Metrô de Belo Horizonte completa 30 anos com histórias divertidas e curiosas

Igor Patrick
ipsilva@hojeemdia.com.br
29/07/2016 às 20:58.
Atualizado em 15/11/2021 às 20:04
 (Flávio Tavares)

(Flávio Tavares)

O idoso, ex-combatente de guerra, que viu uma mulher parecida com a falecida esposa e ia para a estação todos os dias esperá-la até ser acusado de assédio. Proibido de ficar no local, morreu de desgosto dias depois. O maquinista que deixou o trem ligado na Estação Minas Shopping e teve que correr atrás das conduções desgovernadas, para o espanto da população. E a funcionária da Estação 1º de Maio tentando pegar com uma pinça a dentadura do velhinho que caiu nos trilhos, já tarde da noite. Em 30 anos de existências, completados amanhã, o metrô de Belo Horizonte acumula dezenas de histórias curiosas, engraçadas e até comoventes.

Funcionária da Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU) desde 1999, a assistente operacional Vanessa Barros documentou todas elas em um livro. Reuniu esses e outros 67 relatos ao longo de quatro anos e hoje, duas coletâneas depois, é chamada pelos corredores das estações como “biógrafa do metrô”. A intenção, ela conta, é dar voz a quem usualmente é invisível e cujas histórias se perdem nas rodas de amigos, na memória de quem trabalha nas estações. “A escrita nos expõe muito e resisti a começar, mas a gente assiste as histórias passarem por ali e me sinto gratificada de colocá-las aos olhos das pessoas”, orgulha-se.

E em três décadas passou muita coisa, desde o início das obras em 1981 – financiadas pelo governo francês, prevendo estações em Betim, na Grande BH, e, ainda naquela época, a promessa da chegada ao Barreiro – até a inauguração, em 1986. Veio com a ambição de encerrar os trens urbanos e modernizar a mobilidade na capital e região metropolitana.

Pela cidade, o burburinho circulava há anos: o metrô, símbolo de inovação e antes restrito ao Rio de Janeiro e São Paulo, chegava à metrópole mineira.Flávio TavaresDOCUMENTADO – Vanessa reuniu os relatos sobre o metrô e os transformou em livros

Um dos primeiros

No início, o projeto era reduzido: ia da Lagoinha ao Eldorado. A Estação Central, ainda em construção, estreou mais tarde naquele ano. O maquinista Raymundo Anastácio, 61 anos, estava lá, na primeira viagem. Funcionário da Rede Ferroviária de Minas, que antecedeu a CBTU nos trabalhos de administração da linha, Raymundo tinha 29 anos quando prestou prova para conduzir o metrô em BH. De 800 candidatos, ficou entre os dez selecionados. 

“As viagens foram gratuitas durante alguns meses e o horário de funcionamento era reduzido, das 9h às 13h. As pessoas chegavam às estações curiosas, tinha até quem viesse só passear na linha”, relembra o maquinista. Os filhos, à época com 4 e 5 anos, acompanhavam Raymundo: passeavam de camarote na cabine e, com entusiasmo próprio de criança, diziam querer a profissão do pai também quando fossem crescidos.Arquivo Público de Belo Horizonte/Aldo joséHISTÓRIA – Eduardo Azeredo, então prefeito de BH, inaugura a Estação Horto, em 1992

Trabalhar no novo serviço da capital foi a opção escolhida para fugir da crise no país

Também maquinista e da mesma turma de Raymundo, Marcos Vinícius Barbi chegou à CBTU fugindo da crise em um Brasil com economia devastada e no fim da ditadura. Bancário, Barbi estava na leva de demitidos com a chegada do caixa eletrônico às agências e viu no funcionalismo público a oportunidade de estabilidade financeira e valorização profissional. “As pessoas estavam perdendo os empregos. Decidi procurar o concurso para fugir da crise”.

Tanto tempo depois, Barbi agora assiste o país passar por situação econômica tão delicada quanto na época. Hoje, aos 52 anos e com filhos com menos idade que os 33 que tem de tempo de casa, ele só lamenta as promessas não cumpridas e as expansões que nunca chegaram. “A gente lamenta muito porque Belo Horizonte é carente desse tipo de investimento”, diz.GratidãoArquivo Público de BHINICIAL – Croqui de dezembro de 1969 planejava o metrô na cidade, que seria subterrâneo

O colega Raymundo também chegou na CBTU depois de não conseguir se manter como técnico em contabilidade. Além das dificuldades enfrentadas pelo país na época de início do metrô, sentia a necessidade de acompanhar o crescimento dos filhos ainda bebês, ao invés de passar horas fechado dentro do escritório. “Mesmo com todas as dificuldades que a gente enfrenta aqui, nunca vou ser tão grato a outro lugar como sou com o metrô. Criei meus filhos, construí minha vida com a ajuda daqui”. 

No fim deste ano ou início de 2017, ele pretende se aposentar. Vai abandonar “a relação mais longa que teve”. A decisão não será fácil. “Estou me preparando psicologicamente. Fica o carinho e a sensação boa de ter prestado um serviço útil para a população por tantos anos”.

Barbi vai na mesma linha. Ele, que se formou em geografia na UFMG em 2009 e usou o metrô como ponto central da monografia, assiste ao sucateamento atual do sistema com tristeza. “Quando chegaram os trens novos ano passado, comemorei, mas daí a gente vê a situação geral e dói em você. Tenho uma relação muito forte com o metrô, estou aqui há mais tempo que a idade dos meus filhos. Falta atenção política”, lamenta o maquinista.

Lei mais sobre o metrô de BH na edição desta segunda-feira (1º).

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