos a lama começa a baixar e a forma das casas, escola, igreja e carros se assemelham a ruínas.
Para andar entre os encombros e a lama movediça os militares do Corpo de Bombeiros usam roupas de mergulho que facilitam um pouco a caminhada. As buscas, que têm início às 5 horas e só se encerram ao fim do dia, não se limitam as pessoas desaparecidas.
Elas também evolvem a procura de animais: bois, vacas, cães, gatos, patos e muitos outros. Especialmente para esses desaparecidos, os bombeiros contam com a ajuda de um grupo de voluntários treinados e pra lá de valentes.
Resgate
Desde que souberam do rompimento da barragem, um grupo de veterinários e integrantes de ONG's de resgate e salvamento de animais em áreas de risco tem retirado da lama diversos bichos que também foram soterrados.
No sábado, o Hoje em Dia acompanhou de perto o trabalho da equipe composta pelos médicos veterinários Carla Sássi, Gaby Liguori e Dreison Ferreira; a auxiliar de veterinária Mariana Araújo; e os integrantes da ONG da Associação Ouropretana de Proteção Animal (AOPA) Jussara Souza e o geógrafo Emerson Tompa.
O grupo realizou, em Bento Rodrigues, resgates de dezenas de cães, gatos, patos, bezerros, vacas, porcos e cavalos. Atuando desde a madrugada de sexta, eles já conseguiram salvar mais de 60 animais.
Sacrifício
Quando descobriram que uma égua e seu filhote estavam atolados lado a lado, moradores e militares do Corpo de Bombeiros tentaram, de todas as maneiras possíveis, retirar os animais do local.
Na sexta-feira, no final do dia e com a ajuda de mais de 20 homens, o potrinho foi resgatado. A mãe, no entanto, continuou presa no local.
No sábado, pela manhã, Carla foi acionada para ajudar no resgate e seguiu para o local com o grupo. Foram mais cinco horas seguidas de tentativa de desatolar a égua. Foram aplicados medicamentos para amenizar a dor, uma cobertura foi montada para proteger o animal do sol e até água e bananas foram dados a para ajudá-la a sair viva dali.
“Foi isso que fez com que a gente ficasse todas as horas com ela porque era nítida a força de vontade dela de viver. Só que começou a escurecer, a medicação acabou e foi necessário fazer a eutanásia. Como médica veterinária esta é uma das piores situações que a gente passa: fazer a eutanásia de um animal que quer viver. E ela queria muito. Aquele animal sabia que tinha um filhote e era por isso que ela lutava”.
Apesar da morte da égua, Dreison ressalta que cada minuto ali valeu a pena. “Nos lutamos e ela foi muito valente. A gente estava afundando o tempo inteiro, era impossível o acesso das máquinas e não tínhamos corda suficiente para amarrá-la do outro lado do lamaçal. O que podia ser feito para salvá-la foi realmente feito. E apesar de não ter sido possível tirá-la com vida, vários outros foram salvos e isso faz o nosso trabalho ser gratificante”.