(Editoria de Arte)
Centenas de fraudes detectadas no sistema de cotas raciais das universidades brasileiras levam instituições de ensino a buscarem métodos de comprovação da veracidade dos dados cadastrados por candidatos autodeclarados pretos, pardos ou indígenas. A falta de critérios objetivos nos editais de grande parte dos vestibulares lança alerta sobre a necessidade da criação de mecanismos que ajudem na distribuição das vagas reservadas a esse público.
Dados da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial do Ministério dos Direitos Humanos (Seppir) revelam que, em todo país, uma média de 450 fraudes são denunciadas a cada semestre.
Na Universidade Federal de Uberlândia (UFU), no Triângulo Mineiro, uma comissão formada para evitar possíveis trapaças entrevistou 277 candidatos aprovados dentro das cotas raciais no último vestibular. Do total, 140 foram eliminados por não se enquadrarem no fenótipo (características físicas visíveis) exigido.
Processo
De acordo com o diretor de processos seletivos da UFU, Dennys Garcia Xavier, dois grupos formados por acadêmicos negros ou pardos, com trabalhos vinculados a questões étnico-raciais, analisam os candidatos em entrevistas de aproximadamente três minutos. O critério utilizado no caso dos pretos e pardos não considera a ascendência familiar nem documentos.
A decisão da banca, explica Xavier, é sempre por unanimidade. Assim, se um dos avaliadores estiver em dúvida ou entender que um candidato tem características suficientes para usufruir da política afirmativa, ele é admitido.
“A universidade tem total autonomia para fazer isso, respaldada por orientação do Supremo Tribunal Federal. Não se trata de discutir o mérito. Temos a responsabilidade pela aplicação justa da Lei de Cotas”, afirma o diretor.
Divergências
A criação de comissões para avaliação presencial dos candidatos que disputam vagas reservadas para negros e indígenas gera discrepância de opiniões. Para o advogado Leonardo Militão, presidente da Comissão de Direito Municipal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/MG), o problema está na subjetividade da autodeclaração.
Para ele, a variedade de misturas e tons de pele torna a definição mais difícil. Dessa forma, explica o advogado, uma pessoa negra pode ter características como cabelo e formato do nariz mais comuns a brancos.
“Eu sugiro um critério objetivo, como o que está definido na certidão de nascimento. O que eu recomendo às pessoas excluídas de processos seletivos e que tenham como comprovar descendência, é que entrem com recursos”, destaca Militão.
Alunos aprovam comissões, mas exigem aprimoramento
Sem a existência de mecanismos como as comissões, a única forma de se combater os falsos cotistas é a denúncia. Por esse motivo, o cerco aos candidatos que tentam burlar o sistema para garantir uma vaga na universidade é aprovado por quem lutou para conseguir o benefício.
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Em Uberlândia, alunos da UFU afirmam que a realidade evidencia o quanto esse tipo de política pode estar sendo distorcida. A estudante de Direito e coordenadora geral do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da universidade, Letícia Farah, explica que, das 20 vagas abertas para cotistas na turma em que estuda, apenas ela e mais uma colega são negras.
Apesar de concordar com a existência da comissão, Letícia afirma que o instrumento precisa ser aperfeiçoado. De acordo com a estudante, o edital não traz critérios nítidos sobre o que é considerado preto ou pardo, por exemplo.
“Temos uma grande quantidade de pessoas que se desloca de suas cidades para ser entrevistado e não passa. Não dá para dizer se é má fé ou não, porque não temos acesso aos critérios. A iniciativa é muito boa, mas precisamos dizer o que são as características fenotípicas”, coloca.
Problemático
Para a coordenadora do mestrado profissional da Faculdade de Educação da UFMG, professora Nilma Soares, a criação de métodos externos para comprovar a veracidade das informações dos cotistas é algo subjetivo e, por consequência, problemático.
“No caso dos indígenas, eles têm documentos. No caso dos negros, não sei como isso pode ser verificado. Nós, na pós-graduação, não vamos fazer isso. Nunca vi isso acontecer em outra universidade”, diz.
Editais sem critérios claros são problema para a determinação de etnias
A falta de clareza na maioria dos editais de vestibular é o principal entrave apontado por especialistas em educação para a avaliação de cotistas. Sem objetividade sobre as características que determinam quem é preto, pardo ou indígena, fica aberto o caminho para a insegurança jurídica.
A socióloga Inês Teixeira, integrante do Grupo de Ações Afirmativas da UFMG, explica que a definição de um fenótipo é algo muito controverso. Para ela, o assunto exige cuidado para que as próprias cotas raciais não se tornem um mecanismo excludente. “As universidades precisam definir claramente essas questões e testar outros modelos evitando mais discriminação”.
A ouvidora da Seppir, Luana Vieira, explica que as comissões que avaliam o fenótipo dos candidatos precisam lidar com a subjetividade. “É como a correção de uma redação, ou a avaliação de uma banca de forma oral, que também tem critérios subjetivos”, explica.
Outro ponto destacado pela ouvidora é a urgência da fiscalização. “São mecanismos de controle para fazer valer que as ações afirmativas tenham esse papel de reparação histórica”.
Além Disso
O que é a Lei de Cotas?
Garante 50% das matrículas nas 59 universidades federais e 38 institutos federais de educação a alunos do ensino médio público.
Como é comprovada cor e renda declaradas?
Critério da raça será autodeclaratório e a renda familiar per capita terá de ser comprovada por documentação apresentados pelo candidato.
Há separação entre pretos, pardos e índios?
Não. No entanto, o MEC incentiva que instituições localizados em estados com grande concentração de indígenas adotem critérios adicionais para esses povos.