Explosões: moradores são reféns do medo e da necessidade

Alessandra Mendes - Hoje em Dia
16/07/2014 às 08:03.
Atualizado em 18/11/2021 às 03:24
 (Divulgação)

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SANTO ANTÔNIO DO MONTE – Explosões como a que ocorreu nessa terça-feira (15) em uma fábrica de fogos de artifício em Santo Antônio do Monte, no Centro-Oeste mineiro, matando quatro mulheres e deixando outra ferida, já não assustam mais a população do município. Os moradores já se acostumaram a conviver com o perigo e com a rotina de acidentes nas indústrias. Para a maioria, não há outra forma de garantir o ganha-pão.   Santo Antônio do Monte é considerado o segundo polo mundial de produção de fogos de artifício, atrás apenas da China. A economia gira em torno das fábricas e, na maioria das vezes, os moradores não têm opção a não ser trabalhar nos locais que aprendem a temer desde pequenos.   Mais de 70% da mão de obra é contratada na própria região, de acordo com dados do Sindicato da Indústria de Explosivos de Minas Gerais. Muitos trabalhadores das mais de 70 empresas legalizadas na cidade temem os riscos da profissão e confessam que, se pudessem escolher, mudariam de função. Alguns acabam tomando a decisão apenas após acidentes como o registrado na fábrica Fogos Globo, onde um galpão explodiu por volta das 7h20 dessa terça-feira.    É o caso de Elenílton Gonçalves, de 19 anos, único sobrevivente da tragédia. Ainda no hospital, onde permanecia internado até o fechamento desta edição, e em estado de choque, ele confessou para a namorada, com quem não conversava há cerca de três semanas por causa de uma briga, que pretende deixar o emprego.    “Ele disse que não volta mais lá. O que mais quer agora é ir para a casa e abraçar a mãe. Nem sei se ele vai continuar morando na cidade depois disso”, contou Patrícia Alves, de 24 anos.   Natural de Peçanha (Leste do Estado), Elenílton não consegue esquecer o momento da explosão e já fala em voltar a morar com a família. “Ele está assombrado com a imagem da explosão. Fica se perguntando porque as meninas (que morreram) não correram”, afirma Patrícia.    Patrícia, também funcionária da Fogos Globo, sempre teve medo do trabalho mas frisa que a fé a ajuda a manter a rotina. “Estou lá porque preciso de emprego, mas não quero correr mais riscos. Minha vida está em jogo”.   A jovem também cogita voltar para Dores do Indaiá (Alto São Francisco), onde mora a família dela.    “Aqui você acha emprego em fábrica de fogos sempre que quiser, mas não vale a pena. Não consigo mais sair de casa sabendo que posso não voltar”, justifica.    ‘Mamãe está indo, mas não sabe se volta’   A incerteza de voltar ou não para casa é um pensamento comum aos trabalhadores das fábricas de Santo Antônio do Monte. Era, inclusive, a frase que Maria José da Soledade Campos, de 27 anos, sempre falava para a filha, de apenas 3 anos, antes de sair de casa, todas as manhãs.   “Ela sempre dava um beijo na menina e dizia ‘fica com Deus, a mamãe está indo, mas não sabe se volta’. Os riscos são grandes, mas nunca se espera que algo assim vá acontecer”, conta o irmão da vítima, José Marcelo da Soledade Campos, de 28 anos.   Além de Maria José, outras três mulheres que estavam no galpão que explodiu morreram na hora: Maria das Graças Gonçalves Siqueira, de 42 anos, Daiana Cristina Maciel, de 27, e Marli Lúcia da Conceição, de 41, que faria aniversário nesta quinta-feira (17).   A tragédia poderia ter vitimado ainda mais pessoas. Uma cunhada de Maria das Graças, que trabalhava no mesmo galpão, faltou ao serviço porque estava de licença médica. Familiares contaram que ela ficou em estado de choque ao saber da explosão e não quis sair de casa.    Os corpos das vítimas foram encaminhados para o Instituto Médico Legal de Bom Despacho e os sepultamentos devem ocorrer ainda nesta quarta-feira (16). Nenhuma das vítimas é de Santo Antônio do Monte, por isso ainda estão sendo definidos os locais de sepultamento. O corpo de Maria José da Soledade Campos será levado para a cidade onde moram os familiares dela, em Alagoas.   Polícia investiga causas do acidente   Até essa terça-feira (15) à noite, não havia pistas sobre o que provocou o acidente na fábrica Fogos Globo. Peritos da Polícia Civil e do Exército estiveram no local após a explosão, mas o laudo só deve sair dentro de 30 dias. Fiscais do Ministério do Trabalho também estiveram na empresa na manhã dessa terça e identificaram falhas onde são feitos os explosivos.    “Somente o resultado da perícia vai definir o que provocou a explosão. Pode ser algum problema com o material, excesso de dosagem de pólvora ou imperícia e negligência no manuseio. Não descartamos nenhuma possibilidade”, afirmou o delegado Lucélio Silva.   A região onde fica o galpão, que foi completamente destruído, permaneceu isolada, mas a empresa foi liberada para o funcionamento normal. A Fogos Globo, que tem autorização do Exército para a produção de explosivos, tem cerca de 150 galpões de armazenamento e produção.    De acordo com informações passadas pela empresa à polícia, cerca de 120 funcionários atuam na fábrica, que passou por fiscalização do Exército em março deste ano. Nenhum representante da empresa foi encontrado para falar sobre o acidente. A explosão, que matou quatro pessoas e deixou outra ferida, foi ouvida em quase toda a cidade. Casas em um raio de cerca de um quilômetro da fábrica também acabaram atingidas. Vidros foram quebrados e até portas foram arrancadas.   “Estava na cama com meu neto e ouvi uma explosão muito forte. Imediatamente, as janelas e portas caíram. Fiquei com muito medo e saí correndo sem saber o que fazer”, conta a dona de casa Maria do Socorro Rodrigues, de 42 anos. 

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