Caso o município da região Central de Minas não atenda a decisão, está sujeita a multa diária de R$ 5 mil
A decisão sobre o retorno do livro é liminar e ainda cabe recurso (Ziraldo / Reprodução)
O Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) derrubou, nesta quinta-feira (27), a suspensão dos trabalhos pedagógicos com o livro O Menino Marrom, escrito e ilustrado por Ziraldo. A Prefeitura de Conselheiro Lafaiete, na região Central de Minas, havia suspenso uso em escolas municipais na cidade.
A polêmica decisão repercutiu em todo o país. Além de ser considerado um clássico da literatura infantil e de levar a assinatura de um dos maiores autores brasileiros, o título, de 1986, foi banido devido à preocupação de "alguns pais" que viram no conteúdo "incitação à violência".
Na decisão liminar, que ainda cabe recurso, o juiz Espagner Wallysen Vaz Leite determina o cancelamento imediato da suspensão temporária dos trabalhos pedagógicos, sob pena de multa diária de R$ 5 mil. "A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e deste Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais é firme no sentido de proibição da censura prévia", diz um trecho da decisão.
A Secretaria Municipal de Educação de Conselheiro Lafaiete divulgou um comunicado oficial na tarde desta sexta-feira (28), onde informa que "o livro continua e continuará sendo utilizado nas escolas da Pede Municipal, conforme o plano pedagógico estabelecido pelos professores e equipes pedagógicas". E que "as atividades em sala de aula com o livro foram suspensas temporariamente em 18/06, não por censura ou intenção de exclusão, mas para que a equipe pedagógica da SEMED pudesse reunir-se e planejar ações em resposta a diversas solicitações e questionamentos de pais, autoridades e comunidade".
"Essas ações foram planejadas em reunião realizada na manhã do dia 20/06 e já no dia 21/06, os diretores e analistas educacionais foram orientados a retomar as atividades normais com o livro, portanto não há nada a responder sobre questionamentos relacionados ao 'cancelamento da suspensão'", completou a nota.
E, por fim, a secretaria informou que os "exemplares nunca foram recolhidos, permanecendo com os alunos".
A alegação dos pais que originou a decisão do município é a de que o texto tem trechos "agressivos" e que poderiam "incitar a violência". Em nota, na época, a Secretaria Municipal de Educação alegou que a medida era temporária e visava a "melhor readequação da abordagem pedagógica, evitando assim interpretações equivocadas".
O livro trata da amizade entre dois meninos, um branco e um negro, pano de fundo para abordar questões como respeito às diferenças e igualdade.
Idealizadora do Clube de Leitura Quindim, grupo independente que busca levar literatura infantil de qualidade para famílias de todo o Brasil, Renata Nakano classifica a situação como uma "censura horrorosa".
“Vemos uma dificuldade de interpretação de alguns pais, o que é compreensível, se considerarmos que somos um país com um terço de pessoas analfabetas”, diz.
Para a especialista, ainda hoje há famílias com uma visão "tradicional" da infância segundo a qual crianças não têm capacidade de interpretar textos ou pensar por si. "O que é um pensamento defasado”, afirma.
Outro problema, aponta, está na incapacidade desses pais para lidar com o simbólico, levando para o lado da compreensão literal do texto. “O livro representa toda uma ideia e forma de ensinar. O problema é as pessoas interpretarem de forma literal e ainda tirarem de contexto, levando para um debate muito raso”, completa Renata.
Para a especialista, a situação não teria sido bem analisada pela prefeitura. “Muito me espanta a prefeitura tomar essa decisão sem sequer ler o livro. O que me parece é que decidiram sem se preocupar em entender. Se tivessem lido, teriam visto que os argumentos dos pais são facilmente debatidos e anulados. Com certeza não foi embasado pela área técnica de educação e literatura”, acredita.
* Matéria atualizada às 15h41 com o posicionamento da Secretaria Municipal de Cultura de Conselheiro Lafaiete.