"Farmácia era ponto de discussão política", diz farmacêutico mais antigo na ativa em MG

Elemara Duarte - Hoje em Dia
24/01/2015 às 17:29.
Atualizado em 18/11/2021 às 05:46
 (Samantha Mapa)

(Samantha Mapa)

Vestir jaleco branco, se engajar com a profissão e se encher de disposição para ir ao trabalho diariamente. As características podem ser comuns a um jovem profissional da área de saúde, mas este é o perfil de José Alves Dias, aos 94 anos, o mais antigo farmacêutico ainda na ativa em Minas Gerais. Neste sábado (24), o "Doutor Dias", como é conhecido, participou de ato na Praça JK, no bairro Sion, para conscientização da população sobre os perigos da automedicação e para explicar a importância da assistência farmacêutica.   A serviço foi organizado pela Associação Nacional de Farmacêuticos Magistrais (Anfarmag) e contou com atendimento ao público para dúvidas. A ação lembrou o Dia do Farmacêutico, celebrado no último dia 20. A data foi escolhida em função da fundação da Associação Brasileira de Farmacêuticos, em 1916 - época em que para curar dor de garganta usava-se emplasto de iodo e, para a dor de barriga, nada melhor que xarope de beladona.    Com 72 anos de profissão, Dias tem história para dar e vender sobre a evolução da farmacologia no Brasil. Natural de Patrocínio, região do Alto Paranaíba, ele chegou em Belo Horizonte, em 1938. Em 1943, formou-se em farmácia, pela UFMG. Após trabalhar em vários laboratórios, o farmacêutico ingressou no Instituto Ezequiel Dias e foi professor na universidade em que se formou.    Recente levantamento feito pela área de comunicação do Conselho de Regional de Farmácia de Minas Gerais confirmou Dias como o mais antigo "em atividade" no estado. Na mesma instituição, onde é um dos mais antigos inscritos, é que ele recebeu homenagem pela longa e ininterrupta trajetória na profissão.   Porém, mesmo com o peso dos anos, parece que compromissos sociais não pesam na rotina do entusiasmado farmacêutico. Na praça, ao lado de colegas de profissão mais jovens, mesmo com a bengala na mão e próximo de uma tenda para se abrigar do sol forte, ele não perdeu o entusiasmo. Chegou cedo, conversou com o público, tirou fotos e virou a atração do ato educativo.    Hoje, Dias é proprietário de duas farmácias de manipulação na capital e toca o empreendimento junto da família. Na loja, o quase centenário farmacêutico veste jaleco e, diariamente, sempre à tarde, põe em prática aquilo que a profissão dele tem como um dos mais importantes princípios: o contato com o público.   "Às vezes, uma simples dor de cabeça, se ela for recorrente, pode ser sintoma de algo mais grave. Má digestão é outro exemplo. A pessoa toma um sal de fruta, mas, se for recorrente pode ser sintoma de um problema grave na vesícula ou no fígado", exemplifica a presidente da Anfarmag, Andrea Vilela de Oliveira, também no evento. A campanha recomendou ainda que os pacientes procurem os farmacêuticos nas lojas, serviço que é oferecido sem custos.   Doutor Dias também defende o receituário médico. Segundo ele, a profissão dele evoluiu muito, graças aos conselhos e associações que lutaram pela aplicação de várias normas. "Principalmente na parte de êxito das farmácias de manipulações, que hoje têm que trabalhar com receita médica. Isso dá garantia para o nós e para o cliente", lembra. Acompanhe a seguir algumas das histórias do farmacêutico.   Por que o senhor escolheu esta profissão?   Simpatia por medicamentos e por poder cuidar das pessoas. Foi uma escolha sem intervenção familiar. A indústria de medicamentos não era como hoje. Antes ainda, tínhamos as "boticas" e eram pouquíssimas. (Nestes estabelecimentos, o "boticário", nome que antecedeu a denominação "farmacêutico", manipulava o medicamento na frente do paciente de acordo com a farmacopeia e a prescrição.)   Como eram as farmácias quando o senhor começou na carreira?   A farmácia também era um ambiente para reunião de amigos, onde se discutia política, o progresso da cidade e as falhas administrativas. Essas reuniões aconteciam todos os dias, era como um ponto de encontro. E sempre aparecia alguma pessoa mais humilde, uma mãe com muitos filhos, a gente acabava fazendo o medicamento de graça. Naquela época, criança com dor de barriga era muito comum.   Como era a relação com o paciente?   Quando o cliente já conhecia o farmacêutico, ele expunha o problema e o farmacêutico tentava resolvê-lo, mesmo que em parte. Hoje, não se faz mais assim. Hoje, o farmacêutico tem a capacidade de orientar sobre o uso e como funcionam os medicamentos, mas não prescreve.   O senhor poderia citar alguns destes medicamentos muito usados na época?   Xarope de beladona, para o sistema digestivo, e de alteia, que tem efeito bronco-dilatador. Este e outros produtos fazem parte de uma quantidade enorme de fitoterápicos que caíram em desuso. Já os produtos à base de iodo eram usados como emplastos no pescoço para infecção de garganta. E resolvia, por incrível que pareça!    E para as dores?   Já tínhamos substâncias como aspirina e guaraína, que eram remédios para as dores. Depois, foram aparecendo novidades como as "Pílulas de Vida do Doutor Ross", que vendiam muito. Eram uma preparação farmacêutica, bolinhas pequeninas mas que resolviam pelo menos os problemas intestinais.   É verdade que o senhor ainda trabalha diariamente?   Quase diariamente. Fico em casa pela manhã e, à tarde, vou para a farmácia, visto o jaleco com meu nome e fico até as 18h. O farmacêutico tem que conhecer o seu público. É o que gosto de fazer.

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