Funcionária de hospital de BH volta de férias e quer se assumir como 'mulher trans' para colegas

Liziane Lopes
llopes@hojeemdia.com.br
28/11/2017 às 17:02.
Atualizado em 02/11/2021 às 23:55
 (Arquivo Pessoal)

(Arquivo Pessoal)

O dia dois de janeiro de 2018 promete ser especial para uma funcionária do Hospital Metropolitano Dr. Célio de Castro, na região do Barreiro, em Belo Horizonte. Após passar em uma seleção pública, há cerca de três anos, Danielle Scarlat Moreira assumiu o cargo de analista de negócios contábeis da unidade.  Só que, na época da seleção para o serviço e da convocação, Dainelle ainda se apresentava como Daniel, o nome de registro, escondendo dos colegas a transexualidade. Com medo de perder o emprego, ela sempre usou roupas largas para esconder os seios, cabelo preso e evitou maquiagem no ambiente de trabalho. "Eu tinha muito medo de perder o emprego", conta.

Mas, nos últimos dias, motivada pelos colegas do hospital, que sempre perceberam o jeito feminino, Danielle resolveu se assumir como mulher trans. A data escolhida é a volta das férias, no início do ano. "Estou super feliz. É como se eu fosse a Cinderela", conta.

A Secretaria de saúde de BH informou por meio de nota que o RH do Hospital solicitou à Assessoria de Comunicação uma campanha interna para conscientização dos funcionários. Dessa forma, foram produzidas uma reportagem para a Intranet, onde a história de vida de Danielle foi contada, e notícias para o Quadro de Aviso explicando sobre a diferença de identidade de gênero, orientação sexual e sexo. 

O Hospital informou ainda que tem disponível banheiros unissex e que adota no prontuário eletrônico do paciente o nome social das pessoas trans.

Durante conversa com a reportagem do Hoje em Dia, Danielle falou sobre o processo de transformações, medos, preconceitos, família e superação.

Confira:

HD: Por que escolheu este momento?

Dany: Existem vários motivos... Finalizando as análises psicológicas e também para conseguir maturidade, coragem no trabalho. O trabalho era então a única muralha que existia. 

Está no hospital há três anos e se vestia como homem? Como é isso? 

Dany: Quando entrei, sim, eu usava roupas mais masculinas, calças e camisas largas. Mas tenho uma aparência feminina. Apenas decidi ir mais feminina, mais maquiada e de salto.

Mas se apresentou como homem ou sempre como Danielle?

Dany: Não, sempre como Daniel, nome de registro. Mas já tinha peito e tudo.

E o que ouvia dos colegas?

Dany: Sempre ouvi: "Menina, para de amarrar esses seios, coloque cor neste rosto, seja você". 

Então sempre recebeu estímulos? 

Dany: Ninguém nunca  falou nada ao contrário, mas eu tinha muito medo de perder o emprego até que não aguentei. A questão trans estava sempre comigo nas redes sociais.  

Que dia volta ao trabalho? Sabe se estão esperando a nova Dany?

Dany: Retorno no dia dois de janeiro. Na verdade, eu nao diria a nova Dany, diria a Dany realizada.

Está mais feliz?

Dany: Super. É como se eu fosse a Cinderela. Já tem quase um ano que não uso mais faixas pra comprimir os seios. Sempre cuidei da minhas sobrancelhas, unhas e pele. Fiquei com um aspecto de lésbica a ponto de ganhar cantadas de mulhes em ponto de ônibus. 

No seu Face, você fala que (infelizmente) muita gente associa a transexualidade à prostituição e que você gostaria de lutar contra esse preconceito. Que os trans têm direito de emprego ou do que quiserem, sem rótulos...

Dany: Sim, pois quando estou em baladas oferecem grana pra eu deitar com alguns. Só que somos capazes de construir uma carreira. E a maioria, quase todas que conheço fazem da beleza um negócio. A falta de oportunidade para transexuais as levam pra essa marginalidade. 

O que você sonha para sua vida?

Dany: Então, formar no curso de Ciências Contábeis, segunda faculdade que estou passando. A primeira foi o curso de Sistemas de Informação na PUC Barreiro. Tinha o sonho de comprar meu apartamento. Isso consegui nesse ano, com a graça de Deus e o meu trabalho. 

Como é a relação com a família? 

Dany: A relação com minha família é otima, inclusive vou passar Natal com eles. Amo meus irmãos e meu pai. Minhas mãe faleceu em 2015. Minha mãe sofreu muito com meu pai, traição. Desde pequena isso nunca saiu da minha cabeça, creio que o repúdio de ser "homem" partiu daí. 

Sua família aceitou sua decisão de imediato?

Dany: Bem, minha mãe não aceitou tão fácil nao. Meu pai aceitou melhor. Meu pai avaliou o caráter. Minha mãe avaliava o que a vizinha da frente pensava e falava. Segurei por muitos anos, por ela também, minha mãe era muito machista.

Como foi o processo de mudança?

Dany: Não operei. Me aceitei assim e sou feliz. Já meus seios vieram dos hormônios. Ficaram lindos e enormes, nem precisei de silicone. 

E sentiu mal com os hormônios? Teve acompanhamento médico?

Dany: Olha, no início não. Eu e uma amiga começamos com anticoncepcional em 2009. Somente em 2012 que procurei um médico e tudo fluiu. Vou retomar com endocrinologista no mês que vem. Preciso fazer uma bateria de exames. Arquivo PessoalDanielle Scarlat Moreira não guarda mágoas do bullying que sofreu

E na infância e escola, sempre se sentiu menina? Sofreu bullying?

Dany: Sim, sempre menina, sempre brincava com as meninas. Eu achava que eu pudesse engravidar até uns 10 anos de idade. Até eu... Opa, você é do sexo masculino. E sofri muito bullying. Mas quer saber? O bullying veio pra somar. Aprendi a ter força e coragem por causa dele. Pelos meus pais também, tipo: " engrossa essa voz ao falar com seu avô"; "coloque as mãos no bolso"; "eu já te falei que lugar de menino é brincando com meninos"; "vá jogar futebol", eu odiava futebol, odiava ficar sem camisa, mas minha mãe me obrigava, porque eu era bem gordinho, tinha peitinhos e todos pegavam, era horrível. Uma série de coisas que aconteceram, porém não guardo mágoas.

Qual mensagem deixaria para quem passa por uma situação como a sua?

Dany: Então, todas as pessoas deveriam buscar o máximo de conhecimento possível para obter respeito profissional. As pessoas trans não devem desistir de estudar, de lutar, de provar que são capazes, que honram a profissão escolhida e que têm a mesma capacidade que qualquer um. 

Leia nota na íntegra da assessoria da Secretaria Municipal de Saúde:

"1.      O Hospital Metropolitano Dr. Célio de Castro tem como premissa descrita no Manual de RH “não tolerar qualquer conduta – física, verbal ou não verbal – que venha a afetar a dignidade das pessoas – da mulher e do homem – no trabalho. Em especial, conduta que crie ou represente intimidação, hostilidade, humilhação, assédio moral ou sexual, bem como qualquer tipo de discriminação de etnia (raça/cor), gênero, credo religioso, idade, classe social, hábitos, orientação sexual, política, e relacionada à deficiência e mobilidade reduzida, pois fere a dignidade, afeta a produtividade e deteriora o clima e o ambiente de trabalho”;

2.      Dessa forma, a Gerência de Recursos Humanos do HMDCC acolheu com naturalidade o pedido da funcionária Danielle Scarlat Moreira Silva que ocupa a função de analista de negócios contábil e ingressou no Hospital, em 2015, com o nome de registro e que deseja adotar o nome social no ambiente profissional;

3.      Além disso, o RH solicitou à Assessoria de Comunicação uma campanha interna para conscientização dos funcionários do Hospital sobre a temática. Dessa forma, foram produzidos uma reportagem para a Intranet, onde a história de vida de Danielle foi contada, e notícias para o Quadro de Aviso explicando sobre a diferença de identidade de gênero, orientação sexual e sexo e abordando um dos princípios doutrinários do SUS, a equidade, que trata justamente desse tema: pessoas diferentes têm necessidades diferentes. Por isso, soluções e esforços diferentes devem ser feitos de acordo com o contexto;

4.      O Hospital também tem disponível banheiros unissex e adota no prontuário eletrônico do paciente o nome social das pessoas trans".


 

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