(Flávio Tavares/Hoje em Dia)
A partir do ano que vem, o Hospital das Clínicas (HC) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) vai oferecer uma especialidade médica nova no Brasil: a residência em medicina de emergência. O projeto pedagógico foi aprovado pelo MEC e já foram feitas vistorias na unidade de saúde. Falta apenas o último parecer do órgão federal.
As vagas não serão abertas apenas em Minas. Em agosto, a Comissão Nacional de Residência Médica, vinculada ao MEC, aprovou o início do curso em outras dez instituições do país, que tinham solicitado o credenciamento.
São seis em São Paulo, duas no Rio Grande do Sul, uma no Rio de Janeiro e uma no Pará. Um hospital no Ceará também deve entrar na lista, embora ainda não tenha tomado as medidas necessárias para obter a autorização.
Mais qualidade
Na avaliação do primeiro-secretário do Conselho Federal de Medicina (CFM), Hermann Von Tiesenhausen, o reconhecimento dessa especialidade é um importante passo para melhorar a qualidade do serviço prestado aos pacientes que demandam atendimento imediato.
“Clínicos, cardiologistas, cirurgiões e outros especialistas estão capacitados para trabalhar na área. Mas hoje também há uma parcela de médicos recém-formados, com pouca experiência, que atuam na emergência. Mesmo bem-intencionados, sabemos que eles podem se qualificar mais”, destaca Tiesenhausen.
Alguns casos, segundo ele, exigem providências rápidas e certeiras, que podem impedir complicações e evitar mortes. “O profissional que fizer a residência estará apto para esse tipo de trabalho. Ele fará o primeiro atendimento antes de encaminhar o paciente para outro especialista”.
Atendimento a crianças
No HC, onde são feitos cerca de 3,5 mil atendimentos de urgência por mês, serão oferecidas dez vagas para o programa, que terá três anos de duração.
O candidato poderá optar pela medicina de emergência para atendimento a crianças. Nesse caso, a residência em pediatria será um requisito e o novo curso será de um ano.
Coordenador do pronto-socorro do Hospital das Clínicas, Marcus Vinicius Melo de Andrade adianta que a UFMG está tentando fazer convênios com os hospitais João XXIII (HPS) e Odilon Behrens, além do Samu, para garantir a melhor formação dos profissionais.
“Essas parcerias são importantes para que o residente saia preparado para qualquer tipo de situação. No HC, por exemplo, atendemos mais as urgências clínicas, como infarto, pneumonias e AVC (Acidente Vascular Encefálico). No entanto, eles também precisam saber como tratar os casos de traumas, por exemplo”.
DIFÍCIL MISSÃO – Com cinco anos de experiência na coordenação do pronto-socorro do HC, Marcus Vinícius Melo de Andrade afirma: “É preciso ter vocação (Foto: Flávio Tavares/Hoje em Dia)
Área da medicina ganhou importância após tragédia
Os debates a respeito da criação de residências em medicina de emergência só ganharam força no Brasil em 2013, após o incêndio na boate Kiss, no Rio Grande do Sul. A tragédia deixou 242 mortos e 680 feridos.
Segundo o primeiro-secretário do Conselho Federal de Medicina, Hermann Von Tiesenhausen, a ação de profissionais que atuavam na área de emergência foi fundamental no salvamento das vítimas. Alguns médicos tinham feito curso de medicina de emergência, oferecido pelo Hospital de Pronto-Socorro de Porto Alegre desde 1996. “Naquele momento, nos demos conta da importância dessa especialidade”, destaca Tiesenhausen.
Outras experiências
Seguindo o mesmo caminho de Porto Alegre, há sete anos a Escola de Saúde Pública do Ceará, em Fortaleza, passou a capacitar médicos na área. Só agora, porém, os programas de ambas as cidades foram validados pelo MEC como residências.
Nesse tempo, as duas instituições foram responsáveis pela formação de 85 profissionais. O número não representa nem 0,5% dos cerca de 410 mil médicos em atividade nesta área, no Brasil.
“Há muita demanda por esse especialista no país. Acredito que a falta deles seja sentida, sobretudo, nas UPAs (Unidades de Pronto-Atendimento), que são os primeiros locais a receber pacientes com problemas graves, antes de serem encaminhados a um hospital”, diz o médico Carlos William Delfim.
Ele é plantonista do setor de emergência do Hospital de Pronto-Socorro João XXIII (HPS) há quase 20 anos. Experiente no assunto, Delfim afirma que o dia a dia de quem escolhe trabalhar com pacientes em risco iminente é extremamente estressante.
“O médico emergencista não tem o diagnóstico, mas deve ser capaz de dar uma sobrevida ao doente ou minimizar as sequelas em decorrência do problema”, ressalta o especialista do HPS.
Falta de estrutura pode frear interesse dos residentes
Embora países como Estados Unidos cobrem a residência em medicina de emergência de qualquer médico que queira trabalhar nos prontos-socorros, o clínico-geral Carlos William Delfim, plantonista do setor de emergência do HPS João XXIII, em Belo Horizonte, acha improvável que o Brasil passe a fazer essa exigência, mesmo a longo prazo.
“Eu trabalho com acadêmicos há muitos anos e percebo que poucos querem investir nessa área. A maioria quer trabalhar em consultório e ter uma rotina mais tranquila”, afirma.
Delfim também destaca que o salário recebido pelos profissionais que atuam no setor de emergência dos hospitais brasileiros é incompatível com a carga de estresse e trabalho, o que desestimularia os alunos.
Precariedade
Somado a isso, o Conselho Federal de Medicina (CRM) alerta que a situação das emergências do país é preocupante. “Vemos que faltam recursos materiais e humanos, o que acaba resultando em um serviço de baixa qualidade e demora no atendimento. Ninguém quer trabalhar em um local que está abandonado”, critica o representante da entidade, Hermann Von Tiesenhausen.
Muitas vezes, segundo ele, o paciente fica internado por mais de dez dias em unidades de pronto-atendimento até conseguir uma vaga em hospital, o que evidencia a falta de investimento na área.
Tiesenhausen ressalta ainda que essa não é uma avaliação apenas das instituições que representam os médicos. Estudos recentes feitos por institutos de pesquisa comprovaram que a maior parte da população brasileira reprova a qualidade dos serviços de saúde oferecidos no Brasil, seja público ou privado.
84 vagas serão oferecidas no país, em 2016, na residência em medicina de Emergência
60 países já reconhecem a medicina de emergência como uma residência, entre eles Estados Unidos, Austrália, Canadá, Irlanda e México