(Wesley Rodrigues/Hoje em Dia)
Não é só uma questão biológica. A mulher é mais vulnerável ao HIV também sob os pontos de vista cultural e emocional. Numa sociedade machista, enfrenta dificuldade para exigir o uso de camisinha e muitas[/LEAD] vezes não consegue sequer propor isso porque depende financeiramente do companheiro. Quando se descobre infectada, enfrenta o baque da notícia e da traição de quem parecia confiável e saudável.
O quadro ajuda a explicar o porquê de a Aids avançar tanto na população feminina. No mundo, as mulheres já respondem pela metade dos casos, principalmente devido à situação na África. Aqui, a proporção de uma brasileira contaminada para cada 15 homens, em 1990, caiu para uma por 1,7 em 2012. Em Minas, 5 mil dos 15.482 diagnósticos positivos desde 2007 foram para esse gênero.
“Qualquer pessoa está sujeita à contaminação. Mas a maioria das mulheres, por serem heterossexuais e terem parceiro estável, não se veem nessa situação de risco”, diz Simone Tenure, infectologista da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e do Centro de Referência e Treinamento em DST do estado paulista.
Uma ilusão que pode custar a vida delas. A epidemia da Aids cresce no sexo feminino inclusive em faixas etárias mais avançadas, como dos 50 aos 55 anos.
Há outra desvantagem em relação aos homens: elas descobrem a soropositividade mais tarde, o que adia o início do tratamento e facilita a evolução da doença. Só 12 % das mulheres contaminadas buscaram o diagnóstico ativamente, ou seja, fizeram o teste para checar se tinham o HIV. A imensa maioria só soube a verdade após o companheiro receber o diagnóstico, depois de elas mesmas manifestarem os sintomas ou durante exames de pré-natal.
PÓS- DIAGNÓSTICO
Saber lidar com o fato de que carrega uma doença ainda sem cura é outro desafio. Presidente do grupo Vhiver, que há 22 anos batalha para acolher, apoiar e dar melhor qualidade de vida a portadores do HIV em Belo Horizonte, Valdecir Buzon, diz que muitas mulheres entram em depressão, são estigmatizadas e até perdem o emprego.
“Os efeitos colaterais dos remédios são piores no organismo feminino. Também é difícil demais para elas lidar com a questão estética”, explica. Devido à doença, há acúmulo de gordura em determinadas partes do corpo (lipodistrofia), causando aumento exagerado das mamas e afinamento de braços e pernas, dentre outras mudanças.
Grupo Vhiver prestes a acabar
Responsável por atender até cem pessoas/dia em BH, a ONG recebe R$ 8 mil da prefeitura, por mês, para manter as atividades gratuitas. Dentre elas, uma academia de ginástica, onde portadores do HIV se exercitam para minimizar o acúmulo de gordura no corpo, e apoio psicológico. A verba é pouca e inconstante, diz Valdecir Buzelin. “Os editais são publicados de 2 em 2 anos, às vezes de 3 em 3 ”. Como valem por 12 meses, a ONG passa até dois anos sem recursos do poder público. A PBH diz ter intenção de tornar os editais anuais e que o repasse segue parâmetros do Ministério da Saúde. A pasta não informou se haverá reajuste.
Salvador Alvarez fala dos avanços e desafios no combate à Aids
De doença desconhecida e causa inevitável de morte a mal crônico e tratável. Há 33 anos, a Aids desafia o mundo. Continua sem cura, mas impõe menos sofrimento desde a descoberta de que o diagnóstico precoce e terapias antirretrovirais podem prolongar, com qualidade, a vida dos portadores do HIV. Professor da Divisão de Doenças Infecciosas da Clínica Mayo, instituição norte-americana sem fins lucrativos que há 150 anos desenvolve pesquisas na área médica, Salvador Alvarez faz um balanço da epidemia e dos progressos da ciência no combate à Aids.
Como a classe médica enfrentou os primeiros casos da doença?
Em 5 de junho de 1981, três hospitais diferentes de Nova York e Los Angeles registraram vários casos de pneumonia causada por Pneumocystis. Era uma doença pouco conhecida, que se mostrou letal. Os pacientes eram homens jovens, homossexuais, sexualmente ativos e sem histórico de outras doenças, porém com uma imunodeficiência grave, sem explicação clara. Em 1983, foi identificado o vírus HIV como o causador da Aids.
Quais os piores números da epidemia?
O ponto mais alto de novos casos de infecção foi em 1997: 3,5 milhões de pessoas. Sete anos antes, em 1990, era 1,9 milhão. As mortes passaram de 250 mil no princípio dos anos 1990 para 2,25 milhões em 2005.
O que representou o surgimento da terapia antirretroviral?
A primeira terapia antirretroviral altamente ativa só surgiu em 1995. Desde então, a realidade em torno da doença mudou substancialmente. As mortes tiveram queda brusca em apenas três anos e os prognósticos se tornaram mais esperançosos.
Quais os principais progressos no tratamento do HIV?
Contamos com novas técnicas de biologia molecular, há uma maior compreensão da patogênese (mecanismo de ação) do vírus e temos acesso a novos medicamentos, aspecto no qual os avanços têm sido substanciais.
Quais as possibilidades de termos uma terapia para prevenir o contágio com o HIV?
A circuncisão masculina é uma boa forma de prevenção, pois reduz aproximadamente pela metade o risco de se contrair o HIV. Para evitar a transmissão do vírus da mãe para o feto, as terapias utilizadas oferecem resultados excelentes. Em 2010, um estudo avaliou a eficácia de um gel vaginal que, usado 12 horas antes e depois do ato sexual, reduziu as infecções em mulheres em 39% e em 54% naquelas que utilizaram mais frequentemente o produto. Esse gel constitui uma importante tecnologia contra o HIV, uma vez que, à diferença de outras ferramentas de prevenção, é controlado pela mulher.
Algo mais?
A ciência vem pesquisando possíveis formas de profilaxia química para prevenir a transmissão em homens que fazem sexo com homens. Em 2012, foi anunciada a aprovação da primeira droga para reduzir o risco de infecção pela via sexual. É uma forma de profilaxia para pessoas que não estão contaminadas. No caso de homens heterossexuais com mulheres da mesma condição, se estabeleceu que a profilaxia com terapia antirretroviral oral, antes da atividade sexual, reduz o risco de se adquirir o vírus.
Há novidades quanto aos testes para detecção do HIV?
É preciso levar em conta que o teste de Elisa, por ser de triagem (screening), pode produzir um falso positivo. Se o resultado for negativo, a pessoa não tem o vírus. Se for positivo, é necessário fazer um exame de confirmação, o Western blot ou inmunoblot. Uma das grandes novidades nesse campo foi o surgimento de um teste a partir de uma simples amostra de saliva e que pode ser feito em casa. Ele já é vendido livremente nas farmácias nos Estados Unidos. Como é feito com base na técnica do Elisa, é necessário fazer um exame de confirmação, caso o resultado seja positivo. Ainda assim, foi aceito por contribuir com a detecção precoce do HIV, a maior maneira de combater esse inimigo.