Fazer das crianças objeto de briga após divórcio é crime, mas penas são poucas

Aline Louise - Hoje em Dia
10/08/2015 às 06:40.
Atualizado em 17/11/2021 às 01:17
 (Frederico Haikal)

(Frederico Haikal)

Aos 11 anos, Fabiana (nome fictício) viu ruir o casamento dos pais, que durou mais de duas décadas. A separação foi amigável, mas o que veio depois deixou profundas marcas nela e nos quatro irmãos.

A mãe passou a privá-los da convivência com o pai. Além de impedir o contato, incutiu nas crianças que procurar a figura paterna seria uma “traição” a ela. E assim foram mais de sete anos sem vê-lo, com a certeza de que haviam sido abandonados.

“Só quando estava na faculdade, com 18 anos, voltei a ver meu pai. E foi muito difícil, até eu entender que ele não havia me abandonado, mas que foi impedido de nos ver e também sofreu muito”, lamenta Fabiana, aos 44 anos e em tratamento contra depressão.

Os irmãos dela também tiveram efeitos drásticos ao longo da vida. “Tenho uma irmã com depressão e outra sofre com obesidade, por descontar as frustrações na comida. Um dos meus irmãos se suicidou aos 21 anos e outro se tornou dependente químico”.

Para Fabiana, todos os problemas são reflexos da alienação parental sofrida, iniciada na década de 80, bem antes de o conceito ser definido pelo médico psiquiatra norte-americano Richard Alan Gardner, e de o Brasil reconhecer a punição para a prática como uma prerrogativa da Justiça. A interferência judicial serve para garantir a saúde e bem-estar das crianças e adolescentes “filhos do divórcio”.

Aplicação

Em 26 de agosto serão completados cinco anos que entrou em vigor a Lei 12.318, que pune a alienação parental. O texto a define como a “interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou qualquer responsável, para que repudiem o genitor ou que cause prejuízo ao vínculo entre um dos pais e os filhos”.

Na opinião de especialistas, a lei foi um marco importante para trazer à tona um problema muito comum no Brasil. Porém, está longe de ter plena aplicabilidade. “Entendo que serviu para que as pessoas saibam que não podem usar os filhos como instrumento de briga. O fato de a lei impor penalidades, como perda da guarda, ampliação do regime de visita, tratamento psicológico e até multa em dinheiro, atenuou os casos de alienação parental”, afirma o advogado José Roberto Moreira Filho, diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (Ibdfam).

Por outro lado, para o especialista, o Judiciário ainda não está preparado para identificar os casos de alienação parental. Segundo ele, peritos, assistentes sociais e psicólogos precisam de qualificação para apresentar diagnósticos satisfatórios.

“As equipes não estão preparadas, levando a laudos inconclusivos, contraditórios, omissos. Muitas vezes, as alegações das partes ficam no vazio. Na dúvida, o juiz não decide pela aplicação da lei”.

Guarda

O advogado de direito da família Paulo Akiyama concorda. Para ele, além da defasagem do Judiciário, há uma questão cultural que precisa ser superada. “Existe o paradigma de que quem sabe criar é a mãe. Então, em 90% dos casos a guarda é dada a elas, mesmo com a previsão legal de que a regra é da guarda compartilhada, importante instrumento para se evitar a alienação parental. Já ouvi de vários juízes que a guarda é da mãe e isso não se discute”.

Paulo Akiyama afirma que, por isso, na maioria dos casos a mãe é a alienadora. Ele observa que, pela lei, na impossibilidade da guarda compartilhada, a criança deve ficar com o genitor que não comete alienação parental.

A assistente social Maria da Conceição Souza Lopes, que trabalha no Fórum Lafayete como perita neste tipo de caso, diz que existe a exigência legal de que o diagnósticos seja feito por dois profissionais, um assistente e um psicólogo. Porém, admite que em alguns casos a situação é difícil de ser identificada.

“A incidência de alienação parental é grande, mas nem sempre é fácil identificar. As vezes é preciso mais tempo para acompanhar a família, ouvir vários parentes e a escola”, diz. Segundo ela, um laudo, em média, é emitido com 60 dias.

Guerra pela guarda gera sérios danos à saúde das crianças

A criança ou adolescente que sofre alienação parental é mais propensa a ter obesidade, depressão e ao uso abusivo de álcool. Além disso, os índices de suicídio são mais elevados em casos de disputa pela guarda dos filhos. As conclusões são do médico Rogério Noronha, diretor técnico da seção mineira da Associação Brasileira de Igualdade Parental.

Segundo ele, artigos científicos confirmam que filhos de famílias nucleares adoecem menos que os chamados “do divórcio”. Neste último grupo, os que convivem de forma compartilhada com mãe e pai têm menos problemas de saúde.

“No Brasil, a cada ano são mais de 300 mil crianças envolvidas em ações de separação de pais, provavelmente a mais alta incidência de alienação parental do mundo”, diz. O médico aponta índices insatisfatórios de guarda compartilhada. “O Índice real no país é 0,2%, apesar de o IBGE falar em 6%. Há guardas compartilhadas de gaveta”.

Tratamento

A psicóloga Vanessa Barros explica que a saúde mental da criança fica comprometida. Ela pode desenvolver ansiedade e sentimento de culpa.

“Principalmente na escola, o rendimento e o comportamento mudam muito. Algumas desenvolvem timidez e tendem a se isolar”. A especialista ressalta que o alienador também precisa ser tratado. “Para elaborar quais as questões que o levam a alienar. Separar a criança do ex-cônjuge é o instrumento usado para lidar com um sentimento que não conseguiu assimilar de outra forma”.

© Copyright 2024Ediminas S/A Jornal Hoje em Dia.Todos os direitos reservados.
Desenvolvido por
Distribuido por