Lei municipal não garante mais proteção a menores contra álcool e drogas

Alessandra Mendes e Patrícia Santos Dumont - Hoje em Dia
10/10/2013 às 06:53.
Atualizado em 20/11/2021 às 13:13

Criada como mais um mecanismo de proteção da criança e do adolescente, uma lei municipal sancionada pelo prefeito Marcio Lacerda – em vigor desde quarta-feira (9) – dificilmente surtirá o efeito desejado. A norma obriga instituições de saúde de Belo Horizonte a notificar aos conselhos tutelares os casos de pacientes menores de 18 anos sob efeito de bebida alcoólica e droga. Para ser cumprida, dependerá da boa vontade da rede de saúde, pois não estabelece sanções.

Para a promotora Andrea Carellli, coordenadora das Promotorias de Justiça da Infância e da Juventude, a ideia do texto é boa, mas falha. “Lamento que a lei seja de uma pequenez flagrante. Sem punição, não vai funcionar. Digamos que o texto poderia ter sido menos imperfeito”, avalia.

Autor da Lei 10.662, o vereador Leonardo Mattos (PV) rebate. Segundo ele, o objetivo da norma não é punir, mas educar, incentivando uma maior articulação entre o Estado e a sociedade civil e a adoção de políticas públicas. “A lei é preventiva. Se não for cumprida, será uma falha das instituições envolvidas e uma quebra de confiança para com todos nós. A princípio, não vejo necessidade de aplicar medidas punitivas”, afirma.

Nem o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA) nem o Juizado da Infância e da Juventude da capital têm dados de denúncias referentes ao uso de drogas e de álcool por crianças e adolescentes. De acordo com a presidente do CMDCA, Márcia Alves, a regra é a subnotifica-cão. “Os números são tão baixos que não conseguimos agrupá-los. Tratamos como violação de direitos, conforme prevê o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)”, diz.

No Hospital de Pronto-Socorro João XXIII, foram realizados sete atendimentos por intoxicação por álcool ou drogas no ano passado. Em 2013, até o último dia 30, foram registrados dez casos. “Posso afirmar com certeza que a demanda de menores envolvidos com álcool e drogas está numa crescente assustadora. São vítimas cada vez mais novas. Na maioria dos casos, os pais estão cientes, mas ficam impotentes diante do problema”, diz o conselheiro da Regional Leste Andrassy Amaral.

O juiz Marcos Padula, da Vara Cível da Infância e da Juventude, aposta na lei municipal. “O ECA prevê genericamente o dever de comunicar situações que envolvam risco à criança e ao adolescente, mas, até então, não há nenhuma legislação específica sobre casos de uso de drogas e álcool”.
 
Conselheira aponta descaso na rede particular
 

Apesar de vista com bons olhos sob alguns aspectos, a nova lei não deve aumentar a demanda de atendimento nos conselhos regionais. Na maioria dos casos, a notificação já é realizada por parte das unidades de saúde, por meio de um formulário que deve ser preenchido em caso de risco a menores.

“Isso é rotina nos atendimentos envolvendo crianças e adolescentes, incluindo situações de uso e abuso de álcool e drogas”, afirma o diretor assistencial da Rede Fhemig, Henrique Timo Luz. Entretanto, de acordo com relato de conselheiros tutelares, a notificação não acontece quando o atendimento é na rede privada. “Os hospitais particulares não encaminham esse tipo de caso. Sabemos que eles também recebem essa demanda, mas não repassam”, revela a conselheira da Regional Pampulha Adriana Coutinho.

Ainda que não proporcione um grande aumento de demanda, a preocupação é grande por causa do contingente de profissionais disponíveis. A capital tem 45 conselheiros tutelares, cinco para cada uma das nove regionais. “É humanamente impossível atender a todos os casos encaminhados porque faltam profissionais”, afirma Andrassy Amaral, conselheiro da Regional Leste. Uma norma do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente  (Conanda) recomenda que haja um conselheiro para cada 100 mil habitantes. Em BH, a defasagem é de 75.
 
Secretaria vai acionar rede pública
 
Em nota, a Secretaria Municipal de Saúde informou que as unidades de BH já notificam diversas situações de risco e vulnerabilidade contra menores. A secretaria ainda alegou que vê a lei como um avanço e que irá incorporá-la à rotina de notificações das unidades.

Procurada para comentar o assunto, a Associação dos Hospitais de Minas Gerais (AHMG) não se pronunciou até o fechamento desta edição.
 

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