(Lucas Prates/Hoje em Dia)
Nas celas, há o dobro ou até o triplo da capacidade de presos primários, reincidentes e autores de pequenos furtos misturados a criminosos de alta periculosidade. Além da superlotação, o sistema carcerário de Minas perdeu a capacidade de segregar detentos de maior potencial ofensivo dos demais em muitas unidades prisionais. Quem confirma é a própria Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds), admitindo a incapacidade de separar, em algumas penitenciárias, presos provisórios dos que já foram condenados pela Justiça. A única separação é dos detentos que respondem por estupro ou pensão alimentícia, além da subdivisão dos regimes fechado e semiaberto. Sem solução a curto prazo, a crise carcerária pode piorar em Minas. A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara aprovou neste mês projeto de lei do Senado que determina a separação de presidiários conforme a gravidade do crime. Na edição dessa segunda-feira (17), o Hoje em Dia mostrou outras mudanças que podem ocorrer no sistema caso sejam aprovadas 20 propostas da CPI do Sistema Carcerário. Como o projeto da segregação de presos tramitava em caráter terminativo, segue para a sanção da presidente Dilma Rousseff. A regra entra em vigor na data de publicação. Porém, não há prazo definido. Promotores, professores, advogados e especialistas em segurança são unânimes quanto à necessidade de implementação da medida. Para a pesquisadora do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (Crisp) da UFMG, Ludmila Ribeiro, separar os detentos é fundamental para evitar a ideia de “cadeia como escola do crime”. “Pesquisas indicam que a prisão de indivíduos muito diversos juntos propicia a organização para o crime. A separação também facilita a ressocialização e reduz problemas internos, como os conflitos entre detentos”, diz Ludmila. Ela ressalta que a lei já prevê a segregação. O que falta é um mapeamento do sistema carcerário. Sem estrutura Para o promotor Marcelo Mattar, coordenador das promotorias criminais do Ministério Público Estadual, a mudança deve ser aprovada, mas esbarra na incapacidade do Estado. “A separação é ótima quando temos uma estrutura toda pronta, sem superlotação, ou em condições de se construir novas unidades a curto prazo. Mas nada disso existe”. Segundo Mattar, o sistema carcerário “inchou” de tal forma que a prioridade é pela prisão. “O Brasil tem que se adaptar. Precisamos gastar com segurança pública o suficiente para enfrentar a criminalidade que temos, e não a que queremos. A verba de hoje não é suficiente”. Com 26 anos de experiência na área de direito penal, o doutor em criminologia Adilson Rocha é categórico. Para ele, que é coordenador nacional de Acompanhamento do Sistema Prisional da OAB, além da necessidade de se construir novos presídios, é preciso rever toda a gestão. “Falta vontade política. Não basta simplesmente prender. É preciso ressocializar o preso para que ele não volte a cometer crimes”. Superlotado, Ceresp junta autores de delitos graves e brandos Deve ficar pronto na última semana deste mês o relatório do mutirão carcerário iniciado em maio no Centro de Remanejamento de Presos (Ceresp) Gameleira, na região Oeste de Belo Horizonte. A greve na UFMG teria prejudicado o andamento dos trabalhos. O objetivo é reduzir a superlotação da unidade, que tem capacidade para 481 detentos, mas até o mês passado abrigava mais de mil. “Chama a atenção o número elevado de presos por crimes contra o patrimônio, como furtos, que são delitos cometidos sem o uso de violência. A pena varia de um a quatro anos, porém, eles convivem diariamente com autores de crimes de alta periculosidade”, afirma o diretor da Divisão de Assistência Judiciária da UFMG, Felipe Martins Pinto. Assim como nas demais unidades do Estado, as únicas divisões entre os presos leva em conta os envolvidos em crimes sexuais e homens que não pagaram pensão alimentícia, informou Felipe Martins, que está à frente do mutirão no Ceresp Gameleira. Professores, estudantes e advogados estão analisando a situação dos internos para avaliar em quais casos é possível aplicar benefícios previstos na legislação penal brasileira, como a progressão de regime, saída temporária ou liberdade provisória. Problema antigo A Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds) novamente não indicou um representante para falar sobre o assunto. Por meio de nota, a assessoria de imprensa da secretaria informou que o problema se deve “à superlotação, que vem se agravando há vários anos”. A Seds admite que as penitenciárias estavam recebendo presos provisórios há anos. Presídios e centros de remanejamento, por sua vez, recebiam condenados pela Justiça. “As últimas duas décadas foram marcadas pela perda de capacidade de gestão do sistema prisional. A meta do atual governo é restaurar essa capacidade”, destaca a nota. Mudanças previstas Apresentado em 2007 pelo então senador Aloizio Mercadante, atual ministro-chefe da Casa Civil, o projeto de lei aprovado na CCJ altera a Lei de Execução Penal, que determina apenas a separação entre presos provisórios e condenados, e primários de reincidentes. Segundo o novo texto, detentos sentenciados ficarão divididos da seguinte maneira: acusados de crimes hediondos ficam separados de autores de delitos com violência ou grave ameaça à pessoa e de homens que praticaram outros crimes. Na separação dos condenados, autor de crimes hediondos serão segregados de reincidentes condenados por crimes com violência ou grave ameaça à pessoa, primários condenados pela prática de crimes cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa e dos demais condenados pela prática de outros crimes. O projeto de lei também prevê que o preso que tiver a integridade física, moral ou psicológica ameaçada ficará em local próprio. 33 mil detentos provisórios estão no sistema carcerário do Estado, segundo a Seds.