MPMG busca soluções para reparar danos ao patrimônio imaterial em Barão de Cocais

Daniele Franco
05/06/2019 às 19:10.
Atualizado em 05/09/2021 às 18:58

Manifestações culturais, festividades, tradições e a própria vivência diária entre as pessoas são consideradas patrimônios imateriais de um local, e em Barão de Cocais, onde cerca de 400 pessoas foram tiradas de suas casas em fevereiro deste ano pelo risco de rompimento da barragem da mina de Gongo Soco, estes bens estão ameaçados. Pensando nas lesões causadas pela incerteza sobre o rompimento da barragem Sul Superior, o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) realizou, nessa terça-feira (4), uma série de oitivas para mensurar o impacto da mudança brusca na vida das comunidades.

Cerca de 20 pessoas foram ouvidas, conforme contou a promotora de Justiça Giselle Ribeiro, que comanda a Coordenadoria das Promotorias de Justiça de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico (CPPC). A promotora explicou que a ação faz parte do esforço do MPMG de buscar elementos para a Ação Civil Pública (ACP) impetrada para obrigar a Vale a tomar atitudes para proteger o patrimônio cultural e turístico das áreas em risco. "Com a elevação do risco de rompimento da barragem em fevereiro, nós imaginamos que poderia ter havido lesões também ao meio ambiente cultural, o que foi comprovado quando conversamos com os moradores", explicou. 

Uma das entrevistadas foi Ana Rita de Souza, de 33 anos, que vivia com a família na comunidade de Socorro. De acordo com elas, os promotores perguntaram sobre as memórias da comunidade, as coisas consideradas importantes pelos moradores e se alguém tinha parentes enterrados nos cemitérios dentro da área evacuada. "Perdemos a tradição das bandeiras de santos que a comunidade tinha, a folia de reis, e agora estamos lutando pela festa da Mãe Augusta de Socorro, que aconteceria na igreja em agosto. Nós perdemos o senso de comunidade, porque antes vivíamos como uma grande família e agora estamos todos separados", lamentou a ex-moradora.

Outra reclamação dos moradores destacada pela promotora de Justiça é a forma com que as imagens de símbolos religiosos retiradas dos locais em risco foram colocadas na matriz da cidade, mas estão embaladas e armazenadas fora do alcance do público. "É importante que isso não aconteça porque esse distanciamento deixa as pessoas sem contato com objetos de devoção, o que altera a rotina do indivíduo e a forma com que ele vive suas tradições", contou.

Sobre as festividades religiosas, Giselle explicou que já foi ajuizada uma ação cautelar para obrigar a Vale a garantir que as festas sejam realizadas da forma mais próxima possível do que era antes da alteração na rotina dos moradores. Segundo a promotora, o MPMG espera que a Vale resolva a situação do patrimônio cultural em Barão de Cocais o mais rápido possível, e uma das justificativas do órgão para a urgência é o pedido feito pela mineradora na Justiça para entrar nas propriedades evacuadas em caráter de urgência devido ao estado de calamidade pública e risco iminente de rompimento. "Se a empresa entende que deve tomar esse tipo de atitude porque a barragem com risco iminente de rompimento, as medidas para proteger os bens culturais também tem que ser tomadas com urgência", justificou.

Outra vida

Ana Rita de Souza teve que sair às pressas de casa no dia 8 de fevereiro junto dos filhos de 10 e 2 anos e do marido, deixando todo o resto para trás. "É como se o vilarejo tivesse parado no tempo, está tudo como deixamos e não podemos nem voltar, do contrário somos considerados ladrões de nossas próprias casas".

Em entrevista ao Hoje em Dia, Ana contou que sua fonte de renda eram aulas particulares dadas a crianças da comunidade, mas depois da evacuação, acabou sem seu ganha-pão. "Perdi minha história, nós perdemos, e somos atingidos todos os dias por uma lama invisível e estamos perdendo cada dia mais", finalizou a moradora.

Para a promotora Giselle Ribeiro, o risco do rompimento da barragem Sul Superior promoveu mudanças claras no modo de vida tradicional em Barão de Cocais, não só das comunidades evacuadas. "É um município do interior que tinha um modo de vida razoavelmente pacato e, agora, tem vivido de forma sobressaltada pelo risco da perda". concluiu

Resoluções

O Ministério Público busca, através da ACP, que a Vale tome medidas para garantir a mínima integridade do patrimônio cultural de Barão de Cocais. Entre elas, o órgão pede que a empresa resgate os itens históricos ainda presente nos locais em risco, resgate as roupas que os moradores deixaram para trás no dia em que foram obrigados a deixar suas casas ou compre novas e faça uma filmagem em 3D da capela de Socorro, que será engolida caso a barragem se rompa e é um patrimônio histórico. "Foi de onde começou a cidade de Barão de Cocais, e não queremos ver esse patrimônio perdido", lamentou Ana Rita.

Os próximos passos, segundo a promotora Giselle Ribeiro, são continuar a coleta de elementos nos próximos trinta dias, quando os complementos à Ação Civil Pública já impetradas ainda poderão ser anexados. "Nosso objetivo é entregar uma ação o mais completa possível. Tentamos desde o dia em que o risco foi anunciado resolver a situação de forma consensual, através de recomendações, mas a Vale não tomava as atitudes com a urgência necessária", afirmou a promotora.

Se acatada pela Justiça, a ACP obrigará a Vale a tomar atitudes de proteção dos bens culturais da cidade e a empresa estará sujeita a multas caso descumpra alguma das decisões.

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