(André Brant)
O futuro Centro Administrativo de Belo Horizonte tem, na essência, a missão de reduzir gastos da prefeitura, reunindo em um só endereço a maioria dos serviços e funcionários públicos municipais. O local escolhido, o atual estacionamento da rodoviária – que será transferida para o bairro São Gabriel – é estratégico para os planos de revitalização do hipercentro. Trará para a região um fluxo de 10 mil servidores municipais e, consequentemente, uma atenção especial na questão da segurança pública. Todas essas benesses terão um marco simbólico: um prédio de 20 andares, em formato triangular, uma referência explícita à bandeira de Minas Gerais. O projeto inclui características construtivas ainda não vistas na cidade e que dão uma pista de como poderá ser a Belo Horizonte do futuro.
O responsável pela obra, o arquiteto Gustavo Penna, traz ao Hoje em Dia todos os detalhes do projeto, escolhido entre 80 inscritos em concurso, mostrando quais os conceitos balizadores de uma sede administrativa que se propõe sustentável, sociável e bela.
Qual é a cidade ideal?
Tenho lutado ultimamente pelas cidades caminháveis. Sempre achei que a gente deveria trabalhar a cidade de uma forma mais humanizada. Quem passa de carro não presta atenção no detalhe. Quem anda a pé presta atenção no prédio, na rua, nas árvores e nos personagens da cidade que estão ali. A cidade caminhável é onde é prazeroso e seguro caminhar.
Em seu projeto do Centro Administrativo municipal, há essas influências? Sim. Agora nós estamos fazendo isso. O prédio é uma homenagem à memória do desenho das ruas ortogonais, com as avenidas em diagonal. Um desses triângulos, em diagonal e em ângulo reto, foi elevado em 20 metros de altura. É como se fosse uma quadra suspensa.
Qual vai ser o impacto na paisagem urbana na região da rodoviária? Como ele vai ficar a 20 metros de altura, vai criar uma praça coberta. Imagina o que significa o Masp para a avenida Paulista. Você pode imaginar o que vai significar o prédio, só que três vezes maior. Só que o Masp é como um largo. Esse não, você pode atravessar. Tem pessoas que vão para a rodoviária, para tomar um café. Vai ter ali uma feirinha, pessoas que param para ler um livro. É uma ferramenta de sociabilização. Nós não construímos o intervalo. Ao invés do estacionamento, nós demos para a cidade duas praças novas: a de baixo e a de cima.
Tem também a parte de trás da rodoviária...
Vai ser uma ligação entre a Lagoinha, a partir da praça do Peixe, passando pelo metrô. Aquilo ali é um espaço aberto, ao ar livre, que cobre o Arrudas, muito alto também. Não é uma laje plana, é cheia de relevos, com buracos, luz que vai iluminar lá embaixo. Em cima, para crianças, para velhos. A cidade nossa não pensa em velhos e crianças. Não é escorregador, nem gangorra, crianças precisam de exercitar suas perninhas, correr. Estamos aqui homenageando Aarão Reis (que projetou na cidade). Mas a malha não homenageia apenas o que é visível, tangível, mas também o simbólico, que é o triângulo equilátero da bandeira de Minas.
Em termos de sustentabilidade o que o prédio traz?
Tem uma praça (no térreo) que pode passar não apenas um passarinho, mas um bando. São 20 metros de altura. Você tem lugar para as pessoas se encontrarem e manifestarem. Toda a água de chuva é coletada, todo o esgoto é coletado e tratado. Todas as fachadas são elementos de rebatimento de sol, formam bandejas de luz. O sol não entra, entra a luz, diminuindo a necessidade de energia elétrica. Já o pilares são ocos. Você vê os elevadores subindo. De um andar, você vê o outro. Com isso, promove a integração entre as pessoas. Ao invés de se estratificar, cada um em seu andar, e muitas vezes você nunca vai encontrar com seu colega de trabalho, você está sempre integrado com a cidade viva, e com o prédio vivo.
Em projetos que você fez, como o Mineirão, muita coisa foi retirada. Você teme que alguns itens sejam removidos do Centro Administrativo? Nesse caso, não, porque o concurso proíbe a retirada. O pressuposto é que quem for construir respeite o projeto. A gente sabe o que é fundamental como caráter da edificação e as coisas que podem ser alternativas. Tem coisas que têm alternativas, como a modificação de um piso, por exemplo. Mas o que não tem como mudar é a forma.
O senhor pode detalhar um pouco mais o projeto?
São três tipos de elevadores: de público, de serviço e controlados, que são do prefeito, do secretariado, das autoridades. O centro do andar é essa área fechada, com copa, banheiros, salas de reunião e salas de chefia. Toda a borda do prédio é a área de trabalho, com todo mundo participando da cidade. O gabinete do prefeito fica logo no primeiro andar, com vista para a Afonso Pena. E o último andar é a grande praça para todo mundo, mas tem a área nobre para o prefeito, para os momentos solenes da cidade, as recepções para figuras ilustres.
E quem chegar de bicicleta?
Vai ter um bicicletário em cada andar. Para chegar ao prédio, vai ter uma passarela, que pode ser usada por pedestre e para bicicleta.
Como fazer para colocar todos os servidores ali sem causar um caos no trânsito?
As dez mil pessoas já estão ali no Centro. Elas não vão mudar. Não vão ser exportadas para longe. Elas já estão indo ao Centro, nos vários pontos da prefeitura espalhados por lá. Mas, com o novo prédio, estarão junto do metrô, do BRT, da rodoviária.
O prédio vai requalificar aquela parte do Centro?
Tenho certeza que esse prédio será o coração de Belo Horizonte. A Praça 7 é o umbigo. Toda a irrigação viária está vindo da Afonso Pensa e do eixo com o ribeirão Arrudas, ligando à Lagoinha.
Qual é a identidade arquitetônica de Belo Horizonte?
Ela começou com estilo asa de borboleta, simétrica. Mais tarde, com Oscar Niemeyer, nós fomos vanguarda no mundo. Se nós fomos conservadores na época de Aarão Reis, viramos vanguarda. Depois, tivemos grandes momentos da arquitetura, o BDMG, do Roberto Serpa. Hoje estamos legitimando uma arquitetura moderna, reinterpretada para a arquitetura contemporânea, com a responsabilidade social e ambiental. O nosso prédio tem um conceito firme. Ali, é o espaço da liberdade, você areja, flui. Não é um edifício grande em altura. Tem a finalização elegante, silenciosa da Afonso Pena.
E o que você não gosta na arquitetura de Belo Horizonte?
Dos prédio bonitos, mas de péssima arquitetura. Aquele prédio de vidro, de várias cores, parece gente bonita e pouco inteligente. O que tenho mais tristeza é isso. O projeto não passa da pele. E nossa cidade é linda, cheia de montanhas, cheia de rampas. Já pensou se você ficasse em uma cidade plana? Seria chato. Eu acho Belo Horizonte charmosa por isso. Sou montanhês.
Você tem alguma proposta para diminuir o deslocamento das pessoas na cidade? Aquela região do Arrudas, por onde corre o metrô, é espetáculo para fazer uma highline (parque suspenso), igual em Nova Iorque (EUA). Ali pode ter habitação de baixa e média renda sobre a linha. Aumentar a eficiência da cidade, não depender tanto do sistema de transporte urbano.
Algumas obras de mobilidade feitas há muitos anos em outras cidades estão sendo realizadas em BH, como a construção de muitos viadutos. Há outras soluções?
Belo Horizonte tem os viadutos mais estúpidos do Brasil. Tem uns elegantes, com viga central e umas asas. E essas passarelas, que lembram uma refinaria de petróleo? Por que não pode fazer uma coisa elegante, ter concurso de arquitetura para fazer as passarelas? Por que a arquitetura para pobre tem que ser pobre. O Minha Casa, Minha Vida, tem que ser Mixa Casa, Mixa Vida. O projeto é mixo, não tem praça, as ruas são retas, porque não pode ser curvilínea, adaptada à topografia? Nós, arquitetos, estamos devendo soluções.
É possível uma parte da cidade ser fechada aos carros?
Eu acho que vai acabar sendo. Tem que ser uma cidade de baixo impacto. A cidade não aguenta. O novo prédio da prefeitura, por exemplo, é um prédio de baixo impacto. A ideia é que a pessoa vá trabalhar a pé, de ônibus ou de metrô.