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O grupo de manifestantes que interrompe parcialmente a circulação do trem de passageiros Vitória/BH, nesta terça-feira (15), no trecho de Baixo Guandu, no estado capixaba, busca chamar a atenção para uma decisão judicial que, segundo os participantes, altera os acordos firmados anteriormente entre eles e a Samarco.
Cerca de 1500 contratos entre pescadores vítimas do rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, na região Central do Estado, e a Samarco podem ser alterados. O rompimento da barragem aconteceu em 2015 e prejudicou diretamente a atividade pesqueira ao inundar o rio Doce com lama de rejeitos.
Na prática, trata-se de sentença, assinada no dia 27 de dezembro, durante o recesso do poder judiciário, que permite que a mineradora desconte auxílios financeiros mensais já pagos a vítimas da tragédia de Mariana da indenização determinada pela Justiça e deixe de pagar o valor nos meses subsequentes.
Os acordos incluem pescadores de Minas Gerais e do Espírito Santo e foram assinados ao longo de 2017 e 2018 após negociações que estabeleceram que os pescadores receberiam o auxílio mensal, de caráter alimentício, e indenizações referentes ao pagamento por danos morais e pelo que juridicamente é conhecido por Lucro Cessante, que consiste na reparação por prejuízos financeiros causados pela interrupção da atividade profissional.
Os valores seriam pagos de forma independente. Entretanto, a liminar agora permite que o que já foi pago em auxílio financeiro emergencial seja descontado do montante devido por Lucro Cessante.
Por esse motivo, o grupo de manifestantes mantém fechado um trecho da rodovia e, por isso, as composições só irão até a cidade de Governador Valadares, na região do Vale do Rio. A Vale confirmou que o Trem de Passageiros não circulará no Espírito Santo.
"Os acordos foram assinados por todos, pelos pescadores, pela Fundação Renova, pela Samarco, e agora eles, no apagar das luzes, mudam as regras do jogo", afirmou Leonardo Amarante, advogado que atende a Federação dos Pescadores do Espírito Santo.
Para ele, o ato é uma violação ao princípio de boa fé. Amarante teme, agora, que a qualquer momento a Renova mude de novo os termos de acordos já firmados e indispensáveis para a reparação dos danos sofridos. Nas palavras dele, "a decisão mostra uma desvalorização do maior bem jurídico do processo, que é a vida dos atingidos, e passa a dar atenção ao patrimônio de uma das maiores empresas do mundo".
Ainda segundo o advogado, esse tipo de ação expõe a fragilidade das decisões em favor das vítimas, que podem ser alteradas ferindo preceitos jurídicos básicos, como o do contraditório. De acordo com Amarante, nenhum pescador foi informado da ação. "Esse tipo de movimentação em um processo sempre é informado aos advogados, às partes envolvidas, e nesse caso isso não aconteceu. É um ato de confrontação da Renova com quem tem menos recurso para se defender". O advogado afirmou que vai recorrer da decisão e que é provável que outros órgãos de defesa que trabalham no caso também recorram.
Amarante não soube precisar o número de pescadores que efetivamente recebe o benefício, mas afirmou que o valor do auxílio varia entre um salário mínimo e um salário mínimo e meio para cada membro da família atingida. O montante é definido a partir do tamanho da perda sofrida com o desastre, que analisam desde a atividade pesqueira até as propriedades - como barcos - atingidas. O mesmo critério foi utilizado para calcular o valor das indenizações, que, segundo o acordo, devem ser pagas até que o rio seja totalmente recuperado. "Com esse comportamento, nosso medo é que a Renova chegue em um ou dois anos e diga que o rio está pronto, limpo, o que nunca ficará, e deixe de pagar o que deve aos atingidos", lamentou Amarante.
Procurada, a Fundação Renova, criada pela Samarco para lidar com as vítimas dos danos da tragédia, afirmou que até novembro do ano passado já haviam sido pagos R$ 1,3 bilhão em Auxílio Financeiro Emergencial e indenizações. Em nota, a entidade afirmou que "analisa a operacionalização da liminar".
Relembre
Em 5 de novembro de 2015, o rompimento da barragem de Fundão, de propriedade da Samarco - pertencente à Vale e à BHP Billiton - deixou 19 mortos e o Rio Doce contaminado por rejeitos da mineração ao longo de 826 km e 39 cidades de Minas Gerais e do Espírito Santo. Esta foi a maior tragédia socioambiental já registrada no Brasil. Mais de um milhão de pessoas foram atingidas de alguma forma nos dois Estados.