Forasteiros da rua: Sem oportunidade na capital, pessoas que vieram de longe acabam ao relento

Raul Mariano
18/03/2019 às 20:45.
Atualizado em 05/09/2021 às 17:51
 (Flávio Tavares)

(Flávio Tavares)

O paraibano Fábio Júnior Mariano veio de João Pessoa para Belo Horizonte há duas décadas, ainda criança, para trabalhar como auxiliar de um caixeiro-viajante que comercializava tapetes e panos de prato Brasil afora. Depois de alguns meses de labuta, acabou sendo deixado para trás pelo dono do negócio e, sem conhecidos na cidade, viu-se morando na rua. 

A história de Fábio é a mesma de muitos forasteiros que vieram de longe e, sem encontrar a esperada oportunidade na capital, acabaram sozinhos, sem recursos e, por fim, sem moradia. 

Apesar de não haver dados específicos sobre o percentual de pessoas que não são naturais de Belo Horizonte entre a população de rua, sabe-se que a capital já concentra metade dos desabrigados do Estado. Minas tem, segundo informações do Ministério da Cidadania, pouco mais de 14 mil sem-teto.
 
O local encontrado por Fábio para fixar residência foi embaixo de uma passarela situada às margens da Via Expressa, próximo ao bairro Coração Eucarístico, região Noroeste de BH. 

A sobrevivência vem da coleta de materiais recicláveis e ele explica que, apesar do serviço pesado, o dinheiro é pouco. Nos dias bons, a atividade rende cerca de R$ 50. 

“Já fiquei 10 dias sem dormir, trabalhando sem parar”, conta Fábio, enquanto separa moedas antigas encontradas em meio ao material recolhido. “Hoje já nem conto mais as horas que trabalho e os quilômetros que caminho todo dia”. 

Atritos

A chegada de Marco Aurélio Oliveira, de 29 anos, a BH foi traumática. O jovem natural de Caratinga, no Vale do Rio Doce, é viciado em álcool e saiu de casa por não aceitar as exigências da mãe. 

“Hoje eu me alimento no restaurante popular, mas nos dias em que ele não abre não tenho o que comer”Marco Aurélio Oliveira

Hoje, vive em um cercadinho de madeira e lona, ao lado de outros sem-teto, embaixo do viaduto Francisco Sales, no bairro Floresta, região Leste da capital. Flávio Tavares / N/ABAQUE – Após a morte da esposa, Marco Aurélio Oliveira, que é de Caratinga, foi morar em um cercadinho de madeira e lona embaixo do viaduto da Francisco Sales 

Antes de ir de vez para a rua, chegou a morar com a mulher com quem teve três filhos em Santa Luzia, no bairro Palmital, conhecido popularmente como “Caldeirão do Inferno”. Por lá, ainda viu a companheira morrer em decorrência de uma pneumonia, aos 28 anos de idade.

O baque desestabilizou de vez o rapaz. “Quando soube que ela morreu saí sem rumo e fiquei vagando a pé, sem comer e sem dormir, por três dias”, lembra Marco. “As crianças ficaram com a avó materna”, diz. 

Atratividade

O êxodo de pessoas do interior rumo às capitais em busca de uma vida melhor acontece em todo país e ajuda a entender a presença desse contingente em meio à população de rua, explica Mariana Vilas Bôas Mendes, mestre em sociologia pela UFMG. Ao mesmo tempo, ressalta a especialista, as metrópoles são menos acolhedoras com essas populações.

“Dentro desse grupo temos migrantes, que chegam à procura de trabalho, e os trecheiros, que ficam por pouco tempo e estão sempre se mudando”, explica. “No entanto, essas classificações se misturam e é difícil identificar exatamente quem é quem”, destaca Mariana. 

Desconstrução de políticas sociais agrava o problema 

A procura por um trabalho foi o que levou o ex-vaqueiro Wagner Máximo de Carvalho a sair de Pirapora, no Norte de Minas, rumo a BH, há 20 anos. No entanto, a realidade após a viagem de quase 400 quilômetros foi bem diferente da esperada.

“Já aprontei muito, mas o que mais me atrapalhou foi a bebida; todos os meus parentes morreram por causa da cachaça”Wagner Máximo de Carvalho

Além de não conseguir emprego, ele acabou abusando do álcool e, sem expectativas, não encontrou saída a não ser morar na rua. “Não tenho estudo nenhum e a bebida sempre foi um problema para mim”, explica, com semblante entristecido. “Comecei a tomar cachaça com 8 anos, dentro de casa”. 

Hoje, aos 40, Wagner vive da coleta de material reciclável e conta que já esqueceu quando foi a última vez que dormiu em uma cama, sob um teto. O contato com os quatro filhos que teve foi totalmente perdido. “Só sei que o mais novo tem 14 anos. Mas não sei mais onde eles estão”, diz.Flávio Tavares / N/ATRISTEZA – O ex-vaqueiro Wagner Máximo de Carvalho começou a beber na infância; hoje, o único bem que possui é o carrinho pra carregar “bagulhos”

Com o tempo, relata Wagner, quase todos os objetos que adquiriu foram furtados ou perdidos nas andanças por BH. “O único bem que tenho hoje é esse carrinho pra carregar meus bagulhos. Nada mais”, diz.

Trabalhadores

Para Maria Cristina Bove, membro da Pastoral Nacional de Rua, o grupo de sem-teto vindo de fora da capital é uma população migrante, que transita em busca de qualidade de vida. “Pelo menos 80% deles trabalham e têm um potencial que infelizmente não é aproveitado”, diz. 

“As pessoas não têm mais como pagar aluguel e, às vezes, o único lugar que as acolhe é a rua. É uma situação de violação de direitos”Maria Cristina BovePastoral Nacional de Rua

Ela garante que o crescimento da massa de desabrigados não está ligada apenas à chegada de pessoas de outras cidades, mas também à desconstrução das políticas sociais e elevação dos indicadores de miséria e fome. “A rua é o primeiro lugar onde isso se torna visível”, afirma Maria. 

Avanços

Secretária Municipal de Assistência Social, Segurança Alimentar e Cidadania, Maíra Colares explica que nos últimos dois anos avanços foram alcançados, mas ainda há muito a se fazer. 

Ela conta que foi possível “criar a metodologia com o educador, requalificar os programas que já existiam, além de ampliar o serviço de abordagem e a bolsa moradia”. 

No entanto, explica Maíra, “não temos a pretensão de, em dois anos, resolver todos os desafios das últimas décadas. Temos muita responsabilidade sobre o que ainda precisamos fazer”, conclui.

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